"Operação Resgate" arranca "decididamente" esta terça-feira para revolucionar conduta dos angolanos. Sociólogo alerta que efeito não será o pretendido, porque desorganização não se combate num dia. Um tiro no próprio pé?
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Segundo as autoridades policiais, a "Operação Resgate" visa operar uma revolução no comportamento dos cidadãos. Isso traduz-se no combate, por exemplo, à urbanização "desordenada", "deficiente" circulação rodoviária, imigração ilegal ou "punição" pela destruição de bens públicos.
A DW África entrevistou o sociólogo Carlos Conceição a propósito desta operação que foi oficialmente lançada a 30 de outubro, com uma ação de sensibilização que durou apenas uma semana, e que está a causar polémica em Angola.
DW África: Uma semana de sensibilização é o suficiente para os problemas que estão enraizados na sociedade angolana?
Carlos Conceição (CC): Uma semana não é suficiente para fazer a mobilização de toda a sociedade angolana, no sentido de ver se essa "Operação Resgate" tem ou não efeito. Penso que o timing que se estabeleceu é muito pouco, primeiro porque os meios que estão a ser usados para fazer a respetiva divulgação, publicidade e sensibilização são meios insuficientes, que do nosso ponto de vista não alcançam a maioria da população angolana.
DW África: A "Operação Resgate" foi lançada a 30 de outubro e a 6 de novembro as autoridades começam a atuar "decididamente", segundo informaram. Para uma sociedade socialmente decadente, o uso da força é a melhor via?
CC: Não é a melhor via. Nós temos um problema sociológico muito grande. Vivemos num país que durante muito tempo ficou desorganizado, ou seja, estamos diante de uma desorganização social grande e a estratégia de combate à desorganização social não se faz num dia. Este é um problema que poderia implicar uma ressocialização própria da própria sociedade angolana, no sentido de ganhar uma nova consciência social. A estratégia de resgatar a autoridade do Estado não se faz num dia. Penso que aqui as autoridades angolanas terão falhado, não se fez um estudo exaustivo, nem se convidou um especialista na área, como, por exemplo, um antropólogo ou um sociólogo, que pudesse fazer um estudo social sobre as possíveis implicações que esta medida poderia ter na vida das populações, já que a "Operação Resgate" também vai incluir a venda informal. Em Angola temos um problema: a maioria da população encontra-se no setor informal e isto pode ser até aquilo que consideramos um tiro no próprio pé. Essa medida não vai surtir efeito. Aliás, vai provocar um caos social muito grande. Depois o Estado terá de ceder porque a maioria depende disto. Penso que não se faz isso que o nosso Estado quer fazer.
"Operação Resgate" provocará "caos social" em Angola
DW África: Um dos objetivos desta operação, segundo o ministro do Interior, é operar uma revolução no comportamento dos cidadãos. É com este tipo de métodos que se opera revoluções?
CC: Não. Aliás, a questão da mudança de comportamento não é um problema da polícia, é um problema de socialização das pessoas. Penso que esta questão da mudança de comportamento por via da coerção pode efetivamente não ter os efeitos desejados. Primeiro, deveriam consciencializar as pessoas e só depois tomar as medidas que fossem necessárias. Acho que é uma daquelas medidas que não terá pernas para andar. Já houve várias outras estratégias e essas medidas não lograram pelo facto de terem sido tomadas do ponto de vista de precipitações. Nunca obedeceram a estudos prévios, nem a uma metodologia apurada, sempre obedeceram a metodologias esporádicas. E depois teve o resultado que teve.
DW África: Que consequências antevê para esta "Operação Resgate"?
CC: As consequências serão várias, desde, por exemplo,pressão social para o Estado. Porque se dissermos que a partir de agora as mamãs, as pessoas não vão para a zunga, essas pessoas vão reclamar. E se não encontrarem outras alternativas, as consequências podem ser o crescimento do índice de criminalidade, da violência doméstica e a subida do índice de prostituição e depois vamos cair num caos social muito grande e poderemos, então, perder o controlo social desta questão.
Congoleses em fuga de Angola: RDC promete retaliação
Mais de 270 mil congoleses foram obrigados a abandonar Angola. Em retaliação, o ministro dos Negócios Estrangeiros congolês deu dois meses aos angolanos ilegais para abandonarem a RDC. ACNUR teme nova crise humanitária.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Ao ritmo de 1.000 imigrantes por hora
Imigrantes congoleses chegam à localidade fronteiriça de Kamako, já do lado da República Democrática do Congo (RDC), ao ritmo de 1.000 pessoas por hora. Mais de 270 mil imigrantes ilegais congoleses foram obrigados a abandonar Angola, após um decreto do Presidente João Lourenço que visa acabar com a imigração ilegal no país, sobretudo nas regiões diamantíferas das Lundas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
RDC promete retaliação
O Governo em Kinshasa utiliza o termo "expulsos" quando se refere aos imigrantes que Angola diz estarem a "sair de forma voluntária" do país. Como represália, o ministro dos Negócios Estrangeiros congolês definiu um prazo de dois meses para que todos os angolanos em situação irregular saiam da RDC. A tensão levou os Governos e representações diplomáticas dos dois países a iniciarem conversações.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Detidos com documentos angolanos falsos
Em colaboração com o ACNUR e com organizações não-governamentais, as autoridades congolesas estão a vigiar a pente fino as entradas no país. Entre os cidadãos obrigados a abandonar Angola, há portadores de documentação da nação vizinha. Porém, o porta-voz da "Operação Transparência" anunciou a detenção de imigrantes com "documentos angolanos falsos" que serão julgados em Luanda.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Congoleses dedicavam-se ao garimpo ilegal
O comandante da Polícia Nacional de Angola, António Bernardo, garante que os imigrantes que estão a abandonar o país "não se coíbem de dizer" que se deslocaram para Angola "para ganhar dinheiro na exploração ilegal de diamantes". Com o encerramento das cooperativas e casas ilegais de venda e compra de pedras preciosas, "os imigrantes decidiram voluntariamente sair do país", diz o responsável.
Foto: Reuters/G. Paravicini
ACNUR não confirma mortes
Apesar das denúncias de mortes e maus-tratos perpetrados por agentes da Polícia Nacional de Angola, no âmbito da "Operação Transparência", o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) não confirma essas informações "por falta de dados". Philippa Candler, representante do ACNUR em Angola, diz que os imigrantes estão a sair de Angola pelo próprio pé, mas sob pressão do Governo.
Foto: Omotola Akindipe
Cerca de 35 mil refugiados legais em Angola
Dados do ACNUR indicam que há 35 mil refugiados legais em Angola. Estão, sobretudo, na Lunda Norte, inseridos num assentamento em Lóvua ou distribuídos pelas povoações. No entanto, a ONU denunciou a expulsão de 50 migrantes com estatuto de refugiados. O ACNUR está a verificar a informação. A escalada do conflito tribal no Kasai levou milhares de congoleses a procurar refúgio fora de portas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
A pé ou à boleia de motorizadas e bicicletas
Os migrantes congoleses que estão em viagem de regresso ao país de origem escolheram vários meios para fazê-lo. Alguns aceitaram a ajuda do Governo angolano que disponibilizou camiões para transportar os congoleses até à fonteira. Outros preferem fazê-lo pelo próprio pé ou socorrendo-se de bicicletas e motorizadas. Consigo carregam os seus pertences.
Foto: Reuters/G. Paravicini
De regresso às antigas rotinas
Ainda em viagem, mulheres e crianças lavam roupas nas margens do rio junto à localidade de Kamako, na província de Kasai. O objetivo é regressarem às suas povoações outrora ameaçadas ou reiniciarem uma nova vida longe da sua última morada na RDC. No entanto, a situação nesta província congolesa é instável. A falta de infraestruturas está também a preocupar as Nações Unidas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Nova crise humanitária iminente
A ONU expressou preocupação sobre a saída forçada de Angola nas últimas semanas de centenas de milhares de cidadãos. Para as Nações Unidas, as "expulsões em massa" são "contrárias às obrigações" da Carta Africana e, por isso, exortou os Governos em Luanda e em Kinshasa a trabalharem juntos para garantirem um "movimento populacional" seguro e evitarem uma nova crise humanitária.