Angola já repatriou mais de 400 mil imigrantes ilegais no âmbito da "Operação Transparência". A DW África visitou local onde operação é levada a cabo. Repatriados regressam ao território angolano no mesmo dia.
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Nos últimos meses, Angola já repatriou 439 mil imigrantes ilegais no âmbito da "Operação Transparência", apontam dados das autoridades. Os imigrantes repatriados vêm sobretudo da República Democrática do Congo (RDC). O Governo angolano diz que o repatriamento é voluntário, mas várias organizações não-governamentais denunciam "excessos" das autoridades.
A DW África foi até à província do Zaire, na fronteira com o Congo, um dos locais onde está a ser levada a cabo a "Operação Transparência". Mas aqui a realidade já é conhecida: imigrantes ilegais congoleses que saem repatriados voltam a entrar em Angola no mesmo dia.
Província do Zaire
Na província do Zaire, sabe-se que a realidade é assim: há imigrantes ilegais congoleses repatriados de manhã e que à tarde regressam a território angolano. É o que diz à DW África o taxista Manuel Panzo, que nos leva até ao posto fronteiriço do Luvo, no extremo noroeste de Angola.
"Se você o repatriar às 7 horas, às 15h vai encontrá-lo a comer na casa dele em Mbanza-Kongo. Não temos fronteiras bem controladas."
No posto fronteiriço do Luvo há uma forte presença de polícias. Mas os populares sabem que os imigrantes ilegais entram por outras zonas e muitos ficam nas matas da província do Zaire à espera do momento certo para voltar a entrar nas comunidades.
"Só este caminho do Madimba, se chegares até à fronteira entre o Zaire e o Uíge, até chegar à província do Uíge, não há controlo. Os congoleses passam aí com facilidade e às vezes pegam um táxi de mota até Mbanza-Kongo."
Controle na fronteira A fronteira de Angola com a RDC é vasta - são ao todo 2.500 quilómetros. Só a província do Zaire partilha uma fronteira de mais de 300 quilómetros com o Congo. Controlar a entrada e saída de pessoas do país é uma tarefa difícil. Francisco António Paulo, diretor provincial do Serviço de Migração e Estrangeiros no Zaire, reconhece que não há recursos humanos suficientes - nem meios para acabar com a imigração ilegal.
"Mesmo com algumas dificuldades de recursos humanos e falta de meios de transporte temos feito o esforço para estancarmos - não acabar, mas estancarmos - a imigração ilegal. Isso, com a colaboração da polícia de guarda fronteira e dos Serviços de Investigação Criminal."
Segundo o diretor provincial do Serviço de Migração e Estrangeiros, os imigrantes ilegais têm contado com o auxílio de cidadãos angolanos que, a troco de dinheiro, facilitam a entrada de muitos estrangeiros ilegais no país. O responsável refere ainda que há indícios de que guardas fronteiriços e funcionários do Serviço de Migração e Estrangeiros também ajudam a passagem dos ilegais.
Autoridades
"Operação Transparência": Repatriados da RDC voltam a Angola no mesmo dia
Em setembro, o Governo angolano lançou a "Operação Transparência", contra o garimpo e a imigração ilegais. A operação começou em sete das 18 províncias de Angola, e foi alargada, em outubro, a mais quatro, incluindo o Zaire. Organizações não-governamentais têm denunciado "excessos" das autoridades angolanas. Entretanto, a polícia garante que a lei está a ser respeitada.
Um dos 439 mil imigrantes ilegais repatriados no âmbito da "Operação Transparência" é Finston, um jovem de 32 anos detido há mais de um mês no principal centro de detenção de imigrantes ilegais no Zaire. Viveu cerca de dois anos em Cabinda, onde fez um curso de português. Foi detido por falta de documentos e agora está à espera de ser repatriado.
"Como estou detido aqui há um mês e meio, já não volto aqui a Angola sem documentos. Vou-me legalizar assim que eu voltar. Tratar do passaporte, e vir já bem legalizado", diz.
Finston quer ir para a capital, Luanda, à procura de melhores condições de vida, "gostaria de fazer lá negócio. Qualquer trabalho eu devia fazer, só para conseguir qualquer coisa para a minha sobrevivência."
Há vários postos de controlo ao sair do Zaire para Luanda. Aqui, as autoridades interrogam durante longas horas aos indivíduos que aparentam ser estrangeiros. Num dos postos, um grupo de cidadãos que apresentou documentos angolanos foi questionado por não saberem falar kikongo, a língua da zona de onde alegavam ter origem. Mas, ao final, o grupo acabou por passar.
Congoleses em fuga de Angola: RDC promete retaliação
Mais de 270 mil congoleses foram obrigados a abandonar Angola. Em retaliação, o ministro dos Negócios Estrangeiros congolês deu dois meses aos angolanos ilegais para abandonarem a RDC. ACNUR teme nova crise humanitária.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Ao ritmo de 1.000 imigrantes por hora
Imigrantes congoleses chegam à localidade fronteiriça de Kamako, já do lado da República Democrática do Congo (RDC), ao ritmo de 1.000 pessoas por hora. Mais de 270 mil imigrantes ilegais congoleses foram obrigados a abandonar Angola, após um decreto do Presidente João Lourenço que visa acabar com a imigração ilegal no país, sobretudo nas regiões diamantíferas das Lundas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
RDC promete retaliação
O Governo em Kinshasa utiliza o termo "expulsos" quando se refere aos imigrantes que Angola diz estarem a "sair de forma voluntária" do país. Como represália, o ministro dos Negócios Estrangeiros congolês definiu um prazo de dois meses para que todos os angolanos em situação irregular saiam da RDC. A tensão levou os Governos e representações diplomáticas dos dois países a iniciarem conversações.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Detidos com documentos angolanos falsos
Em colaboração com o ACNUR e com organizações não-governamentais, as autoridades congolesas estão a vigiar a pente fino as entradas no país. Entre os cidadãos obrigados a abandonar Angola, há portadores de documentação da nação vizinha. Porém, o porta-voz da "Operação Transparência" anunciou a detenção de imigrantes com "documentos angolanos falsos" que serão julgados em Luanda.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Congoleses dedicavam-se ao garimpo ilegal
O comandante da Polícia Nacional de Angola, António Bernardo, garante que os imigrantes que estão a abandonar o país "não se coíbem de dizer" que se deslocaram para Angola "para ganhar dinheiro na exploração ilegal de diamantes". Com o encerramento das cooperativas e casas ilegais de venda e compra de pedras preciosas, "os imigrantes decidiram voluntariamente sair do país", diz o responsável.
Foto: Reuters/G. Paravicini
ACNUR não confirma mortes
Apesar das denúncias de mortes e maus-tratos perpetrados por agentes da Polícia Nacional de Angola, no âmbito da "Operação Transparência", o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) não confirma essas informações "por falta de dados". Philippa Candler, representante do ACNUR em Angola, diz que os imigrantes estão a sair de Angola pelo próprio pé, mas sob pressão do Governo.
Foto: Omotola Akindipe
Cerca de 35 mil refugiados legais em Angola
Dados do ACNUR indicam que há 35 mil refugiados legais em Angola. Estão, sobretudo, na Lunda Norte, inseridos num assentamento em Lóvua ou distribuídos pelas povoações. No entanto, a ONU denunciou a expulsão de 50 migrantes com estatuto de refugiados. O ACNUR está a verificar a informação. A escalada do conflito tribal no Kasai levou milhares de congoleses a procurar refúgio fora de portas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
A pé ou à boleia de motorizadas e bicicletas
Os migrantes congoleses que estão em viagem de regresso ao país de origem escolheram vários meios para fazê-lo. Alguns aceitaram a ajuda do Governo angolano que disponibilizou camiões para transportar os congoleses até à fonteira. Outros preferem fazê-lo pelo próprio pé ou socorrendo-se de bicicletas e motorizadas. Consigo carregam os seus pertences.
Foto: Reuters/G. Paravicini
De regresso às antigas rotinas
Ainda em viagem, mulheres e crianças lavam roupas nas margens do rio junto à localidade de Kamako, na província de Kasai. O objetivo é regressarem às suas povoações outrora ameaçadas ou reiniciarem uma nova vida longe da sua última morada na RDC. No entanto, a situação nesta província congolesa é instável. A falta de infraestruturas está também a preocupar as Nações Unidas.
Foto: Reuters/G. Paravicini
Nova crise humanitária iminente
A ONU expressou preocupação sobre a saída forçada de Angola nas últimas semanas de centenas de milhares de cidadãos. Para as Nações Unidas, as "expulsões em massa" são "contrárias às obrigações" da Carta Africana e, por isso, exortou os Governos em Luanda e em Kinshasa a trabalharem juntos para garantirem um "movimento populacional" seguro e evitarem uma nova crise humanitária.