Historiador francês Michel Cahen defendeu, em entrevista à Lusa, que os partidos de oposição em Moçambique ainda não conseguiram produzir uma cultura política alternativa.
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Michel Cahen considerou que Moçambique precisa de um programa socioeconómico diferente do proposto pela Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). "Vejo uma fraqueza do lado da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e Movimento Democrático de Moçambique (MDM): estes partidos de oposição ainda não conseguiram trazer uma cultura política alternativa", referiu.
Michel Cahen falava esta terça-feira (19.09.) em Maputo à margem da 5.ª Conferência Internacional do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), que coincide com o 10.º aniversário daquela organização vocacionada para a pesquisa e divulgação de conteúdos científicos.
Para Michel Cahen, Moçambique precisa de uma oposição que apresente modelos alternativos aos da Frelimo, que está no poder desde a independência do país, em 1975.
"Por exemplo, ninguém ainda apresentou, como proposta, a necessidade de se mudar a capital. Geograficamente, a capital deste país devia estar em Quelimane [província da Zambézia], que é, se analisarem bem o mapa, o centro de todo o país", observou o académico.
Novo ciclo eleitoral aproxima-seO pesquisador entende que seriam mudanças nas propostas vindas da oposição que poderiam promover mais a participação dos cidadãos na vida política do país, numa altura em que Moçambique enfrenta "grandes desafios", com a aproximação de um novo ciclo eleitoral e a corrida por um acordo de paz definitivo.
"Os cidadãos são empurrados para as mesas de voto quando pensam que terão mudanças concretas", afirmou Michel Cahen, que considerou "muito interessante" o momento que o país atravessa.
O historiador francês apontou ainda as negociações de paz entre o Governo e a RENAMO como um ponto importante no xadrez político moçambicano, lembrando que a primeira exigência da RENAMO sobre as províncias autónomas implicaria uma mudança radical.
"Se fossemos a levar em conta a exigência da RENAMO como ela propôs num primeiro momento, isso iria implicar que a Frelimo perdesse metade do país. A FRELIMO nunca vai aceitar isso, a não ser se for vencida militarmente", acrescentou.Para Cahen, o problema das províncias autónomas será resolvido com uma alteração constitucional, na medida em que a configuração do sistema político moçambicano tem o governador como um representante do Presidente na província.
"Se não se alterar a Constituição, para se dizer que os governadores já não são representantes do Presidente, mas sim da comunidade, o problema não será resolvido. Por mais que os governadores sejam eleitos", concluiu.
Ciclicamente períodos de violência
Apesar de Governo e RENAMO terem assinado em 1992 o Acordo Geral de Paz, e um segundo acordo em 2014 para a cessação das hostilidades militares, Moçambique vive ciclicamente períodos de violência pós-eleitoral, devido à recusa do principal partido da oposição em aceitar os resultados, alegando fraude.
Em maio, o líder da RENAMO anunciou uma trégua nos confrontos com as Forças de Defesa de Moçambique (FDS) por tempo indeterminado, após contactos com o chefe de Estado moçambicano.
Subordinada ao tema "Desafios da Investigação Social e Económica em Tempos de Crise", a conferência internacional do IESE junta em Maputo professores, estudantes e pesquisadores moçambicanos e internacionais durante três dias.
20 Anos de Paz em Moçambique: Uma viagem
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos.
Foto: Marta Barroso
A guerra presente todos os dias
A 4 de outubro de 1992, FRELIMO e RENAMO assinaram o Acordo Geral de Paz, pondo fim a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Apesar da paz, a guerra civil continua a marcar a vida de muitos moçambicanos. Joula estava grávida de oito meses quando uma mina anti-pessoal lhe arrancou um pé em 1991. Na noite anterior, a RENAMO tinha atacado a aldeia e plantado minas em redor.
Foto: Marta Barroso
De armas a enxadas... ou cadeiras
Desde 1996, o projeto "Armas em Enxadas" dá um novo destino ao material bélico que destruiu milhares de vidas durante a guerra civil. O objetivo da iniciativa, lançada pelo Conselho Cristão de Moçambique, é criar, com as armas, obras de arte com mensagens de paz. Muitas peças foram encontradas pelo país, outras foram recolhidas a privados.
Foto: Marta Barroso
Ataques inesperados
São as mesmas armas que há 20 anos eram usadas para atacar seres humanos como estes refugiados em Chamanculo, perto da capital, Maputo, em 1992. Chamanculo nunca recuperou da chegada de milhares de refugiados da guerra civil. Ainda hoje, é um bairro pobre. Foi aqui que nasceram figuras ilustres do país como Maria de Lurdes Mutola.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Ruas desertas em Maputo
A guerra, que se arrastou por 16 anos, atrasou o desenvolvimento do país. Também a vida social sofreu, até mesmo na capital. Engarrafamentos eram, durante a guerra e nos primeiros anos seguintes, algo raro como se pode ver nesta fotografia do centro de Maputo de 1992.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da guerra
Em 1990, Moçambique era considerado o país mais pobre do mundo. Em 2011, ocupava o lugar 184 entre 187 Estados no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD. 20 anos depois de assinada a paz, os moçambicanos continuam a viver, em média, 50 anos.
Foto: DW/Cristina Krippahl
Filhos da paz
20 anos depois do Acordo Geral de Paz, ainda há muito que fazer no combate à pobreza em Moçambique. As províncias do Niassa, de Maputo, Cabo Delgado e Tete (na imagem) são, segundo o Programa da ONU para o Desenvolvimento, PNUD, as que têm maior incidência de pobreza no país.
Foto: Marta Barroso
Casa de Espera
Iniciativas como esta na aldeia de Vinho, no Parque Nacional da Gorongosa, província de Sofala, contribuem para diminuir a mortalidade infantil e materna. Atualmente, em Moçambique cerca de 500 mães morrem por cada 100 mil crianças nascidas vivas. Para evitar que isso aconteça na aldeia de Vinho, a Casa de Espera assiste as mulheres grávidas das redondezas na preparação dos partos.
Foto: Marta Barroso
Economia dominada por megaprojetos
A paz possibilitou megaprojetos, como o da exploração de carvão em Moatize, Tete. De futuro, a esperança é de que os rendimentos destes projetos beneficiem mais a população. Devido aos incentivos fiscais de que gozam as multinacionais ligadas a eles, o Estado moçambicano deixa de ganhar mais de 200 milhões de dólares por ano, segundo o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Foto: Marta Barroso
Carvão, a euforia de Tete
74 toneladas de carvão já estão carregadas nesta transportadora que pode levar até 400 toneladas. O carvão da província central de Tete tem vindo a atrair investidores nacionais e internacionais à procura do "El Dorado" que tem limitado a diversificação da economia nacional na segunda década de paz em Moçambique.
Foto: Marta Barroso
Cahora Bassa...
Durante a guerra civil, as linhas de transmissão de Cahora Bassa foram alvo de ataques da RENAMO. Hoje, a barragem funciona em pleno. Cahora Bassa tem uma capacidade instalada de 2.075 megawatts, a maior parte da energia é exportada para os países da região: 70% para a África do Sul e 5% para o Zimbabué. Apenas um quarto da eletricidade aqui produzida é consumida em Moçambique.
Foto: DW/M. Barroso
... um elefante branco para esta área do país?
Ainda há poucas casas em redor de Cahora Bassa com acesso regular à eletricidade. Para o economista moçambicano Carlos Castel-Branco do IESE, dever-se-iam estender as bases do desenvolvimento do país às aldeias e vilas em torno da barragem para que também aqui a vida económica se transformasse num elemento de estímulo para o investimento.
Foto: Marta Barroso
Gentes ligadas
A reabilitação das infraestruturas permite agora uma maior mobilidade e fomenta o comércio interno. A linha férrea de Sena liga a província de Tete, no interior de Moçambique, à cidade portuária da Beira. No tempo da guerra civil, foi encerrada e acabou por ser completamente destruída. Nos últimos anos, o corredor ferroviário foi reabilitado para escoar sobretudo o carvão da região de Tete.
Foto: Marta Barroso
Gentes apertadas
O comboio é um dos meios de transporte mais baratos em Moçambique. Em fevereiro de 2012, a Linha de Sena abriu a passageiros em toda a sua extensão. A reconstrução foi feita por troços e acabou por tomar muito mais tempo que o previsto, porque o consórcio indiano responsável pelas obras não cumpriu diversos prazos. Grande parte do dinheiro veio do Banco Mundial.
Foto: Marta Barroso
Há esperança em Moçambique
Idalina Melesse viajou de comboio pela primeira vez em 2012. Durante a guerra civil, os ataques impediram-na de se mover dentro do país. Desde então e até à reabertura da Linha de Sena, não tinha tido dinheiro para longas viagens. A Linha de Sena e outras infraestruturas não só unem moçambicanos, mas devolvem-lhes a liberdade de movimento e a facilidade de comunicação confiscadas pela guerra.