Albinos colocam à prova inclusão social em Moçambique
Leonel Matias (Maputo)2 de setembro de 2016
Em visita a Moçambique, a especialista das Nações Unidas, Ikponwosa Ero, disse estar "profundamente impressionada com o medo real que existe entre as pessoas com albinismo". A perita fez críticas e recomendações ao país.
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A perita independente da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos humanos das pessoas com albinismo terminou, esta sexta-feira (02.09), uma visita a Moçambique.
A nigeriana Ikponwosa Ero disse considerar que, apesar de todos os êxitos alcançados por Moçambique na luta contra os crimes contra as pessoas com albinismo, a situação continua precária.
"As pessoas com albinismo, desde a nascença e toda a vida até a morte, são caçadas e partes dos seus corpos- que vão desde a sua cabeça até aos dedos dos pés, cabelos, unhas e até fezes - são recolhidas," relatou.
As perseguições aos albinos são praticadas por indivíduos que acreditam que partes do corpo daquelas pessoas têm poderes mágicos que geram riqueza e dão sorte na vida.
A especialista da ONU disse que, apesar de não haver dados estatísticos definitivos, já foram reportadas centenas de casos de perseguições a pessoas com albinismo em Moçambique. Reconheceu, no entanto, que a situação melhorou no último ano.
Ikponwosa Ero considerou positivo o facto de Moçambique registar o maior número de casos em investigação na região. Foram instaurados até ao momento cerca de 65 processos crime, o que segundo ela constitui um factor de dissuasão.
Ausência de punição
A perita disse, no entanto, que até à data nenhum dos autores morais deste tipo de crimes foi capturado ou julgado. Acrescentou que eles operam numa rede secreta transfronteiriça poderosa, semelhante à dos narcotraficantes.
"Enquanto não se encontrarem os autores morais, a questão da segurança das pessoas com albinismo vai continuar precária," alertou.
A perita da ONU apontou ainda que a precariedade da situação dos direitos humanos das pessoas com albinismo tem a ver igualmente com o envolvimento dos próprios familiares das vítimas nos crimes e com a ausência de uma legislação que regule a actividade dos médicos tradicionais.
Falhas na legislação
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Moçambique tem uma legislação multissectorial para abordar a questão dos direitos humanos das pessoas com albinismo.
Ikponwosa Ero, disse "tratar-se de um plano exaustivo," e um dos melhores a que já teve acesso. "Contudo, o plano não dispõe de um orçamento especifico, nem um método de responsabilização e prestação de contas, e não é de domínio público," acrescentou.
Na área da assistência médica, a especialista da ONU apontou como uma das fragilidades do atual programa governamental a insuficiência de meios para proteger as pessoas com albinismo do cancro da pele, uma doença que, como explicou, causa mais mortes que as perseguições daquelas pessoas.
Soluções possíveis
"Atualmente não está assegurado o fornecimento continuo de pomada para a protecção do sol, não existe no país o tratamento de radioterapia e ainda não há óculos para auxiliar a visão das pessoas com albinismo," criticou.
A perita da ONU recomendou "uma implementação efetiva de políticas de ensino inclusivo". Ikponwosa Ero acrescentou ainda que "deve ser aplicada a disposição da Lei do Trabalho que estabelece uma quota de cinco por cento de postos de trabalho para as pessoas com deficiência. Podem ser adotadas boas práticas da região, como a instalação de clínicas móveis e a construção de fábricas para a produção local de pomada para assitir às pessoas com albinismo".
Feitiço e preconceito: albinos em Moçambique
Em vários países africanos, os albinos sofrem preconceito, são perseguidos por curandeiros, rejeitados pelas famílias e têm dificuldade em encontrar trabalho. Há no entanto ativistas que lutam contra a discriminação.
Foto: Carlos Litulo
Sem preconceitos
Por causa de um distúrbio genético, a pele, os olhos e os cabelos de pessoas com albinismo têm falta de melanina, substância responsável pela pigmentação e pela proteção de raios solares ultravioletas. Na foto, Hilário Jorge Agostinho, o único skatista albino de Moçambique. Agostinho incentiva a integração da população albina para combater os preconceitos e a exclusão social dos albinos no país.
Foto: Carlos Litulo
Pele branca, magia negra
Hilário Jorge Agostinho nas proximidades da Rua da Sé, em Maputo. Em vários países africanos, albinos são perseguidos por curandeiros para realizar rituais com eles. Existem muitas crenças ligadas ao albinismo: por exemplo, a de que manter relações sexuais com albinos cura a SIDA, a de que tomar "poção de albino" traz riqueza, ou a de que o toque de mão de um albino traz má sorte.
Foto: Carlos Litulo
O preço da pele
Na Tanzânia, considerado o país com o maior número de albinos do continente africano, albinos são mortos e desmembrados devido a uma crença de que poções feitas com partes dos corpos dos albinos trazem sorte, fortuna e prosperidade. As partes dos corpos de albinos chegam a valer milhares de dólares. Na foto, o skatista albino Hilário Agostinho faz manobra diante da Catedral de Maputo.
Foto: Carlos Litulo
Luta solidária
A luta dos albinos por reconhecimento e inclusão não é solitária, embora na maior parte das vezes não encontre ouvidos atentos. Em 2008, as Nações Unidas declararam oficialmente os albinos como "pessoas com deficiência", depois de assassinatos massivos de pessoas com albinismo na Tanzânia, vizinha de Moçambique, no Burundi e em outros países do leste africano.
Foto: Carlos Litulo
Estigma
Em Moçambique, entre outros países, crianças ou até mesmo bebés chegariam a ser usados em rituais de magia, especialmente no norte do país, na fronteira com a Tanzânia. Os albinos sofrem preconceito em vários países africanos, têm dificuldade em encontrar trabalho e muitas vezes são rejeitados pelas famílias. Na foto, o músico albino Ali Faque ensaia em seu estúdio em Maputo, em janeiro de 2010.
Foto: Carlos Litulo
Proteção da pele e dos olhos
O músico Ali Faque tem sido o embaixador na luta contra a discriminação da população que sofre de albinismo em Moçambique. Na foto, Ali Faque lê partitura em seu estúdio. Por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares, os albinos são mais vulneráveis a problemas nos olhos e ao cancro. Precisam de roupa protetora, óculos escuros e acesso aos raros cremes de proteção solar.
Foto: Carlos Litulo
Sem direitos
Artigo do jornal sul-africano "Mail & Guardian", publicado em setembro de 2012, diz que, apesar de o país ser signatário da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, não haveria reconhecimento dos direitos de albinos neste país da Africa Austral. Em Moçambique, o músico Ali Faque também se empenha pelos direitos dos albinos.
Foto: Carlos Litulo
Mais albinos em África
O albinismo é uma condição que afeta etnias no mundo todo. Mundialmente há um albino em aproximadamente cada 20 mil pessoas. No continente africano, o número dispara para um em cada 4 mil, por ser uma condição hereditária e por mais albinos se relacionarem entre si.
Foto: Carlos Litulo
Vulneráveis
A ONU declarou os albinos "pessoas com deficiência", porque são vulneráveis ao cancro por causa da falta de proteção da pele contra os raios solares. Na Tanzânia, mais de 80 albinos terão morrido em rituais nos últimos anos, várias das pessoas com albinismo terão sido estupradas. O Governo da Tanzânia reconhece os albinos como "minoria ameaçada". Fotos: Carlos Litulo.