Prossegue em Lisboa o julgamento de três arguidos portugueses neste caso. O ex-procurador Orlando Figueira, um dos arguidos, nega ter sido subornado por Manuel Vicente e diz não conhecer o ex-vice-Presidente de Angola.
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Eles são acusados dos crimes de corrupção, branqueamento de capitais, violação do segredo de Justiça e falsificação de documentos. Depois de Orlando Figueira, que terá sido corrompido para arquivar investigações ligadas ao antigo presidente da Sonangol e ex-vice-Presidente angolano, o Tribunal começou a ouvir Paulo Blanco, advogado que prestava serviços a Angola e a Manuel Vicente.
O Tribunal da Comarca de Lisboa levou cerca de cinco dias para ouvir as extensas alegações do ex-procurador Orlando Figueira. Este, de acordo com a acusação, terá recebido pagamentos no valor de 760 mil euros para a obtenção de decisões favoráveis em investigações que envolviam Manuel Vicente. Um dos inquéritos está relacionado com o caso Portmill, referente à aquisição de imóveis de luxo no Estoril, em Cascais, Portugal.
Durante as sessões, Figueira negou ter praticado atos de corrupção e insistiu que não conhece Manuel Vicente, aludindo que "tudo tem a ver com Carlos Silva", presidente do Banco português Atlântico Europa, frequentemente referido no processo.
Emaranhado de situações que altera a espinha dorsal do processo
Para Carlos Gonçalves, jornalista angolano que acompanha o julgamento no Campus da Justiça, em Lisboa, "o que fica claro é que não há anjinhos metidos neste rol. O Orlando Figueira coloca essa relação em Carlos José Silva, ilibando de qualquer relacionamento com o ex-vice-Presidente Manuel Vicente".
E o jornalista cita casos suspeitos: "O tribunal questiona e bem um conjunto de coincidências que apontam para Orlando Figueira, nomeadamente o facto de ter arquivado um processo de Manuel Vicente e no dia a seguir ter recebido um empréstimo de um banco onde Carlos Silva provavelmente tem uma relação com Manuel Vicente. E depois surge o próprio Carlos Silva a dizer que não fez uma proposta efetiva de trabalho ao procurador Orlando Figueira".
Gonçalves diz, a propósito, que há um emaranhado de situações que altera a espinha dorsal do processo, do qual fica separado o arguido Manuel Vicente. O que Orlando Figueira contou em tribunal, acrescenta, levanta um conjunto de questões que, provavelmente, vão dar origem a um novo processo.
Gelo nas relações entre Angola e Portugal
Operação Fizz: "Não há anjinhos metidos neste rol"
A acusação ao ex-vice-Presidente angolano, no âmbito da Operação Fizz, azedou as relações luso-angolanas, estando congeladas as visitas de alto nível. Em reação a este diferendo, o chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, destaca os esforços de ambas as partes, quando se sabe que estão em curso tentativas de desanuviar a crise diplomática.
Em declarações aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa disse que "o que os portugueses e os angolanos querem saber é se sim ou não as relações dos povos, as relações económica-sociais, o que toca na vida das pessoas melhora, continua como tem sido ou piora? E a resposta está dada". Na semana passada, o Presidente angolano, João Lourenço, e o primeiro-ministro português, António Costa, encontraram-se em Davos, na Suíça.
Mário Pinto de Andrade, deputado do MPLA, partido no poder em Angola, não vê nuvens nas relações entre Portugal e Angola, tanto é que, como refere, "todas as semanas os voos da TAAG e da TAP entre Lisboa e Luanda estão sempre cheios". "Tenho dito muitas vezes que Angola e Portugal são dois irmãos que, às vezes, se zangam, mas depois a paz tem de ser feita em nome da família", exemplifica.
E o professor de Relações Internacionais reforça: "Isso obriga, quer queiramos quer não, que o Estado angolano quer o Estado de Portugal vão ter que ultrapassar alguns desentendimentos que possa haver através dos canais diplomáticos para que esta relação possa continuar a fortalecer."
O deputado considera que as clivagens serão ultrapassadas: "E acredito que não é um caso isolado que põe em causa as relações entre dois Estados. Acredito que há uma nítida separação de poderes em Portugal. Também em Angola há uma nítida separação de poderes e o sistema judicial português encontrará a melhor posição de se resolver este assunto sem haver interferência dos Estados."
Mal estar não é de agora
O jornalista luso-angolano Celso Filipe lembra que as relações entre Portugal e Angola já eram distantes muito antes deste processo judicial. O posicionamento de Luanda em relação ao caso Manuel Vicente tornou mais claro o mal-estar no plano diplomático entre os dois países, previsivelmente com eventuais efeitos negativos, nomeadamente para as exportações portuguesas se Angola avançar com sanções económicas.
Na opinião do autor do livro "O Poder Angolano em Portugal", o risco persiste, apesar das recentes declarações dos governantes portugueses e angolanos em Davos.
"De facto, entre empresas parece tudo normal, as deslocações de cidadãos portugueses para Angola e de angolanos para Portugal também me parece normal. Agora, uma relação como aquela que é mantida entre Portugal e Angola precisa também desse canal diplomático. Se essas relações de Estado bilaterais estão frias tudo o resto se vai, mais cedo ou mais tarde, ressentir disso", prevê Celso Filipe.
Para o jornalista, nenhuma das partes tem a ganhar com o rompimento das relações bilaterais, uma vez que "tanto Angola como Portugal não o fará de forma total e definitiva". Até "porque isso é impossível", acrescenta.
O analista sustenta que se os dois países querem projetar relações com futuro, as bases dessa construção têm que ser renovadas: "É isso que tem faltado nas relação entre os dois países. E esta é a altura para o fazer."
Sancionar os corruptos
Após a votação pública dos 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção", a ONG Transparência Internacional selecionou e anunciou esta quarta-feira (10.02) os 9 casos que passaram para a "Fase de Sanção Social".
Foto: picture alliance / AP Photo
Isabel dos Santos
Depois da votação pública dos 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção" da Transparência Internacional, 9 casos foram destacados pela organização. A filha mais velha do Presidente angolano não faz parte, apesar dos 1418 votos. Segundo a TI, a seleção dos 9 foi baseada não só nos votos, mas também no impacto nos direitos humanos e na necessidade de destacar o lado menos visível da corrupção.
Foto: Nélio dos Santos
Teodoro Nguema Obiang
Conhecido pelo seu estilo de vida luxuoso, o filho do Presidente da Guiné Equatorial é, desde 2012, o segundo Vice-Presidente da República. A Guiné Equatorial é o país mais rico de África, per capita, apesar do Banco Mundial alegar que mais de 75% da população vive na pobreza. Teodoro somou apenas 82 votos e - como Isabel dos Santos - não foi nomeado para a fase de sanção social.
Foto: DW/R. Graça
Banco Espírito Santo
As suspeitas de corrupção do BES (Banco Espírito Santo) começaram quando o grupo financeiro português entrou em bancarrota em 2014. Foram descobertas fortes evidências de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro. Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, já esteve preso e foi recentemente libertado sob fiança. O BES somou 193 votos e também não passou aos 9 maiores casos de grande corrupção do mundo.
Foto: DW/J. Carlos
Mohamed Hosni Mubarak
Presidente do Egito entre 1981 e 2011, Mohamed Hosni Mubarak somou 207 votos e encontra-se agora preso. Mesmo assim, não aparece na lista dos casos de grande corrupção que a Transparência Internacional quer sancionar socialmente. Também o comércio de jade do Myanmar e a China Communication Construction Company ficaram de fora com 47 e 43 votos, respetivamente.
Foto: picture-alliance/AP
Transparência Internacional
"Unmask the Corrupt" é um projeto da Transparência Internacional que após receber 383 submissões, nomeou os 15 casos mais simbólicos de corrupção. Após receberem mais de 170 mil votos, reduziram os 15 para 9 casos. A Transparency International quer promover uma campanha mundial para aplicar sanções sociais e políticas nestes exemplos de corrupção. A DW África mostra-lhe os 9 casos nomeados.
Estado americano de Delaware
O Estado norte-americano de Delaware está entre os 9 casos mais simbólicos de corrupção. O jornal The New York Times chegou mesmo a apelidar o Estado como "paraíso fiscal corporativo" pela possibilidades que oferece às empresas. Somou 107 votos. "Está na hora da justiça e das pessoas mostrarem o poder das multidões", afirmou em comunicado de imprensa José Ugaz da Transparência Internacional.
Foto: Getty Images/M. Makela
Zine al-Abidine Ben Ali
Com 152 votos está o ex-Presidente da Tunísia, que governou entre 1987 e 2011. É acusado de roubar mais de dois mil milhões de euros à população tunisina e de beneficiar amigos e companheiros a escapar à justiça. É conhecido pelo seu estilo de vida extravagante e saiu do Governo em 2011, na sequência de protestos nas ruas da Tunísia conhecidos como a Revolução de Jasmim ou Primavera Árabe.
Foto: picture-alliance/dpa
Fundação Akhmad Kadyrov
A Fundação Akhmad Kadyrov tem como fim o desenvolvimento social e económico da Chechénia. Mas é acusada de gastar as verbas a entreter e oferecer presentes a estrelas de Hollywood e para o benefício de Ramzan Kadyrov (na foto), presidente da região russa da Chechénia e filho do falecido Akhmad Kadyrov. Segundo a TI, Ramzan Kadyrov usou as verbas para comprar jogadores de futebol. Reuniu 194 votos.
Foto: imago/ITAR-TASS/Y. Afonina
Sistema político do Líbano
Com 606 votos, o sistema político no Líbano, nomeadamante o Governo, as autoridades e as instituições, encontram-se também na lista da Transparência Internacional. Segundo a filial libanesa da TI, a corrupção encontra-se em todos setores sociais e governamentais, existindo "uma cultura de corrupção" no país. Considera o Líbano um país "muito fraco" em termos de integridade.
Foto: picture-alliance/dpa
FIFA - Federação Internacional de Futebol
A Federação Internacional de Futebol, mais conhecida como FIFA, é acusada de ultrajar milhões de fãs. Os respoonsáveis pelos cargos mais elevados são acusados de roubar milhões de euros e estão a ser analisados 81 casos suspeitos de branqueamento de capitais um pouco por todo o mundo. Há suspeitas que várias eleições de países anfitriões de mundiais de futebol foram manipuladaa. Conta 1844 votos.
O senador da República Dominicana conta 9786 votações. Foi acusado de branqueamento de capitais, abuso de poder, prevaricação e enriquecimento ilícito no valor de vários milhões de dólares. Bautista já esteve em tribunal, mas nunca foi considerado culpado, o que originou vários protestos por parte da população dominicana.
Foto: unmaskthecorrupt.org
Ricardo Martinelli e companheiros
É ex-Presidente do Panamá e empresário. Ricardo Martinelli terminou com 10166 votos e possui atualmente uma rede de supermercados no país, entre outras empresas. Está envolvido numa polémica de espionagem política durante o seu mandato entre 2009 e 2014, utilizando alegadamente dinheiros públicos. Tem outras acusações em tribunal, incluindo vários crimes financeiros e subornos e perdões ilegais.
Foto: Getty Images/AFP/J. Ordone
Petrobras
A petrolífera Petrobras, empresa semi-estatal brasileira, ficou em segundo lugar com 11900 votos. As acusações de subornos, comissões e lavagens de dinheiro de mais de dois mil milhões de euros, conduziram, alegadamente, o Brasil a uma profunda crise política. O caso envolve mais de 50 políticos e 18 empresas. A população brasileira já protestou várias vezes nas ruas para exigir justiça.
Foto: picture alliance/CITYPRESS 24
Viktor Yanukovych
O ex-Presidente da Ucrânia foi o mais votado. Acumulou 13210 acusações e é acusado de "deixar escapar" milhões de ativos estatais em mãos privadas e de ter fugido para a Rússia antes de ser acusado de peculato. Yanukovych começou o seu mandato em 2010, foi reeleito em 2012 e cessou as suas funções no ano de 2014, quando foi destituído após vários protestos populares.