Moçambique: ONG tenta travar financiamento a megaprojeto
Lusa
7 de dezembro de 2021
Ação judicial lançada por uma organização ambientalista para bloquear o financiamento do Governo britânico a um megaprojeto de exploração de gás natural em Moçambique começa hoje (07.12) a ser ouvida em Londres.
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A organização Friends of the Earth pediu uma "Revisão Judicial" [Judicial Review] no Tribunal Superior [High Court] à decisão do Governo britânico de providenciar até 1.150 milhões de dólares (1.350 milhões de euros no câmbio atual) através da agência de crédito à exportação UK Export Finance (UKEF).
A organização argumenta que a decisão foi tomada sem levar devidamente em conta os impactos ambientais do projeto, o qual estima que vai ser responsável pela libertação de até 4.500 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera ao longo de vários anos, o que desrespeita os compromissos do Acordo de Paris para travar o aquecimento global.
Apesar de o Governo britânico ter anunciado em março o fim do financiamento à exploração de combustíveis fósseis no estrangeiro, manteve o apoio ao projeto gás natural liquefeito (LNG na sigla inglesa) 'offshore' na bacia do Rovuma, em Cabo Delgado, norte de Moçambique.
A Área 1 está concessionada a um consórcio liderado pela petrolífera francesa Total, que teve de suspender as obras de construção do empreendimento devido aos ataques de grupos armados na província de Cabo Delgado.
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Agência britânica defende projeto
Avaliado entre 20 e 25 mil milhões de euros, o megaprojeto de extração de gás da Total é o maior investimento privado em curso em África, suportado por diversas instituições financeiras internacionais e prevê a construção de unidades industriais e uma nova cidade entre Palma e a península de Afungi. Antes de a construção ser suspensa, a primeira exportação de gás liquefeito estava prevista para 2024.
Num documento publicado em agosto, a UKEF admitiu que a construção vai produzir emissões de dióxido de carbono, mas considera que a maioria das emissões vai acontecer no consumidor final, e vinca que o gás natural tem o potencial de substituir outros combustíveis mais poluentes.
"O potencial para o gás do Projeto remover ou substituir combustíveis com teor de carbono mais pesado e mais baixo foi considerado (...). Considera-se que, ao longo de sua vida operacional, o projeto resultará, pelo menos, em algum deslocamento de combustíveis mais poluentes, com a consequência de alguma redução líquida de emissões", fundamenta.
Sem querer comentar o processo judicial em particular, um porta-voz disse à agência Lusa que a UKEF está confiante de são feitas "diligências robustas e internacionalmente reconhecidas antes de fornecer qualquer apoio a projetos no exterior".
"Investimento sujo"
A ativista da organização Friends of the Earth, Rachel Kennerley, qualifica este de "investimento sujo" e urge o Reino Unido a "reconhecer a contribuição histórica para a crise em que estamos agora, ajudando os países na linha da frente, como Moçambique, a fazer essa importante transição para as energias renováveis".
"Ao pôr fim ao apoio a todos os combustíveis fósseis, incluindo o gás, o Governo pode ficar conhecido por outra coisa que não seja a hipocrisia climática", afirma, em comunicado.
Além de destacar a vulnerabilidade de Moçambique ao impacto das alterações climáticas, a organização refere que a descoberta de gás natural na região de Cabo Delgado resultou também em "conflitos, violações dos direitos humanos e a deslocação de centenas de milhares de pessoas que perderam as casas, meios de subsistência e comunidades".
A ação judicial conta com o apoio de ambientalistas moçambicanos da organização Justiça Ambiental (também conhecida por Amigos da Terra Moçambique).
"Se os tribunais permitirem que a UKEF financie a indústria de gás de Moçambique, então o país será cúmplice de violações dos direitos humanos, deslocamento de comunidades, destruição do clima e o fomento de um conflito devastador", avisou a diretora, Anabela Lemos.
O processo da revisão judicial vai decorrer ao longo de três dias, devendo a decisão só ser conhecida semanas mais tarde.
Megaprojeto de extração de petróleo provoca levante ambiental no Uganda
Em Rift Albertine, uma imensa área de savana e montanhas de rica biodiversidade no Uganda, duas gigantes do setor de energia preparam-se para explorar a maior reserva de petróleo continental da África Subsaariana.
Foto: Jack Losh
Guardiães da terra
Alon Kiiza, morador do distrito de Buliisa, está no epicentro da luta da comunidade indígena Bagungu contra estrangeiros que cobiçam os recursos naturais da região. O "jovem" de 88 anos está entre os muitos que ali observam com preocupação o crescimento industrial. "A perfuração de petróleo irá danificar o ecossistema", diz. "O espírito da terra não se conecta bem a estas máquinas".
Foto: Jack Losh
Vida selvagem cercada
Um motivo de preocupação é a fauna da região. Algumas perfurações terão lugar dentro do Parque Nacional de Murchison Falls, habitado por elefantes, leopardos, leões e girafas, além de 450 espécies raras de aves. Os ambientalistas preocupam-se com o possível impacto da exploração da zona rica em petróleo nos animais da reserva, especialmente no caso de um vazamento.
Foto: Jack Losh
Empreiteira importada
O megaprojeto já está em curso. Em abril, Uganda e Tanzânia assinaram acordos finais com a multinacional petrolífera francesa Total e a China National Offshore Oil Corporation para extrair cerca de 1,7 mil milhões de barris de uma área de 1,100 quilómetros quadrados. Uma empreiteira chinesa foi trazida para construir uma estrada de 112 quilómetros para o acesso da zona de extração.
Foto: Jack Losh
Oleoduto gigantesco
O início da extração de petróleo está previsto para 2025. O crude será bombeado a 1.448 quilómetros através do oleoduto da África Oriental até à cidade portuária de Tanga, na Tanzânia, uma zona cercada de mangais e recifes de coral no oceano Índico. Além de o petróleo cru atravessar habitats importantes de animais da região, ativistas alertam que o oleoduto deslocará milhares de agricultores.
Foto: Jack Losh
Os direitos da natureza
Quando o Governo ugandês avançou com este projeto petrolífero às margens do Lago Albert, também adotou uma lei ambiental inovadora que poderia proteger habitats frágeis. A lei reconhece formalmente os direitos da natureza da mesma forma que os direitos humanos são reconhecidos, tratando os ecossistemas como seres vivos e permitindo que órgãos tutelares avancem com processos judiciais.
Foto: Jack Losh
Raízes antigas
Kiiza senta-se ao lado de Dennis Tabaro, um ambientalista que está a ajudar a revitalizar as práticas ambientais indígenas que foram corroídas pela era colonial. A lei dos direitos da natureza está enraizada no antigo pensamento indígena, como o dos Bagungu. Os 370 milhões de indígenas do mundo representam 5% da população global, mas vivem em terras que abrigam 80% da biodiversidade do planeta.
Foto: Jack Losh
Um despertar
Como parte da sua renascença, os anciãos Bagungu desenharam mapas de suas terras ancestrais em calendários pré-coloniais, mostrando mudanças de estações, ciclos de reprodução, tempo de colheita e rituais. Um dos mapas mostra costumes antigos, outro mostra desordens atuais e o terceiro oferece uma visão otimista e biodiversa para o futuro. A elaboração do mapa reavivou memórias desse património.
Foto: Jack Losh
Fonte de riqueza para a população?
O Governo ugandês promove a reserva de petróleo como uma fonte de recurso económico que pode melhorar o nível de vida da população. Mais da metade dos ugandeses vive na pobreza. Na foto, uma criança que ajuda a família na colheita do milho. A Total afirma que o seu projeto criará 6 mil postos de trabalho e que riscos sociais e ambientais serão mitigados pelas normas internacionais.
Foto: Jack Losh
Leis flexíveis
Não há garantias de que a lei dos direitos da natureza do Uganda venha a pôr um travão ao projeto petrolífero. Um deles contém uma cláusula que estabelece que o Governo pode escolher quais as áreas que devem e não ser protegidas pela lei. Da mesma forma, os direitos da natureza não são garantidos para sempre. Determinações legais de proteção foram anuladas na Índia e EUA.
Foto: Jack Losh
Futuro incerto
Trabalhadores descansam após um dia de trabalho na construção das infraestruturas de extração de petróleo. Advogados acreditam que a lei dos direitos da natureza pode oferecer uma oportunidade para limitar o impacto do projeto, mas não impedi-lo. "Devemos concentrar-nos no plano de mitigação", disse Frank Tumusiime, que ajuda a escrever regulamentos para dar força às leis nos tribunais.
Foto: Jack Losh
Templos naturais
O ancião Bagungu Julius Byenkya caminha em direção a um bosque sagrado nos arredores de Buliisa. Este é um dos muitos sítios naturais sagrados, que também tomam a forma de lagos e rios. São habitats importantes da vida selvagem que também são reverenciados pela comunidade. "Este é o nosso centro espiritual", diz Byenkya. "Rezamos para que este lugar não seja danificado".