Obras públicas sem qualidade geram críticas em Nampula
Sitoi Lutxeque (Nampula)
26 de julho de 2022
O uso de material sem qualidade nas obras públicas em Nampula e a corrupção são apontados como o principal problema pela população, que pede mão dura do Governo. Autoridades dizem que já estão a sancionar empreiteiros.
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Nos últimos anos, um pouco por todo o país, tem vindo a aumentar o número de construções de péssima qualidade custeadas pelo Governo moçambicano. Também em Nampula, cidadãos lamentam a qualidade das obras públicas.
Lenine Vilares é um deles. "A qualidade das obras deixa muito a desejar, uma vez que temos assistido a inaugurações de uma obra, quer do Governo central assim como municipal, e em menos de 30 dias, com uma pequena tempestade, as obras desaparecem", critica.
Para este morador, "o fator material pode estar a influenciar e, por outro lado, a corrupção". Lenine Vilares diz que, além do cidadão, o mais prejudicado nesta história é o próprio Governo, que gasta mais dinheiro para consertar o mesmo projeto.
Lenine Vilar entende que a corrupção e a falta de fiscalização por parte do Governo são um dos maiores problemas que adia a qualidade das obras públicas em Moçambique.
Por isso, sugere que "para acabar com isso, primeiro temos de estar livres da corrupção, porque se o empreiteiro sabe que o bolo que recebi, dividimos [com os gestores, neste caso dono das obras], o gestor não tem coragem de exigir a qualidade das obras". Os fiscais deveriam ser "mais sérios e livres da corrupção", apela.
Alguns exemplos concretos
Júlio Assane é um outro cidadão desapontado com a baixa qualidade das obras públicas. "Nos últimos tempos, as obras que são feitas por alguns empreiteiros não têm qualidade", critica.
E dá como exemplo a estrada que liga a Estrada Nacional Número 1 ao Hospital Geral de Marrere. "Quando se pensava que era um alívio para os utentes, passados dois meses foi derrubada por uma pequena chuva. Então, o que o Governo devia fazer era penalizar esses empreiteiros falsos", defende.
Na cidade de Nampula, a estrada que liga ao Hospital Geral de Marrere foi inaugurada a 4 de janeiro, mas, depois das chuvas, durou 20 dias e até agora encontra-se intransitável e abandonada pelo empreiteiro.
Outro exemplo é na província de Tete, onde a ponte sobre o Rio Rovubwe passou por obras de reabilitação de 2019 a 2020, depois de ter sofrido pelas cheias do ciclone Idai em 2019. A reabilitação custou aos cofres do Estado cerca de 3,2 milhões de euros. Passado quase um ano, a ponte não resistiu à fúria das águas.
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Governo promete mais fiscalização
O Governo reconhece os problemas do setor e diz que está a trabalhar na intensificação de fiscalização e que há resultados.
Graciano Artur, presidente da Comissão Nacional de Licenciamento de Empreiteiros e Consultores de Construção Civil, no Ministério das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, diz que, por exemplo, em Nampula, foram fiscalizadas 24 empresas de construção e, lamentavelmente, 18 possuíam diversas irregularidades.
"Conseguimos, dessas 18, multar oito empresas, porque consideramos que as irregularidades eram graves, na componente de quadros técnicos permanentes, em função das classes que foram licenciadas e há que não tem e quando é assim, não podem ser empreiteiros. Há empresas que caçamos alvarás. Também constatamos que há empresas a executar obras com alvarás caducadas", reconhece.
Também o ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, Carlos Mesquita, se diz preocupado pelo elevado número de empresas que operam no país de forma irregular.
"Só para o nosso conhecimento, realizámos um trabalho de inquérito e numa amostra de 144 empresas inquiridas, 88 infringiram o regulamento de empreiteiro e de consultor de construção civil, isso na província e cidade de Maputo", exemplifica.
Para travar o aumento do abandono de obras públicas, má qualidade e diversas irregularidades, Carlos Mesquita afirma que o Governo decidiu "iniciar um trabalho de fiscalização em todo o país para aferir a regularidade do exercício das atividades de todos empreiteiros e consultores de construção civil, o que vai certamente levar a penalização de algumas empresas infratoras".
Este trabalho vai ser contínuo, assegura. "Por isso apelamos a todas empresas que operam nesta área a organizarem-se, sob pena de verem as suas licenças canceladas", sublinha o ministro.
A Federação dos Empreiteiros Moçambicanos já assumiu que pelo menos 70% das obras no país não têm qualidade e muitas contam com dinheiro público. Também suspeita de corrupção nos concursos públicos para escolher os empreiteiros.
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.