A Comissão de Inquérito da ONU sobre o Burundi divulga esta segunda-feira um relatório preliminar sobre a situação dos direitos humanos no país, agora liderado pelo Presidente Evariste Ndayishimiye. Haverá já mudanças?
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No Burundi, apesar do novo Presidente Evariste Ndayishimiye ter tomado posse recentemente, refugiados e exilados continuam a temer a insegurança ao regressar ao país. Alguns citam como uma ameça a ala jovem do Conselho Nacional para a Defesa da Democracia - Forças para a Defesa da Democracia (CNDD-FDD), o partido no poder.
O grupo Imbonerakure é acusado de espalhar o terror durante o Governo do ex-Presidente Pierre Nkurunziza, que faleceu em junho passado.
Os apelos multiplicam-se para que o novo Presidente do Burundi ponha um fim às atividades do grupo que a ONU classificou como "milícia". Numa entrevista exclusiva à DW África, o presidente da Comissão de Inquérito da ONU, Doudou Diène, avançou que as expetativas são altas em relação ao novo Presidente.
"Tomamos nota dos resultados das eleições e este será um ponto central do nosso relatório desta segunda-feira (13.07), porque é uma oportunidade histórica dada ao Burundi, para fazer as transformações necessárias e, em particular, para demonstrar à comunidade internacional que a situação dos direitos humanos mudou qualitativamente. Estamos numa situação de observação e vigilância", afirmou.
Abusos durante as eleições
No mês passado, a organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) pediu uma investigação aos alegados abusos de direitos humanos durante as eleições de 20 de maio no Burundi. A ONG ouviu eleitores, jornalistas e ativistas, que relataram intimidações por membros da liga juvenil do partido no poder.
Entretanto, os relatos de medo e violência também são feitos por refugiados e exilados, que têm medo de retornar ao país por causa dos membros do Imbonerakure. No entanto, o presidente da Comissão de Inquérito da ONU sobre o Burundi disse que há outros responsáveis pelas violações dos direitos humanos no país.
"Na identificação de responsabilidades, colocamos o Imbonerakure como um dos principais responsáveis pelas violações dos direitos humanos, mas acrescentamos que as atividades do grupo também são apoiadas pela polícia, o serviço nacional de inteligência e vários órgãos estatais", revelou na entrevista à DW.
Para Doudou Diène, uma proposta concreta para o combate à violação dos direitos humanos no Burundi e controlo da atividade da liga juvenil do partido no poder seria acabar com a impunidade. Mas terá o novo Presidente margem de manobra para lidar com a ala jovem do seu partido?
"Não podemos prever o que o novo Presidente fará. Mas não há dúvida de que o Presidente eleito tem autoridade e os meios para fazer as mudanças qualitativas necessárias em termos de respeito aos direitos humanos e à democracia", responde.
Crise política
No poder desde 2005, o ex-Presidente Pierre Nkurunziza decidiu não se candidatar à reeleição e apelidou o general Evariste Ndayishimiye de "herdeiro". Em 2015, a candidatura de Nkurunziza a um controverso terceiro mandato mergulhou o país numa grande crise política que causou pelo menos 1.200 mortos e a fuga de cerca de 400 mil burundianos devido à violência.
O seu último mandato foi marcado por controvérsias, como o encerramento do gabinete de direitos humanos da ONU no país e a retirada do Tribunal Penal Internacional, que resultaram na suspensão do financiamento direto ao Burundi.
Logo após a morte de Nkurunzinza, a 9 de junho, o Tribunal Constitucional do Burundi defendeu que Evariste Ndayishimiye, vencedor das eleições de maio, tomasse posse imediatamente, alimentando as expetativas da comunidade internacional.
Presidentes africanos para sempre
Vários presidentes africanos governam há tanto tempo, que muitos cidadãos não conhecem outro líder do seu país. Teodoro Obiang Nguema é o líder africano há mais tempo no poder: governa a Guiné Equatorial desde 1979.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Alamba
Guiné Equatorial: Teodoro Obiang Nguema
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo é atualmente o líder africano há mais tempo no poder, depois de, em 2017, José Eduardo dos Santos ter deixado o cargo de Presidente de Angola, que ocupava também desde 1979. Neste ano, Obiang chegou ao poder através de um golpe de estado contra o seu tio, Francisco Macías. Nas últimas eleições no país, em 2016, Obiang afirmou que não voltaria a concorrer em 2020.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Lecocq
Camarões: Paul Biya
Com o seu nascimento no ano de 1933, Paul Biya é o Presidente mais idoso do continente africano e apenas ultrapassado em anos no poder pelo líder da vizinha Guiné Equatorial. Biya chegou ao poder em 1982. Em 2008, uma revisão à Constituição retirou os limites aos mandatos. Em 2018, Biya, foi declarado vencedor das eleições. Os Camarões atravessam uma crise com a rebelião na parte anglófona.
Foto: picture-alliance/AA/J.-P. Kepseu
Uganda: Yoweri Museveni
Com mais de 30 anos no poder, Yoweri Museveni é, para uma grande parte dos ugandeses, o único Presidente que conhecem. 75% dos atuais 35 milhões de habitantes nasceram depois de Museveni ter subido ao poder em 1986. Em 2017, foi aprovada a lei que retira o limite de idade (75 anos) para concorrer à Presidência. Assim sendo, Museveni já pode concorrer ao sexto mandado, nas eleições de 2021.
Foto: picture alliance/AP Photo/B. Chol
República do Congo: Denis Sassou Nguesso
Foi também uma alteração à Constituição que permitiu que Denis Sassou Nguesso voltasse a candidatar-se e a vencer as eleições em 2016 na República do Congo (Brazzaville). Já são mais de 30 anos à frente do país, com uma pequena interrupção entre 1992 e 1997. Denis Sassou Nguesso nasceu no ano de 1943.
Foto: picture-alliance/AA/A. Landoulsi
Ruanda: Paul Kagame
Paul Kagame lidera o Ruanda desde 2000. Antes, já teve outros cargos influentes e foi líder da Frente Patrifótica Ruandesa (FPR), a força que venceu a guerra civil no Ruanda. Em 2017, Kagame ganhou as eleições com 98,8% dos votos. Assim poderá continuar no poder até, pelo menos, 2034. Assim ditou a consulta popular realizada em 2015 que acabou com o limite de dois mandatos presidenciais.
Foto: Imago/Zumapress/M. Brochstein
Burundi: Pierre Nkurunziza
Em 2005, Pierre Nkurunziza chegou ao poder no Burundi. Em 2015, o terceiro mandato de Nkurunziza gerou uma onda de protestos entre a população que, de acordo com o Tribunal Penal Internacional, terá causado cerca de 1.200 mortos e 400.000 refugiados. Em maio de 2018, teve lugar um referendo para alterar a Constituição, que permitiu ao Presidente continuar no cargo até 2034.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Gabão: Ali Bongo Ondimba
Ali Bongo ainda está longe de quebrar o recorde do pai, que esteve 41 anos no poder, mas já vai no terceiro mandato, ganho em 2017, no meio de muita contestação. Em 2018, a Constituição do Gabão foi revista para acabar com o limite de mandatos. A nova versão da Constituição também aumentou os poderes do Presidente para tomar decisões unilateralmente.
Foto: Reuters/Reuters TV
Togo: Faure Gnassingbé
Em 2005, Faure Gnassingbé substituiu o pai, que liderou o país durante 38 anos. Ao contrário de outros países, o Togo não impunha um limite aos mandatos. Em 2017, após protestos da população contra a "dinastia" Gnassingbé, foi aprovada a lei que impõe um limite de mandatos. No entanto, a lei não tem efeitos retroativos, pelo que o ainda Presidente poderá disputar as próximas eleições, em 2020.
Foto: DW/N. Tadegnon
Argélia: Abdelaziz Bouteflika
Abdelaziz Bouteflika esteve 20 anos no poder na Argélia (1999-2019). Em 2013, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), mas nem a idade, nem o estado de saúde travaram o Presidente de anunciar que iria procurar um quinto mandato em 2019. Em abril de 2019, face a protestos públicos, anunciou a sua renúncia ao cargo. Nesta altura, já teve 82 anos de idade.