Associação Movimento Cantanhez argumenta que autoridades desmonstram incompetência para governar país e que é preciso ajuda das Nações Unidas. Para presidente do grupo, Guiné-Bissau já não é mais um Estado soberano.
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Depois de longos anos de reflexão, a Associação Movimento Cantanhez propôs este sábado (30.09), numa sessão pública em Lisboa, que a Guiné-Bissau seja colocada sob a tutela das Nações Unidas como uma forma de solucionar a crise política no país.
O projeto é apresentado publicamente no dia em que termina o prazo para o cumprimento do Acordo de Conacri e chega ao fim o mandato da força de interposição militar da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) na Guiné-Bissau, a ECOMIB.
"Chegamos à conclusão que a única solução para a Guiné-Bissau é a tutela das Nações Unidas", afirmou à DW África Braima Mané, presidente da associação, que veio de Bruxelas até Lisboa para fazer a apresentação pública da proposta.
Segundo Braima Mané, políticos e militares têm demonstrado uma "incompetência grosseira" e "falta de visão" para o desenvolvimento do país. "Há uma traição daquilo que foi o ideal da luta de libertação", afirma, acrescentando que "o exercício da atividade política resume-se ao negócio de enriquecimento pessoal à custa do povo guineense". "As pessoas vão para a política para ganhar a vida. Tem sido assim nos últimos 43 anos", diz.
O grupo revela estar em contato com especialistas em Direito Internacional e acredita que há matéria a explorar que poderá justificar a tutela por parte da ONU, apesar de reconhecer que essa "não será uma tarefa fácil".
O projeto está a ser trabalhado desde 2014, mas a ideia vem desde os tempos de Braima Mané como estudante em Coimbra, onde se formaram muitos membros da associação. Para este fim, a Associação Movimento Cantanhez pretende envolver os guineenses de todos os quadrantes, em alternativa à inércia da classe política, que, segundo Mané, não tem sabido resolver os problemas do país. "Queremos a adesão ampla da sociedade civil", destaca.
O Movimento Cantanhez inspira-se numa das primeiras áreas libertadas da Guiné-Bissau durante a guerra colonial. "Escolhemos o nome Cantanhez simbolicamente para marcar um recomeço para a jovem nação guineense e refundar o Estado de Direito que não existe", explica Braima Mané.
"Acordo de Conacri é ineficaz"
Um dos fundamentos que justificam a proposta do movimento é a ausência de democracia, apesar de se realizarem eleições na Guiné-Bissau. "A democracia resume-se a ida às urnas mas, logo a seguir, ninguém respeita a escolha do povo", afirma.
Além disso, o Parlamento continua inoperante, a Guiné-Bissau não dispõe de meios para controlar todo o território, a base da dieta alimentar é o arroz, e o país não é autosuficiente para exportar parte de sua produção. "A Guiné tem solo fértil e seis meses de chuva, mas continua a importar arroz", lamenta.
Braima Mané classifica o Acordo de Conacri como um "episódio sem importância que não tem sentido nenhum", uma vez que o país tem uma Constituição. Ele defende que a crise poderia ser resolvida unicamente com recurso à lei fundamental.
"O acordo não é concreto. Do nosso ponto de vista, aquilo foi mais uma perda de tempo. Rasgaram uma página da Constituição. Isso só prova que a Guiné-Bissau já não é um Estado soberano, não tem requisitos de um Estado. Daí a necessidade de colocar o país sob a tutela das Nações Unidas com vista a preservar o que de bom existe", considera.
Segundo o presidente da associação, é preciso reformar as instituições e, depois de um período alargado de tempo, a ONU deve entregar o país ao povo guineense sem os males que assolaram a Guiné-Bissau nos últimos 43 anos. O grupo contradiz o Presidente guineense, José Mário Vaz, por ter afirmado que a solução da crise não está nas mãos da comunidade internacional, mas sim dentro da Assembleia Nacional Popular. A instituição, insiste, não funciona desde 2015.
*Artigo atualizado a 2 de outubro de 2017, retirando a frase final devido a imprecisão.
Guiné-Bissau: O país onde nenhum Presidente terminou o mandato
Desde que se tornou independente, a Guiné-Bissau viu sentar na cadeira presidencial quase uma dúzia de Presidentes - incluindo interinos e governos de transição. Conheça todas as caras que passaram pelo comando do país.
Foto: DW/B. Darame
Luís de Almeida Cabral (1973-1980)
Luís de Almeida Cabral foi um dos fundadores do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e também o primeiro Presidente da Guiné-Bissau - em 1973/4. Luís Cabral ocupou o cargo até 1980, data em que foi deposto por um golpe de Estado militar. O antigo contabilista faleceu, em 2009, vítima de doença prolongada.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-T0111-320/Glaunsinger
João Bernardo Vieira (1980/1994/2005)
Mais conhecido por “Nino” Vieira, este é o político que mais anos soma no poder da Guiné-Bissau. Filiado no PAIGC desde os 21 anos, João Bernardo Vieira tornou-se primeiro-ministro em 1978, tendo sido com este cargo que derrubou, através de um golpe de Estado, em 1980, o governo de Cabral. "Nino" ganhou as eleições no país em 1994 e, posteriormente, em 2005. Foi assassinado quatro anos mais tarde.
Foto: picture-alliance/dpa/L. I. Relvas
Carmen Pereira (1984)
Em 1984, altura em que ocupava a presidência da Assembleia Nacional Popular, Carmen Pereira assumiu o "comando" da Guiné-Bissau, no entanto, apenas por três dias. Carmen Pereira, que foi a primeira e única mulher na presidência deste país, foi ainda ministra de Estado para os Assuntos Sociais (1990/1) e Vice-Primeira-Ministra da Guiné-Bissau até 1992. Faleceu em junho de 2016.
Foto: casacomum.org/Arquivo Amílcar Cabral
Ansumane Mané (1999)
Nascido na Gâmbia, Ansumane Mané foi quem iniciou o levantamento militar que viria a resultar, em maio de 1999, na demissão de João Bernardo Vieira como Presidente da República. Ansumane Mané foi assassinado um ano depois.
Foto: picture-alliance/dpa
Kumba Ialá (2000)
Kumba Ialá chega, em 2000, à presidência da Guiné-Bissau depois de nas eleições de 1994 ter sido derrotado por João Bernardo Vieira. O fundador do Partido para a Renovação Social (PRS) tomou posse a 17 de fevereiro, no entanto, também não conseguiu levar o seu mandato até ao fim, tendo sido levado a cabo no país, a 14 de setembro de 2003, mais um golpe militar. Faleceu em 2014.
Foto: AP
Veríssimo Seabra (2003)
O responsável pela queda do governo de Kumba Ialá foi o general Veríssimo Correia Seabra, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Filiado no PAIGC desde os 16 anos, Correia Seabra acusou Ialá de abuso de poder, prisões arbitrárias e fraude eleitoral no período de recenseamento. O general Veríssimo Correia Seabra viria a ser assassinado em outubro de 2004.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Bordalo
Henrique Rosa (2003)
Seguiu-se o governo civil provisório comandado por Henrique Rosa que vigorou de 28 de setembro de 2003 até 1 de outubro de 2005. O empresário, nascido em 1946, conduziu o país até às eleições presidenciais de 2005 que deram, mais uma vez, a vitória a “Nino” Vieira. O guineense faleceu, em 2013, aos 66 anos, no Hospital de São João, no Porto.
Foto: AP
Raimundo Pereira (2009/2012)
A 2 de março de 2009, dia da morte de Nino Vieira, o exército declarou Raimundo Pereira como Presidente da Assembleia Nacional do Povo da Guiné-Bissau. Raimundo Pereira viria a assumir de novo a presidência interina da Guiné-Bissau, a 9 de janeiro de 2012, aquando da morte de Malam Bacai Sanhá.
Foto: AP
Malam Bacai Sanhá (1999/2009)
Em julho de 2009, Bacai Sanhá foi eleito presidente da Guiné Bissau pelo PAIGC. No entanto, a saúde viria a passar-lhe uma rasteira, tendo falecido, em Paris, no inicio do ano de 2012. Depois de dirigir a Assembleia Nacional de 1994 a 1998, Bacai Sanhá ocupou também o cargo de Presidente interino do seu país de maio de 1999 a fevereiro de 2000.
Foto: dapd
Manuel Serifo Nhamadjo (2012)
Militante do PAIGC desde 1975, Serifo Nhamadjo assumiu o cargo de Presidente de transição a 11 de maio de 2012, depois do golpe de Estado levado a cabo a 12 de abril de 2012. Este período de transição terminou com as eleições de 2014, que foram vencidas por José Mário Vaz. A posse de “Jomav” como Presidente marcou o regresso do país à ordem constitucional no dia 26 de junho de 2014.