Com a onda de mudanças em Angola, a Omunga esperava mais verbas para a Saúde e a Educação, setores que se encontram "muito mal". Mas o Orçamento para 2018 dá mais prioridade à Defesa. Vem aí insatisfação, alerta a ONG.
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Este ano, Angola prevê gastar mais de 975 mil milhões de kwanzas (4.900 milhões de euros) em Defesa e Segurança, equivalente a 21,27% de todas as despesas do Estado. O montante fica ligeiramente abaixo do Orçamento de 2017, o último apresentado por José Eduardo dos Santos como Presidente da República.
O Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2018, que será votado na generalidade na próxima quinta-feira (18.01), prevê gastar apenas 11,30% com a Educação, equivalente a 517,7 mil milhões de kwanzas (2.600 milhões de euros) e 7,40% com a Saúde, na ordem dos 339,1 mil milhões de kwanzas (1.700 milhões de euros).
O "homem do milagre económico" do MPLA
01:15
A organização não-governamental Omunga esperava mudanças com o novo Executivo e que João Lourenço desse prioridade aos setores sociais. Em entrevista à DW África, José Patrocínio, coordenador da ONG, antevê mais "insatisfação" no país, "daqui não a muito tempo", uma vez que a população não sente mudanças concretas no nível de vida no seu dia-a-dia. Há falta de medicamentos nos hospitais e muitos pais têm de suportar as despesas das escolas, lembra o ativista.
DW África:Afinal, o Orçamento Geral do Estado para 2018 dá prioridade ao setor de Defesa e Segurança. Angola prevê gastar mais nesta área do que com a Educação e com a Saúde. Está desiludido com este Orçamento?
José Patrocínio (JP): Primeiro, acho que havia uma outra expectativa, porque nós estamos habituados a este tipo de orçamento. Ao longo dos anos, sempre nos confrontamos com este tipo de orçamento, em que havia uma prioridade maior para a área da Defesa e Segurança. E cada vez mais foi deixando de fora os setores sociais, os mais importantes. E nós estamos, precisamente neste momento, perante um contexto em que a questão da Saúde e da Educação se encontram muito mal mesmo. Não há medicamentos. Nós acompanhamos os moradores de rua e temos acompanhado muitos óbitos nos hospitais destes moradores por falta de medicamentos contra a tuberculose.
José Patrocínio prevê insatisfação dentro de pouco tempo
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DW África: E depois desta onda de exonerações de João Lourenço, de sinais de mudanças em Angola, esperavam mais do novo Governo?
JP: Pensava que a questão do Orçamento teria mudanças, não relacionadas com as exonerações, mascom aquestão das mudanças de prática no país. Independentemente de haver ou não exonerações, esperava que João Lourenço imprimisse na questão da gestão do país uma outra prática. Uma delas era a participação. Continuamos a não sentir isso. E outra questão era a priorização dos setores chave, principalmente os setores sociais. Por exemplo, a nível da saúde, os hospitais não têm absolutamente nada. Pensava que íamos ter este ano um Orçamento que iria tentar rever esta situação. E na Educação é a mesma coisa. Há escolas em que os pais é que continuam a suportar as despesas das escolas. Portanto, a expectativa era maior em relação a isso.
DW África: Por exemplo, quando sai à rua, João Lourenço parece menos preocupado com a sua segurança do que o antecessor, José Eduardo dos Santos, e a guarda presidencial até é mais discreta. Mas a verdade é que só para a Casa de Segurança do Presidente da República estão previstos mais de 77 milhões de kwanzas. Acha que é uma prova de que o Orçamento continuará "militarizado"?
JP: Esse é um indicador. O Orçamento demonstra, em princípio, essa prioridade. Acredito que obviamente vai haver insatisfação daqui não a muito tempo. Já não há reacções das pessoas, como havia no início, à questão das exonerações. As pessoas não estão a ver mudanças concretas no nível de vida no dia-a-dia e há tendência para [a situação] se agravar. Portanto, o custo de vida vai aumentar, possivelmente o kwanza vai desvalorizar-se e isto vai ter repercussões na vida das pessoas ainda mais graves. Possivelmente este investimento no setor da segurança e no setor militar pode ser um pouco para pôr-nos atentos se não vai aumentar a repressão daqui a pouco tempo.
DW África: E no capítulo dos direitos humanos e da liberdade de expressão, por exemplo, a Omunga já notou mudanças?
JP: Sim, a esse nível temos sentido mudanças, inclusivamente em alguma relação com as instituições. Tem havido algum cuidado nas instituições de reagir às nossas petições, pelo menos vai havendo respostas. É mesmo visível esse tipo de mudança, mas isso não significa que depois na prática, no dia-a-dia, mudem no relacionamento com os cidadãos.
A polícia continua com os mesmos procedimentos, os tribunais pouco mudaram os seus comportamentos, as administrações municipais não mudaram a sua relação com os cidadãos. Portanto, continua a haver uma relação de violência. É só vermos, aqui no Lobito, vários casos em que a polícia interveio a mando da administração para agredir os cidadãos que tinham ocupado terrenos. Continua a não haver capacidade de negociação, de mediação, de envolvimento. Este tipo de prática continua na mesma.
José Eduardo dos Santos: Percurso do "eterno" Presidente de Angola
José Eduardo dos Santos faleceu a 08.07.2022 numa clínica em Barcelona, onde estava internado há vários dias. O ex-Presidente, que se despediu da política angolana em setembro de 2018, governou o país de 1979 a 2017.
Foto: Paulo Novais/EPA/dpa/picture alliance
Engenheiro petroquímico
Em 1961, aos 19 anos, José Eduardo dos Santos junta-se ao MPLA, o Movimento Popular de Libertação de Angola, que luta contra o colonialismo português. Em 1963, é enviado com uma bolsa de estudos para a União Soviética, onde frequenta um curso de Engenharia Petroquímica em Baku, capital do atual Azerbaijão. Dos Santos também tem aulas de comunicação militar e regressa a Angola em 1970.
Foto: picture-alliance/dpa
Antecessor Agostinho Neto
Angola torna-se independente em 1975 e mergulha diretamente numa guerra civil entre os três movimentos de independência: MPLA, UNITA e FNLA. A capital Luanda é controlada pelo MPLA. O seu líder Agostinho Neto assume a Presidência do país e instala um regime monopartidário de inspiração marxista. Dos Santos assume vários ministérios, incluindo os Negócios Estrangeiros e Planeamento Nacional.
Foto: picture-alliance/dpa
Aliança com países comunistas
Depois da morte de Neto a 10 de setembro de 1979, em Moscovo, dos Santos é eleito a 20 de setembro pelo MPLA como novo Presidente. Consolida a aliança entre Angola e os países do bloco comunista como a União Soviética e a República Democrática da Alemanha (RDA). Em 1981, dos Santos visita a RDA e é recebido pelo secretário-geral do Partido Socialista Unificado da Alemanha, Erich Honecker (à esq.).
Durante a visita à RDA em 1981, dos Santos passa pelo Muro de Berlim, na Porta de Brandemburgo, símbolo da "Guerra Fria" e da separação do mundo em dois blocos. Angola é um dos países onde o confronto entre os blocos comunistas e liberais se transforma numa "Guerra Quente". Os países comunistas querem evitar uma vitória da UNITA, apoiada pela África do Sul e pelos Estados Unidos da América.
Foto: Bundesarchiv
Soldados cubanos
Em apoio militar ao Governo do MPLA, Cuba envia soldados a Angola. Os 40 mil soldados cubanos têm um papel decisivo para travar o avanço das tropas da UNITA e da África do Sul. Na foto: Soldados cubanos em Cuito Canavale no ano de 1988, uma das maiores batalhas da guerra civil. Três anos mais tarde, é assinado um primeiro acordo de paz na localidade de Bicesse, no Estoril, em Portugal.
Foto: picture-alliance/dpa
Mais guerra apesar de acordo de paz
As primeiras eleições de Angola tiveram lugar em 1992. O MPLA obteve maioria absoluta no Parlamento, mas dos Santos não conseguiu maioria absoluta na primeira volta das presidenciais. A UNITA e o seu candidato, Jonas Savimbi, não reconheceram os resultados por alegada fraude eleitoral. A segunda volta não teve lugar, pois a guerra recomeçou. Na foto: Soldados governamentais reconquistam Dondo.
Foto: picture-alliance / dpa
MPLA ganha terreno
Os EUA reconhecem o Governo do MPLA em 1993. O Ocidente perde o interesse na guerra civil em Angola após a queda do muro de Berlim. E, com o fim do apartheid, o regime de segregação racial na África do Sul, a UNITA perde outro aliado e fica cada vez mais isolada. O MPLA abandona a retórica comunista e torna-se capitalista, e as riquezas do petróleo fazem do partido um parceiro atrativo.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Opção militar prevalece
Em 1994, foi assinado outro acordo de paz em Lusaka, Zâmbia. Um ano mais tarde, dos Santos oferece o posto de vice-Presidente a Jonas Savimbi. Este recusa em 1997 e falha a formação de um Governo conjunto. A seguir, a guerra intensifica-se. Dos Santos aposta na opção militar e investe fortemente nas Forças Armadas. O núcleo duro do seu regime é formado por generais e pela Guarda Presidencial.
Foto: Getty Images/AFP/A. Jocard
Aliança com Kabila no Congo
Com a sua intervenção militar na segunda guerra do Congo a partir de 1998, Angola presta um apoio decisivo a Laurent-Désiré Kabila, Presidente da RDC (Rep. Democrática do Congo). Com a nova aliança, o MPLA consegue eliminar uma retaguarda da UNITA. Dos Santos estabelece Angola como uma das principais potências militares e políticas na África Austral. Também envia soldados para o Congo-Brazzaville.
Foto: picture alliance/AP Photo/P.Wojazer
Vitória total sobre Jonas Savimbi
Um embargo internacional de armas enfraquece a UNITA, cada vez mais isolada. Pouco a pouco, o exército do Governo conquista espaço. A 22 de fevereiro de 2002, mata o líder da UNITA, Jonas Savimbi. Nesse ano, as duas partes assinam mais um acordo de paz. Termina finalmente uma das guerras civis mais sangrentas, com cerca de um milhão de mortos e quatro milhões de deslocados e refugiados.
Foto: AP
Vestígios da guerra
Anos mais tarde, ainda são visíveis os danos da guerra, como nesta foto de 2009. O desenvolvimento do país ficou atrasado, estradas e caminhos-de-ferro tiveram de ser reabilitadas, campos desminados. No enclave de Cabinda, província nortenha rica em petróleo, continua outra guerra. Mas, até hoje, o movimento separatista FLEC não consegue ameaçar seriamente o poder do MPLA em Cabinda.
Foto: gemeinfrei
Eleições adiadas e canceladas
Originalmente previstas para 1997, as segundas eleições legislativas da história de Angola só tiveram lugar em 2008. O MPLA obteve 81,6% dos votos, a UNITA 10,4%. Houve queixas de um clima de intimidação durante a campanha e de desorganização do pleito. As eleições presidenciais, prometidas para 2009, nunca se realizaram. Mesmo assim, dos Santos continua no poder.
Foto: Reuters
Esperanças goradas da Alemanha
Em 2011, a chanceler alemã Angela Merkel (à esq.) visita Angola, dois anos após a visita de dos Santos a Berlim. Há empresários alemães com muito interesse em investir em Angola. Mas poucos investimentos chegam a ver a luz do dia, nos anos seguintes. Angola continua a ser um parceiro difícil para a Alemanha. Há poucas empresas alemãs dispostas a enfrentar o ambiente de negócios angolano.
Foto: dapd
Repressão contra opositores
A partir de 2011, eclode uma onda de manifestações inspirada na Primavera Árabe. Os protestos foram brutalmente abafados pela polícia, vários ativistas detidos e condenados por alegado golpe de Estado. Em 2013, a Guarda Presidencial mata dois opositores a tiro. Membros da seita adventista "A Luz do Mundo" também são brutalmente perseguidos. A polícia é ainda acusada de execuções extra-judiciais.
Foto: DW/N. Sul d´Angola
Finalmente eleito, mas apenas indiretamente
Em 2010, o Parlamento muda a Constituição e elimina as presidenciais. A eleição passa a ser indireta: É eleito como Presidente o líder da lista mais votada nas legislativas. O MPLA vence as eleições de 2012 com 71,9% dos votos. Após 32 anos no poder, dos Santos ganha pela primeira vez legitimidade eleitoral, embora apenas de forma indireta. Observadores criticam desvantagens da oposição.
Foto: picture-alliance/dpa
Homem de família
Para além dos militares, a família é outro núcleo do poder de José Eduardo dos Santos, que teve vários casamentos. A sua esposa atual é Ana Paula dos Santos (foto), antiga modelo, que conheceu quando ela trabalhava como hospedeira no avião presidencial angolano. Casaram-se em 1991 e tiveram quatro filhos. Nas eleições de 2017, Ana Paula dos Santos será candidata a deputada nacional pelo MPLA.
Foto: Reuters
Filha é a mulher mais rica de África
Mas é Isabel dos Santos, filha do primeiro casamento com Tatiana Kukanova, uma russa campeã de xadrez que dos Santos conheceu em Baku, que tem maior protagonismo internacional. Através de uma licença de telecomunicações em Angola para a sua empresa Unitel, Isabel dos Santos construiu um império de negócios com atividades em Portugal e noutros países. É considerada a mulher mais rica de África.
Foto: picture-alliance/dpa
Filho administra fundo soberano
Em 2013, a nomeação de José Filomeno dos Santos, filho da segunda mulher de José Eduardo dos Santos, para liderar o Fundo Soberano de Angola gerou controvérsia. O fundo administra parte da riqueza petrolífera do país. O pai tem o apelido popular de "Zedú", o filho de "Zenú". A mãe de "Zenú", Filomena de Sousa, foi funcionária do Ministério dos Negócios Estrangeiros, quando dos Santos foi ministro.
Foto: Grayling
Luxo e riqueza do petróleo
Nos últimos anos, milhares de milhões de dólares entraram nos cofres de Angola, um dos maiores produtores de petróleo de África. A Avenida Marginal de Luanda é símbolo da nova riqueza. Mas muito dinheiro desapareceu das contas do Estado, acusam organizações não-governamentais como a Human Rights Watch. O Fundo Monetário Internacional também pediu mais transparência.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Parceria com a China
A China é o novo parceiro de eleição de José Eduardo dos Santos. O país torna-se no maior comprador do petróleo de Angola e concede vários créditos para financiar grandes projetos. Ao contrário do FMI e de outros parceiros, a China não exige transparência, nem reclama dos direitos humanos. Nascem novos bairros em Luanda como Kilamba Kiaxi (foto), financiada e construída por empresas chinesas.
Foto: cc by sa Santa Martha
Pobreza continua apesar da riqueza
Apesar das receitas milionárias do petróleo, Angola continua a ter graves problemas de pobreza. Mesmo na capital Luanda, há bairros sem saneamento como o de Kinanga (foto). Muitos serviços de saúde continuam fora do alcance dos mais pobres: Angola tem das maiores taxas de mortalidade infantil do mundo. O sistema de educação também é considerado inadequado para um país com tantos recursos naturais.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Homem discreto
José Eduardo dos Santos foi conhecido como um homem discreto. Entrevistas com ele são raríssimas. Não costumava dar conferências de imprensa e faz poucos discursos públicos. Nos últimos anos, esteve regularmente fora do país para longos tratamentos médicos em Barcelona, Espanha. Em África, os seus 38 anos no poder como chefe de Estado só foram superados por Teodoro Obiang da Guiné-Equatorial.
Foto: picture alliance/dpa/P.Novais
Sucessor como Presidente: João Lourenço
Depois de José Eduardo dos Santos anunciar que não seria candidato às eleições de 2017, o MPLA nomeou o ex-ministro da Defesa, João Lourenço, como candidato à sucessão. O MPLA ganhou as eleições de 23 de agosto e Lourenço é o novo Presidente de Angola. Mas dos Santos permaneceu por cerca de mais um ano na direção do partido e, deste modo, manteve uma considerável influência na política angolana.
Foto: Getty Images/AFP
Um ano mais tarde: sucessão no MPLA
Mesmo com José Eduardo dos Santos na chefia do MPLA, vários familiares seus perderam postos importantes: a filha Isabel foi exonerada como presidente do conselho de administração da petrolífera estatal Sonangol e o filho Zenú deixou de chefiar o Fundo Soberano. A 8 de setembro, no congresso do partido, o seu sucessor na Presidência, João Lourenço (foto), assumiu a chefia do partido.
Foto: DW/Cristiane Vieira Teixeira
Tratamento em Espanha
Em 2019, José Eduardo dos Santos muda-se para Barcelona, em Espanha, para realizar com maior facilidade tratamentos numa das melhores unidades hospitalares europeias na valência de oncologia, que já tratava o ex-PR angolano há cerca de oito anos.
Foto: picture alliance/dpa
A morte do "eterno" líder angolano
Em 8 de julho de 2022, a Presidência angolana confirma a morte do ex-Presidente "após prolongada doença". Antes de falecer aos 79 anos, José Eduardo dos Santos passou duas semanas internado numa unidade de tratamento intensivo da clínica onde recebia tratamento médico em Espanha.