Onda de golpes em África aumenta receios dos autocratas
Martina Schwikowski
7 de setembro de 2023
O golpe de Estado no Gabão, um mês depois da tomada de poder pelos militares no Níger, aumentou o nervosismo no continente paralelamente ao risco de queda de outros regimes, caso a onda de golpes se espalhe ainda mais.
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Nos Camarões, horas depois de os soldados do Gabão nomearem o novo chefe de Estado, o Presidente Paul Biya, de 90 anos, há frente do país há mais de quatro décadas, mudou a sua liderança militar.
Mas o analista político Alex Gustave Azebaze diz que é arriscado traçar paralelos entre o Gabão e os Camarões.
"Os camaroneses como eu acompanham com grande atenção o que está a acontecer no Gabão, sem alimentar grandes ilusões. Acreditamos num ressurgimento dos democratas camaroneses de todos os campos para evitar que os militares entrem no jogo político", diz.
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Autocracia indesejável
Quatro dias após as eleições presidenciais no Gabão, os soldados depuseram o chefe de Estado, Ali Bongo Ondimba – após 14 anos no cargo. Anteriormente, o seu pai, Omar Bongo, esteve no poder de 1967 até morrer em 2009, ou seja, 42 anos.
Mas nessa altura Ali Bongo já estava pronto para substituir o seu pai. E essa transmissão do poder político na família não é um caso isolado em África.
Também o Presidente do Ruanda, Paul Kagame – no cargo desde 2003 – aposentou altos funcionários militares na semana passada.
Pouco depois do golpe no Gabão, Umaro Sissoco Embaló, Presidente da Guiné-Bissau desde 2020, preencheu dois novos cargos com conselheiros de segurança para o proteger.
E em Moçambique, o Presidente Filipe Nyusi também condenou o golpe no Gabão, dizendo que as deposições não resolvem os problemas do subdesenvolvimento do continente.
Gabão: Militares derrubam Presidente Ali Bongo
02:31
Causas: Pobreza e poucas reformas
A dinâmica golpista é a área de investigação de John Chin, do Carnegie Mellon Institute for Security and Technology da Universidade de Pittsburgh. Apesar de África ser o epicentro dos golpes de Estado, não há dois iguais, garante Chin à DW.
"Podemos distinguir entre golpes que provocam mudanças de regime para derrubar governos democraticamente eleitos, como vimos no Níger. E golpes que trocam lideranças para preservar o regime dominante, como no Chade há alguns anos."
O número de golpes militares saltou para onze de 2020 a 2022, e para 13 este ano com o Níger e o Gabão. Já para não falar nas tentativas falhadas.
Promessas por cumprir
A conclusão política é preocupante, segundo John Chin: "Aqueles que prometeram um rápido regresso a um governo democrático não o cumpriram. Portanto, não vimos um regresso bem-sucedido à democracia em nenhum destes países."
De facto, as juntas militares que tomaram as rédeas do poder na região fizeram promessas políticas sob pressão das sanções da Comunidade Económica da África Ocidental, dos EUA, de França e de outros países.
Mas depois do levantamento dessas sanções, tudo ficou na mesma e poucos são os casos de instaurações de regimes democráticos bem sucedidos.
Segundo Chin, o golpe de Estado no Gabão não será certamente o último no continente.
Golpes de Estado em África: Um mal endémico
Em menos de um ano, o continente africano viveu oito golpes e tentativas de golpe de Estado. A maior parte aconteceu na África Ocidental, região do continente mais fértil para as intentonas. Não há fator surpresa.
Foto: Radio Television Guineenne/AP Photo/picture alliance
Níger: Tentativa de golpe fracassada
A tentativa de golpe de Estado aconteceu a 31 de março de 2021, dois dias antes da tomada de posse do Presidente Mohamed Bazoum. Na capital, Niamey, foram detidos alguns membros do Exército por detrás da tentativa. O suposto líder do golpe é um oficial da Força Aérea encarregado da segurança na base aérea de Niamey. O Níger já sofreu 4 golpes de Estado: o último, em 2010, derrubou Mamadou Tandja.
Foto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance
Chade: Uma sucessão com sabor a golpe de Estado
Pouco depois do marechal Idriss Déby ter vencido as presidenciais, morreu em combate contra rebeldes. A 21 de abril de 2021, o seu filho, o general Mahamat Déby, assumiu a liderança do país, sem eleições, nomeando 15 generais para o Conselho Militar de Transição, entre eles familiares seus. Idriss governou o Chade por mais de 30 anos com mão de ferro e o filho dá sinais de lhe seguir os passos.
Foto: Christophe Petit Tesson/REUTERS
Mali: Um golpe entre promessas de eleições
O coronel Assimi Goita foi quem derrubou Bah Ndaw da Presidência do Mali a 24 de maio de 2021. Justifica que assim procedeu porque tentava "sabotar" a transição no país. Mas Goita prometeu eleições para 2022 e falou em "compromisso infalível" das Forças Armadas na defesa da segurança do país. Pouco depois, o Tribunal Constitucional declarou o coronel Presidente da transição.
Foto: Xinhua/imago images
Tunísia: Um golpe de Estado sem recurso a armas
No dia 25 de julho de 2021, Kais Saied demitiu o primeiro ministro, seu rival, Hichem Mechichi, e suspendeu o Parlamento por 30 dias, o que foi considerado golpe de Estado pela oposição, que convocou manifestações em nome da democracia. Saied também levantou a imunidade dos parlamentares e garantiu que as decisões foram tomadas dentro da lei. Nas ruas de Tunes, teve o apoio da população.
Foto: Fethi Belaid/AFP/Getty Images
Guiné-Conacri: Um golpista da confiança do Presidente
O dia 5 de setembro de 2021 começou com tiros em Conacri, uma capital que foi dominada por militares. O Presidente Alpha Condé foi deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya - que dissolveu a Constituição e as instituições. O golpista traiu Condé, que o tinha em grande estima e confiança. Doumboya tinha demasiado poder e não se entendia com a liderança da ala castrense.
Foto: Radio Television Guineenne via AP/picture alliance
Sudão: Golpe compromete transição governativa
A 25 de outubro de 2021, os golpistas começaram por prender o primeiro ministro, Abdalla Hamdok, e outros altos quadros do Governo para depois fazerem a clássica tomada da principal emissora. No comando estava o general Abdel Fattah al-Burhan, que dissolveu o Conselho Soberano. Desde então, o Sudão vive manifestações violentas, com a polícia a ser acusada de uso excessivo de força.
Foto: Mahmoud Hjaj/AA/picture alliance
Burkina Faso: Golpe de Estado festejado
A turbulência marcou o começo do ano, mas a intentona foi celebrada em grande nas ruas da capital, Ouagadougou. A 23 de janeiro de 2022, o tenente-coronel Paul Damiba liderou o golpe de Estado ao lado do Exército. Ao Presidente Roch Kaboré não restou outra alternativa se não demitir-se. Tal como os golpistas de outros países, comprometem-se a voltar à ordem constitucional após consultas.
Foto: Facebook/Präsidentschaft von Burkina Faso
Guiné-Bissau: Intentona ou "inventona"?
Tiros, alvoroço, mortos e feridos no Palácio do Governo marcaram o dia 1 de fevereiro de 2022 em Bissau. O Presidente Umaro Sissoco Embaló diz que os golpistas queriam matá-lo e ao primeiro ministro, Nuno Nabiam. Houve algumas detenções, mas até hoje não se conhece o líder golpista. No país, acredita-se que tudo não passou de um "teatro" orquestrado pelo próprio Presidente, amplamente contestado.