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É tempo de África se livrar de relíquias coloniais racistas

Chrispin Mwakideu | ms
19 de junho de 2020

Os protestos anti-racistas e a remoção de estátuas são sinais de que é preciso lidar com injustiças históricas. África tem de decidir se mantém os nomes da época colonial ou se os elimina, considera Chrispin Mwakideu.

Foto: Reuters/S. Hisham

Em 20 de julho de 1969, Neil Armstrong tornou-se o primeiro humano a pisar a lua. Mais tarde pronunciaria a agora famosa citação: "É um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a Humanidade." Nessa altura, o astronauta americano e o seu compatriota Buzz Aldrin fixaram uma bandeira americana na lua.

A bandeira, visível até hoje, não era apenas um símbolo de orgulho para os EUA, mas também de conquista.

Nessa altura, em 1969, muitos países africanos já se tinham libertado do domínio colonial. Porém, mais de cinco décadas depois, o continente africano continua repleto de relíquias coloniais.

Os países africanos continuam a ter marcos históricos, ruas, instituições de saúde, edifícios escolares e até, em alguns casos, quartéis militares com o nome de governos coloniais.

Apesar de todos os países africanos poderem agora afirmar com orgulho que são independentes e içar as suas próprias bandeiras, as "bandeiras coloniais" continuam firmemente enraizadas no continente, embora não tão visíveis como antes.

De que outra forma se pode explicar que o maior lago de água doce de África ainda tenha o nome da monarca britânica Rainha Vitória?

O mais irónico é que a população local da África Oriental que guiou o explorador inglês John Hanning Speke até ao lago se referia a este como Lago Nyanza.

No entanto, Speke, o primeiro europeu a ver o lago, decidiu dar-lhe o nome de Vitória. Ou não compreendia a língua ou simplesmente nem se quis dar ao trabalho porque estava numa "missão de conquista de Sua Majestade" - neste caso, encontrar a nascente do rio Nilo.

John Speke até tem uma rua com o seu nome no Uganda, mas isso poderá mudar em breve, uma vez que o país está a considerar eliminar os nomes de estradas com ligações à era colonial - que incluem ruas em honra do explorador Sir Henry Johnston, do comissário Henry Edward Colvile, da Princesa Ana, do Príncipe Carlos e da atual monarca britânica, a Rainha Isabel II.

Derrubar estátuas

É encorajador ver o Reino Unido a questionar, pelo menos, o seu passado imperialista e colonialista em África. Mas não foi fácil chegar até aqui. Para o Reino Unido começar a ajustar contas com o seu passado, foram necessários os protestos #BlackLivesMatter, que começaram quando George Floyd, um americano de 46 anos, morreu depois de um agente da polícia o ter sufocado com o joelho durante uma detenção, por alegadamente utilizar uma nota falsa de 20 dólares (cerca de 18,00 euros).

Chrispin Mwakideu, jornalista da DWFoto: DW

Uma faculdade da Universidade de Oxford anunciou que quer derrubar a estátua de Cecil Rhodes - cujo apelido deu origem ao nome das antigas colónias da Rodésia do Sul, atual Zimbabué, e da Rodésia do Norte, atual Zâmbia.

Outra estátua de Edward Colston, que fez fortuna com o tráfico transatlântico de escravos, foi deitada abaixo por manifestantes e atirada ao rio. Entretanto, foi recuperada e será preservada num museu.

Em África, estátuas da Rainha Vitória, de Cecil Rhodes, do Rei Leopoldo da Bélgica e outras foram derrubadas ao longo dos anos. Algumas estátuas ou monumentos como o pilar de Vasco da Gama, erguido pelos portugueses em 1498 em Malindi (Melinde), no Quénia, para guiar os navios que seguiam a rota marítima para a Índia, tornaram-se parte da história da cidade.

Como o pilar é hoje uma atração turística e as pessoas têm de pagar para o ver, provavelmente não faria sentido destruí-lo, apesar de a rota marítima descoberta por Vasco da Gama ter posteriormente permitido aos portugueses estabelecer um império colonial na Índia.

Os africanos têm de decidir que relíquias coloniais ou dos tempos da escravatura querem manter e o que querem deitar fora.

Porquê Cataratas Vitória e não Cataratas de Mosi-Oa-Tunya?

O nome Cataratas do Iguaçu, na fronteira entre a Argentina e o Brasil, vem das línguas indígenas tupi-guarani e significa "águas grandes".

Um "protesto solitário" contra a morte de George Floyd

02:26

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Em África, uma magnífica queda de água semelhante, entre a fronteira do Zimbabué e da Zâmbia, recebeu o nome de Cataratas Vitória. Porquê mais uma vez Vitória? Nas minhas aulas de História no Quénia, ensinaram-me que David Livingstone, o famoso missionário e explorador escocês, o primeiro homem branco a ver esta maravilha da natureza, lhe deu o nome da Rainha Vitória.

O que eu não aprendi, no entanto, foi que os zimbabueanos sempre tiveram um nome para as cataratas: "Mosi -Oa-Tunya", que significa "o fumo que troveja".

A Rainha Vitória morreu em 1901. Mais de um século depois, porque deveriam os quenianos, ugandeses, tanzanianos, zambianos e zambianos usar o seu nome, como referência aos grandes marcos e símbolos africanos que anteriormente tinham nomes africanos locais?

Recuperar nomes africanos de cidades

Muitas cidades africanas ainda estão demasiado presas aos nomes dados pelas administrações coloniais. Tomemos como exemplo Port Harcourt, na Nigéria. A cidade com mais de 3 milhões de habitantes foi batizada com esse nome em 1913 por Frederick Lugard, que quis homenagear Lewis Vernon Harcourt, então secretário de Estado das colónias.

Antes do governo imperial britânico, a cidade era conhecida como "Iguocha" na língua Ikwerre. O povo Igbo chamava à sua cidade portuária "Ugwu Ocha", que significa "linha do horizonte brilhante".

Lagos, a capital comercial da Nigéria, antigamente era conhecida como Eko até à chegada dos portugueses, que mudaram o nome. Aconteceu o mesmo com Joanesburgo, na África do Sul, Rabat, em Marrocos, Walvis Bay, na Namíbia, Winneba e Cape Coast, no Gana.

Até a Serra Leoa deve o seu nome ao explorador português Pedro de Sintra, que lhe chamou "Serra Lyoa", que significa a "Montanha do Leão". Reza a história que Sintra ouviu leões a rugir nas colinas que rodeavam o porto. Por mais criativo e poético que isso possa parecer (e devo admitir que também gosto do nome Serra Leoa), a população local deveria ter os seus próprios nomes para as suas terras. É a ela que cabe decidir se querem mudar ou se querem continuar com o nome Serra Leoa.

Mudar os nomes coloniais para os nomes africanos originais não é, de forma alguma, uma tentativa de reescrever a história: isso já foi feito por aqueles que invadiram África para escravizar e colonizar o continente.

Recuperar nomes africanos antigos é apenas um passo para recuperar o que foi tirado. E quando isso tiver acontecido, talvez possamos então começar a falar das fronteiras artificiais traçadas pelas potências ocidentais na conferência de Berlim de 1884, onde não estava presente nenhum africano.

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