Analistas ouvidos pela DW África aplaudem o anúncio do Governo etíope, de que irá aplicar o acordo de paz com a Eritreia assinado há 18 anos. Mas há também quem prefira esperar para ver se se concretiza.
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O Governo da Etiópia anunciou na terça-feira (05.06) que irá aplicar "em pleno" o acordo de paz com a Eritreia assinado em 2000. Segundo o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, "nem a Etiópia nem a Eritreia se beneficiam com este impasse".
A concretizar-se, o anúncio vem colocar um fim ao conflito entre os dois países e reconhecer a delimitação fronteiriça que obrigará a Etiópia a retirar as suas tropas da cidade de Badme. A desocupação ainda não terá tido início.
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Para já, e apesar do apelo do Executivo etíope para respeitar também o acordo, o Governo da Eritreia ainda não reagiu oficialmente ao anúncio do país vizinho. No entanto, e segundo Ulrich Delius, diretor da organização não-governamental alemã "Sociedade para os Povos Ameaçados", estas são boas notícias.
"É um avanço, porque significa mais paz e segurança na região do Corno de África", afirma.
O anúncio do Governo da Etiópia acerca da aceitação da delimitação fronteiriça com a Eritreia foi feito horas depois do Executivo etíope suspender o estado de emergência, em vigor no país desde fevereiro.
Um primeiro-ministro reformista
Esta é uma das muitas mudanças políticas que constam da agenda radical de reformas anunciada pelo primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, que chegou ao poder apenas em abril.
Quando tomou posse, o primeiro-ministro, de 41 anos, prometeu, entre outras coisas, uma maior liberdade no país, mais investimento estrangeiro e a restauração da paz com a Eritreia. São promessas que, aos olhos de Ulrich Delius, estão a ser cumpridas.
"Até agora ele fez tudo o que anunciou. Por isso, não havia razão para duvidar que isto aconteceria. Este homem sabe exatamente o que está a fazer, foi uma decisão pensada."
Já Ludger Schadomsky, chefe da redação amárica da DW, considera que Abiy Ahmed pode estar a ir rápido demais.
"Temos que ter um olhar muito crítico e ver quantas das medidas anunciadas serão realmente implementadas", diz. "Este é um ritmo de reformas bastante acelerado para um primeiro-ministro tão jovem; um primeiro-ministro que, primeiro, terá de se afirmar e enfrentar um forte do aparato de segurança."
Nova missão da ONU?
No "Acordo de Argel", assinado há 18 anos, as Nações Unidas tinham um papel importante a desempenhar na manutenção da paz entre os dois países.
Governo etíope "sabe o que está a fazer"
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De 2000 a 2008, a organização chegou mesmo a ter uma missão na zona fronteiriça entre a Etiópia e a Eritreia, que tinha como objetivo monitorizar o cumprimento do acordo. Agora, com este anúncio de Addis Abeba, as Nações Unidas poderão voltar a atuar, segundo o jornalista Martin Plaut.
"Se este anúncio for confirmado, certamente as Nações Unidas terão um papel importante para facilitar o fim do conflito entre as duas partes", refere Plaut.
A Eritreia declarou independência da Etiópia em 1993, tendo as disputas fronteiriças conduzido os dois países a uma guerra entre 1998 e 2000, que fez pelo menos 80.000 vítimas mortais.
Em 2000, os dois países assinaram o "Acordo de Argel", que visava o fim do conflito. Dois anos mais tarde, um tribunal arbitral internacional determinou a futura fronteira entre os dois países, concedendo à Eritreia a cidade de Badme. Uma decisão que até agora não era aceite pela Etiópia.
De portas abertas: Etiópia recebe os "inimigos" eritreus
Todos os dias, os eritreus deslocados atravessam a perigosa fronteira para buscar asilo em território inimigo, mas a Etiópia parece muito feliz em acomodá-los.
Foto: DW/J. Jeffery
Vagando pelo deserto
"Levamos quatro dias viajando de Asmara", disse um eritreu de 31 anos sobre a caminhada da capital da Eritreia, a 80 quilômetros ao norte da fronteira, depois de chegar à Etiópia. "Viajamos por 10 horas durante a noite, dormindo no deserto durante o dia". Com ele estão outros três homens, três mulheres, seis meninas e quatro meninos.
Foto: DW/J. Jeffery
Sem volta
"As condições de vida na Eritreia são mais perigosas do que atravessar a fronteira", diz um soldado eritreu de 39 anos – agora um desertor depois de atravessar para a Etiópia. Após serem recolhidos por soldados etíopes que patrulham a fronteira, os eritreus são enviados para um centro de registo, onde é iniciado o processo de pedido de asilo na Etiópia.
Foto: DW/J. Jeffery
Vida de acampamento
Os recém-chegados são acomodados em um dos quatro campos de refugiados na região do Tigray na Etiópia. O acampamento de Hitsats é o maior e mais novo, com 11 mil refugiados. Cerca de 80% deles têm menos de 35 anos de idade. "Mesmo que busquem o asilo político, haverá uma questão económica, já que eles são jovens e precisam gerar renda para viver", diz o coordenador do campo, Haftam Telemickael.
Foto: DW/J. Jeffery
Aproveitar ao máximo a situação
A infraestrutura do acampamento é simples, mas digna. Há pouco lixo espalhado e as pessoas fazem o máximo para tornar a sua habitação o mais caseira possível. "Quando eu bebo uma xícara de café entre as flores é bom", diz John, de 40 anos, de pé no pequeno jardim cheio de flores ao redor da casa do acampamento de Hitsats, onde vive com a filha de 10 anos. Sua esposa está na América.
Foto: DW/J. Jeffery
Vida difícil
"O povo eritreu é bom", diz Luel Abera, um funcionário etíope que ajuda a coordenar as chegadas de refugiados antes de se mudarem para um acampamento. "Eles lutaram pela independência por 30 anos. Mas desde o primeiro dia, [o Presidente da Eritreia] Isaias [Afwerki] governou o país sem se importar com os interesses de seu povo". Isaias governou a Eritreia há mais de 25 anos.
Foto: DW/J. Jeffery
Influxo constante
"Não quero falar sobre por que cruzamos a fronteira", diz Haimanot, de 18 anos, que cuida de um pequeno barraco usado para a recarga de telemóveis em Hitsats. Em fevereiro de 2017, mais de três mil eritreus chegaram à Etiópia, de acordo com a agência de refugiados do país. Pelo menos 165 mil refugiados e requerentes de asilo residem na Etiópia, de acordo com a ONU.
Foto: DW/J. Jeffery
Sono tranquilo
"No Sudão há mais problemas. Aqui podemos dormir tranquilamente", diz Ariam, de 32 anos, que chegou a Hitsat há quatro anos com seus dois filhos depois de passar outros quatro anos num campo de refugiados no Sudão. Os refugiados afirmam que os militares da Eritreia realizam missões para capturar eritreus no Sudão. A fronteira da Etiópia com a Eritreia é muito mais protegida contra estas incursões.
Foto: DW/J. Jeffery
Generosidade ou estratégia?
"A resposta da Etiópia é gerenciar o portão e perceber como isso pode se beneficiar com esses fluxos inevitáveis de pessoas", diz a analista de refugiados Jennifer Riggan. Mais dinheiro também é gasto hospedando refugiados devido a esforços internacionais para frear a migração para a Europa. Também é um caminho para a Etiópia reforçar a sua reputação internacional.
Foto: DW/J. Jeffery
A camaradagem supera o ódio
As posições militares da guerra de 1998-2000 entre a Etiópia e a Eritreia ainda estão ao lado da fronteira de hoje. Enquanto isso, ambos os governos acusam-se de conspirar um contra o outro. Mas a Etiópia parece disposta a se redimir com os eritreus comuns. "Somos as mesmas pessoas, compartilhamos o mesmo sangue, até mesmo os avós", diz Estifanos Gebremedhin da agência de refugiados da Etiópia.
Foto: DW/J. Jeffery
Migrar
"Meus filhos estão na América, mas não há razão para eu ir – agora sou um homem velho", diz Tesfaye, de 74 anos, em Shimelba, primeiro campo de refugiados eritreus de Tigray, aberto em 2004. Outros milhares de eritreus vivem em cidades etíopes, fora dos acampamentos. Muitos decidem migrar para fora – alguns legalmente, como os filhos de Tesfaye, mas muitos ilegalmente, e às vezes morrem tentando.
Foto: DW/J. Jeffery
Passado não esquecido
"Os soldados etíopes que nos encontraram foram como irmãos para nós", diz Yordanos, de 22 anos, mãe de dois. A Eritréia era a região mais ao norte da Etiópia antes da sua independência em 1993. Desde então, Tigray passou a ser a região etíope mais ao norte. Por isso, muitos eritreus compartilham a mesma língua, Tigrinya, e a mesma religião e cultura ortodoxa que os habitantes de Tigray.