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ConflitosEtiópia

ONU alerta para possíveis crimes de guerra na Etiópia

Lusa | mjp
14 de novembro de 2020

Nações Unidas pedem investigação independente ao massacre relatado pela Amnistia Internacional em Tigray, onde o Governo lançou uma operação militar. Forças rebeldes reivindicaram ataques a aeroportos.

Äthiopien I Situation in der Region Tigray
Foto: Eduardo Soteras/AFP/Getty Images

A ONU evocou esta sexta-feira (13.11) a possibilidade de existirem "crimes de guerra" na Etiópia e apelou a uma "investigação independente" sobre os muitos civis alegadamente mortos na região de Tigray, onde o Governo federal lançou uma operação militar.

O primeiro-ministro Abiy Ahmed justifica a intervenção lançada a 4 de novembro com a necessidade de restabelecer "instituições legítimas" em Tigray, onde as autoridades têm desafiado o governo federal há vários meses e após ataques a duas bases militares etíopes na zona, que atribuiu a forças leais ao partido da Frente Popular de Libertação de Tigray (FPLT), mas que este nega.

"Embora os detalhes do alegado 'massacre' relatado pela Amnistia Internacional em Mai-Kadra, no sudoeste de Tigray, ainda não tenham sido totalmente verificados", a Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, apelou a "uma investigação completa", disse o seu gabinete.

"Se se confirmar que foram deliberadamente perpetrados por uma parte dos atuais combatentes, estes assassinatos de civis equivaleriam, naturalmente, a crimes de guerra, e tem de haver uma investigação independente e total responsabilização pelo que aconteceu", afirmou o gabinete de Michelle Bachelet, em comunicado. 

"No entanto, a primeira prioridade por agora deve ser parar os combates e impedir que se cometam mais atrocidades", acrescentou. 

Três dias para se renderem

Também na sexta-feira, o primeiro-ministro etíope, vencedor do prémio Nobel da Paz no ano passado, lançou um ultimato às forças rebeldes para se renderem nos próximos três dias na região nortenha de Tigray, onde continua a ofensiva militar, apesar dos relatos de massacres de civis.

Mekelle, capital provincial de Tigray.Foto: Million Haileselassie/DW

"Lutar com as forças de defesa nacional, os vossos próprios guardiões, não é a opção que vocês defendem", disse Abiy Ahmed, Nobel da Paz de 2019, numa mensagem transmitida na televisão estatal e na língua de Tigray, citada pela agência noticiosa EFE.

Ahmed dirigia-se aos soldados da Frente Popular de Libertação de Tigray, na fronteira com a Eritreia e o Sudão. "Sabemos que os criminosos da FPLT estão a forçá-los a fazer isto. É por isso que vos estamos a dar três dias para se desmilitarizarem e se renderem às forças nacionais. Caso contrário será demasiado tarde para vocês e para a FPLT", afirmou o primeiro-ministro, que não especificou as consequências do incumprimento do ultimato.

Horas antes, Abiy Ahmed tinha assegurado que as Forças Armadas da Etiópia controlavam a parte ocidental da região, falando numa "vitória para os civis inocentes de Mai-Kadra, brutalmente massacrados pelas forças da FPLT esta semana".

O apagão nas comunicações na região e as restrições à circulação de jornalistas dificultam a verificação independente da informação de cada um dos lados.

O presidente de Tigray, Debretsion Gebremichael, negou o envolvimento de tropas leais à FPLT no massacre denunciado pela Amnistia Internacional. "Não há nenhuma base para isto. Não pode estar ligado a nós", defendeu Gebremichael, citado pela agência noticiosa France-Presse, referindo: "Temos os nossos valores, temos as nossas regras. Nós sabemos como tratar as pessoas".

Ataques a aeroportos

Já este sábado, os líderes da região de Tigray reivindicaram ataques com misséis contra dois aeroportos nas cidades de Bahir Dar e Gondar, na região de Amhara, durante a madrugada e ameaçaram atacar a vizinha Eritreia, aumentando os receios da propagação do conflito.

"Ontem à noite infligimos pesados danos nas componentes militares dos aeroportos de Gondar e Bahir Dar", disse Getachew Reda, membro sénior da Frente de Libertação Popular de Tigray, num comunicado em que reiterou a presença de soldados da Eritreia nos combates – algo que a Etiópia nega. Reda sublinhou ainda que a TPLF não vai hesitar em atacar alvos no país vizinho, tradicional rival da Etiópia, incluindo a capital, Asmara. "Quer saiam de Asmara ou de Bahir Dar para atacar Tigray, vamos tomar medidas de retaliação. Vamos realizar ataques com misséis em alvos específicos além dos aeroportos", afirmou.

Segundo estimativas do Alto Comissariado da ONU para os refugiados, há 11 mil refugiados etíopes no vizinho Sudão.Foto: El Tayaeb Siddig/REUTERS

Também o Governo etíope anunciou que "as áreas dos aeroportos sofreram danos", numa mensagem divulgada na rede social Twitter pela força especial criada para fornecer informações sobre as operações realizadas em Tigray pelas forças governamentais.

As tropas da região de Amhara têm lutado ao lado das forças do Governo contra soldados leais ao partido que governa Tigray. O governo regional afirmou numa declaração na televisão que os ataques vão continuar "a menos cessem que os ataques" contra a região.

Apelos ao fim do conflito

O massacre denunciado pela Amnistia Internacional em Mai-Kadra, durante a noite de 9 de novembro, é o primeiro registo de um grande número de mortes de civis desde que começou o conflito entre o Governo do primeiro-ministro Abiy Ahmed e o partido no poder na região separatista do norte.

A Amnistia disse não ter sido capaz de identificar os responsáveis, mas falou com testemunhas que acreditam que forças leais à TPLF estavam por detrás do "assassínio em massa".

Em Genebra, Bachelet reiterou o seu apelo de 6 de novembro a ambas as partes, no sentido de iniciarem conversações para uma cessação imediata das hostilidades. "Exorto ambas as partes a perceberem que não haverá vencedor em tal situação e a empenharem-se num diálogo sério para resolverem as suas diferenças sem demora", sublinhou.

A Alta-Comissária da ONU advertiu que se as forças regionais do Tigray e as forças governamentais etíopes continuarem com os confrontos "há o risco de esta situação poder ficar completamente fora de controlo, levando a pesadas perdas de vidas e destruição, bem como a deslocações em massa, dentro da própria Etiópia e através das fronteiras".

Também os Estados Unidos da América apelaram "fortemente" a que sejam tomadas "medidas imediatas de abrandamento" do conflito na região de Tigray. "Condenamos o massacre de civis em Mai-Kadra", escreveu o secretário de Estado adjunto para os Assuntos Africanos, Tibor Nagy, na rede social Twitter, acrescentando: "É essencial que a paz seja restaurada e que os civis sejam protegidos".

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