ONU lança apelo para assistência humanitária em Cabo Delgado
Lusa
18 de dezembro de 2020
A ONU anunciou esta sexta-feira (18.12) que precisa de 207 milhões de euros para garantir a assistência humanitária aos deslocados internos devido a violência armada em Cabo Delgado, no Norte de Moçambique.
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A coordenadora residente da ONU em Moçambique, Myrta Kaulard, lembra que "as pessoas foram forçadas a deixar as suas casas com nada mais do que as roupas que vestiam. Elas perderam os seus pertences, os seus meios de subsistência, o seu futuro" e por isso defende que "a ajuda humanitária é vital para aliviar o seu sofrimento".
O montante necessário seria destinado ao apoio de 1,1 milhões de pessoas durante todo o próximo ano, incluindo os que se refugiaram nas províncias de Niassa e Nampula, vizinhas de Cabo Delgado.
"Mulheres e meninas correm o risco de sequestro, violência de género e exploração, enquanto os meninos correm o risco de serem mortos ou recrutados por atores armados", alertou Myrta Kaulard, acrescentando que a ONU está também preocupada com o "destino dos civis que permanecem presos em áreas isoladas devido à violência".
Cabo Delgado: Governo moçambicano realoja deslocados
03:00
A segurança alimentar e o abrigo estão entre os principais pontos de destaque no plano de assistência da ONU, com uma verba de 110 milhões de euros e 22 milhões de euros, respetivamente, de um total de 207 milhões de euros necessários.
"A comunidade internacional tem sido extremamente generosa e tem estado, em 2020, a apoiar as pessoas em Moçambique enquanto enfrentam esta crise extremamente desafiadora. No entanto, com o rápido aumento das necessidades, os parceiros humanitários precisam urgentemente de mais financiamento para ampliar a sua resposta", acrescentou.
Respostas satisfatórias em 2020
Em 2020, a ONU conseguiu mobilizar 35 milhões de euros, dos 30 milhões de euros que tinham sido solicitados, para o plano de resposta rápida em Cabo Delgado.
A violência armada em Cabo Delgado, onde se desenvolve o maior investimento multinacional privado de África, para a exploração de gás natural, está a provocar uma crise humanitária com mais de duas mil mortes e 560 mil deslocados, sem habitação, nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.
Algumas das incursões passaram a ser reivindicadas pelo grupo fundamentalista Estado Islâmico desde 2019.
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?