“Olhem para Cabo Verde” diz Mo Ibrahim aos países africanos
Lusa
8 de abril de 2017
O presidente da Fundação Mo Ibrahim aponta o antigo Presidente cabo-verdiano Pedro Pires como "um herói" e um exemplo para outros líderes africanos pelo seu papel na introdução da democracia no seu país.
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"O problema com África é que não conhece os seus heróis, só conhece os maus líderes, os criminosos", afirmou Mo Ibrahim, que intervinha na sexta-feira (7.04) no arranque do "Fim de Semana da Governação Ibrahim", que decorre até domingo (9.04) em Marraquexe.
Na sessão deste ano, estão presentes três antigos laureados do Prémio para a Excelência na Liderança Africana, atribuído pela Fundação Mo Ibrahim: os antigos Presidentes Joaquim Chissano (Moçambique), Pedro Pires (Cabo Verde) e Festus Mogae (Botsuana). "São líderes que garantiram a paz, a democracia, que olharam pelos povos, que fizeram avançar os seus países", disse.
Mo Ibrahim destacou o papel do antigo chefe de Estado cabo-verdiano na luta pela independência e pela introdução da democracia no país: "É um grande exemplo", considerou.
"Em vez de olharem para a China ou América, olhem para Cabo Verde! Vejam como é que conseguiram", apelou.
O problema dos movimentos de libertação
Pedro Pires "veio de um movimento de libertação", recordou, para acrescentar: "Em alguns países em África temos um problema como estes movimentos. Quando se torna um partido no poder e ainda age como um movimento de libertação, é um grande problema para a governação. E vemos isso à nossa volta".
"Se calhar, talvez o Presidente Pires devesse viajar até à África do Sul e aconselhar as pessoas", disse, referindo-se à crise política no país, arrancando gargalhadas entre a plateia. Pires, continuou Ibrahim, "era comandante e estava mesmo a combater os portugueses".
"Quando se tornou Presidente, o que é que ele fez? Ganhou a independência e por alguma razão estranha, decidiu que Cabo Verde devia ser um país democrático, devia permitir partidos da oposição, devia ter uma economia liberal, ter eleições. Depois, aconteceu uma coisa incrível. Ele perdeu as eleições. Conseguem acreditar?", relatou.
Quando Pedro Pires perdeu as eleições foi viver para casa da mãe. "Eu perguntei porque é que não falou com alguns dos seus irmãos que constroem casas de 20 milhões com o dinheiro dos contribuintes", afirmou, numa alusão a chefes de Estado africanos que vivem sumptuosamente.
"É um exemplo para nós. Quantas das nossas crianças sabem sobre Pedro Pires?", questionou.
Liderança e boa governação
O prémio Mo Ibrahim é anunciado anualmente, mas nem sempre tem vencedor, porque a Fundação e o presidente consideram que deve distinguir uma "liderança verdadeiramente excecional".
Desde 2006, o prémio foi apenas atribuído quatro vezes: a Joaquim Chissano, Pedro Pires, Festus Mogae e Hifikepunye Pohamba (Namíbia), enquanto Nelson Mandela foi distinguido como vencedor honorário inaugural, em 2007.
A Fundação Mo Ibrahim dedica-se há dez anos a promover a liderança e a boa governação em África, e publica anualmente o Índice Ibrahim de Governação Africana, que recolhe mais de cem indicadores sobre todos os países africanos. "Apenas pedimos estado de Direito, segurança dos cidadãos, desenvolvimento equilibrado, foco em educação com qualidade, saúde, respeito pelos direitos e pela dignidade dos cidadãos, independentemente do género, etnia, religião, orientação sexual. É muito razoável", considerou o responsável.
O encontro em Marraquexe reúne líderes políticos, responsáveis de organizações multilaterais e regionais e representantes do mundo empresarial e da sociedade civil e pretende debater o tema "África num ponto de viragem".
O eterno segundo lugar: uma vida na oposição em África
Não são apenas os presidentes que não mudam durante décadas nalguns países africanos. Também os chefes da oposição ocupam o cargo toda a vida, vedando o caminho às novas gerações. Conheça alguns eternos oposicionistas.
Foto: Reuters
O guerrilheiro moçambicano
Afonso Dhlakama é um veterano entre os oposicionistas africanos de longa duração. Em 1979 assumiu a liderança do movimento de guerrilha Resistência Nacional Moçambicana, RENAMO. Este tornou-se num partido democrático. Mas Dhlakama é famoso pelo seu tom combativo. Por vezes ameaça pegar em armas contra os seus inimigos. E concorreu cinco vezes sem sucesso à presidência do país.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Morgan Tsvangirai - o resistente
O ex-mineiro tornou-se num símbolo da resistência contra o Presidente vitalício do Zimbabué, Robert Mugabe. Foi detido, torturado, sofreu fraturas do crânio e uma vez tentaram, sem sucesso, atirá-lo do décimo andar de um edifício. Após as controversas eleições de 2008, o líder do Movimento pela Mudança Democrática chegou a acordo com Mugabe sobre uma partilha do poder.
Foto: Getty Images/AFP/J. Njikizana
O primeiro jurista doutorado na RDC
Étienne Tshisekedi foi nomeado ministro da Justiça antes de terminar o curso. Só mais tarde se tornou no primeiro jurista doutorado da República Democrática do Congo. Teve vários cargos na presidência de Mobuto, mas tornou-se crítico do regime. Foi preso e obrigado a abandonar o país. Liderou a oposição de 2001 até a sua morte em fevereiro de 2017. Perdeu as eleições de 2011 contra Joseph Kabila.
Foto: picture alliance/dpa/D. Kurokawa
Raila Odinga: a política fica em família
Filho do primeiro vice-presidente do Quénia, Raila Odinga nunca escondeu a ambição de um dia assumir a presidência. Foi deputado ao mesmo tempo que o pai e o irmão. Mas não se pode dizer que seja um militante fiel de algum partido: já mudou de cor política por quatro vezes. Após a terceira derrota nas presidenciais de 2013, apresentou queixa em tribunal contra o resultado e ... perdeu.
Foto: Till Muellenmeister/AFP/Getty Images
O Dr. Col. Kizza Besigye do Uganda
Besigye já foi um íntimo de Museveni, para além do seu médico privado. Quando começou a ter ambições de poder, transformou-se no inimigo número um do Presidente do Uganda. Foi repetidas vezes acusado de vários delitos, preso e brutalmente espancado em público. Voltou a candidatar-se nas presidenciais de maio de 2016, durante as quais ocorreram novamente distúrbios violentos.
Foto: picture-alliance/dpa/D. Kurokawa
Juntos por um novo Chade
Saleh Kebzabo (esq.) e Ngarlejy Yorongar são os dois rostos mais importantes da oposição no Chade. Embora sejam de partidos diferentes, há muitos anos que lutam juntos pela mudança política no país. Mas desavenças no ano de eleições 2016 enfraqueceram a aliança. A situação beneficiou o Presidente perene Idriss Déby, que somou nova vitória eleitoral.
Foto: Getty Images/AFP/G. Cogne
O Presidente autoproclamado
Desde o início da sua atividade política que Jean-Pierre Fabre se encontra na oposição do Togo. O líder da “Aliança Nacional para a Mudança” concorreu por duas vezes à presidência. Após a mais recente derrota, em abril de 2015, rejeitou os resultados do escrutínio e autoproclamou-se Presidente. Sem sucesso.
O pai foi Presidente do Gana na década de 70. Nana Akufo-Addo demorou muitos anos até seguir-lhe as pisadas. Muitos ganeses não levam muito a sério as tentativas desesperadas para chegar à presidência, tendo dificuldades em identificar-se com este membro das elites. Mas em novembro de 2016, Akufo-Addo candidatou-se pela terceira vez e venceu as eleições. Desde janeiro de 2017 é Presidente do Gana.