Oposição continua a ser torturada e morta no Burundi
AFP | mjp
15 de junho de 2017
O alerta é lançado por uma Comissão de Inquérito da ONU, com base em 470 testemunhos de burundeses que fugiram do país. Governo negou entrada dos investigadores e rejeita acusações.
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Investigadores da Comissão Independente da ONU sobre o Burundi, que foram impedidos de entrar no país, afirmam que há um "profundo sentimento de medo" nos 470 testemunhos de refugiados burundeses que fugiram para os países vizinhos. Segundo a comissão, os testemunhos confirmam "a dimensão e gravidade" de alegadas violações dos direitos humanos no Burundi, um país em crise há mais de dois anos.
"Com base nas entrevistas, estamos agora em condições de confirmar os nossos piores receios", afirmou Fatsah Ouguergouz, o presidente da Comissão, perante o Conselho de Direitos Humanos em Genebra. Os opositores burundeses, sublinham os investigadores, continuam a ser torturados e mortos.
O Governo burundês rejeita "as conclusões" da Comissão de Inquérito. "Não aceitamos o conteúdo deste relatório ", diz o ministro burundês dos Direitos Humanos, Martin Nivyabandi. "Este relatório tinha apenas um objetivo: enviar alguns dirigentes do Burundi a Haia”, onde se situa o Tribunal Penal Internacional, "e excluir o Burundi como membro do Conselho de Direitos Humanos”, considera.
Violações "de natureza particularmente cruel”
O Burundi está mergulhado numa grave crise marcada pela violência e inúmeros casos de tortura desde que o Presidente Pierre Nkurunziza anunciou, em abril de 2015, a candidatura a um controverso terceiro mandato. Foi re-eleito em julho, sob acusações de violação da Constituição na voz da oposição e da sociedade civil. Desde então, segundo a ONU e organizações não-governamentais, morreram entre 500 a 2 mil pessoas e mais de 400 mil burundeses abandonaram o país.
A Comissão de Inquérito da ONU, criada em setembro de 2016, tem como missão investigar as alegadas violações dos direitos humanos no país e estabelecer se constituem crimes de direito internacional, bem como identificar os responsáveis. Segundo os investigadores, funcionários do Estado, a Liga da Juventude do partido no poder – considerada uma milícia pelas Nações Unidas – e grupos armados da oposição estão envolvidos em atos de tortura, violência sexual, desaparecimentos forçados e assassinatos.
"Fomos surpreendidos pela natureza particularmente cruel e brutal das violações que nos foram relatadas", diz Fatsah Ouguergouz. O presidente da Comissão cita testemunhos de "uso de cassetetes, armas, baionetas, (...), agulhas e produtos não identificados injetados nos corpos das vítimas, unhas arrancadas com alicates, queimaduras e muitos espancamentos nos órgãos genitais."
"A grande maioria destas violações foram cometidas num clima de total impunidade, de acordo com as informações que temos”, acrescenta. "Os supostos autores foram raramente punidos".
A Comissão Independente de Inquérito deve apresentar o seu relatório final em setembro de 2017 ao Conselho dos Direitos Humanos.
Burundi: uma cronologia da crise
Em julho de 2015, o Presidente Pierre Nkurunziza candidatou-se a um terceiro mandato, dando espaço a uma profunda instabilidade no país. Possível solução da crise, que já deixou milhares de mortos, não está à vista.
Foto: Getty Images/AFP/C. Ndegeya
Julho de 2015: eleições tensas
O anúncio em abril de que o Presidente do Burundi, Pierre Nkurunziza, concorreria a um terceiro mandato à revelia da Constituição, gerou um confronto amargo entre apoiantes e opositores do governo. Em três meses, mais de 80 pessoas foram mortas. Muitos dissidentes e jornalistas deixaram o país. As eleições em 21 de julho de 2015 foram boicotadas pela oposição.
Foto: Reuters/E. Benjamin
Julho de 2015: Agathon Rwasa – um perdedor?
Em 24 de julho, foi anunciado que o líder da oposição, Agathon Rwasa, perdera as eleições. Nkurunziza foi escolhido como novo Presidente com 69% dos votos. Dias depois, Rwasa foi nomeado vice-presidente da Assembleia Nacional. Antigos aliados apelidaram-no de "traidor".
Foto: Reuters/M. Hutchings
Agosto de 2015: general é morto
Em 1 de agosto, o general Adolphe Nshimirimana, responsável pela segurança pessoal do Presidente, foi morto num atentado na capital Bujumbura. A União Europeia demonstra preocupação com a "perigosa escalada de violência" e pede "contenção" e retomada do diálogo. Em provável retaliação à morte do general, o ativista Pierre-Claver Mbonimpa foi alvo de uma tentativa de assassinato em 3 de agosto.
Novembro de 2015: tensões entre Burundi e o Ruanda
Desde o início da crise, milhares de cidadãos do Burundi refugiaram-se no Ruanda. Em 6 de novembro, o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, criticou a situação de violência e instabilidade no país vizinho. "Vocês devem tirar lições do que aconteceu no Ruanda", declarou em referência ao genocídio de 1994. Nkurunziza acusa o governo ruandês de recrutar burundeses para causar mais problemas.
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Kagire
Dezembro de 2015: escalada da violência
Em 12 de dezembro, mais de 100 pessoas foram mortas em confrontos. Os assassinatos de autoria desconhecida seriam uma resposta aos ataques coordenados contra três bases militares no dia anterior. "Quando um conflito irrompe em grande escala, não podemos fingir que nada aconteceu", afirmou Adama Dieng, relator especial das Nações Unidas sobre prevenção do genocídio.
Foto: Reuters/J.P. Aime Harerimana
Dezembro de 2015: novo movimento rebelde
Um dia antes do Natal, o ex-oficial do exército Edouard Nshimirimana proclamou a formação de um novo grupo rebelde. As "Forças Republicanas do Burundi" têm o objetivo de derrubar Nkurunziza. O militar acusou o Presidente de utilizar a força e de colocar a polícia e o exército um contra o outro.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Pfister
Dezembro de 2015: tentativas de mediação
O Presidente do Uganda, Yoweri Museveni, inaugurou em 28 de dezembro negociações de paz entre a oposição e o governo do Burundi. A União Africana decidiu enviar oito mil soldados ao país. Nkurunziza recusa-se a dialogar com a CNARED, a coligação da oposição. A ONU anunciou a abertura de investigações para apurar alegadas violações de direitos humanos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Wandera
Abril de 2016: ONU denuncia tortura
O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra'ad Al Hussein, denunciou a prática de tortura rotineira nas prisões do Burundi. Desde o início do ano, foram 354 casos. O Governo do Burundi deve "acabar com as práticas inaceitáveis e ilegais imediatamente", afirmou Al Hussein.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Campardo
Maio de 2016: CNARED de fora
Em 21 de maio, começam as negociações de paz em Arusha, na Tanzânia. O ex-presidente tanzaniano, Benjamin Mkapa, atua como mediador. A coligação de grupos da oposição CNARED não é convidada, sob pena de o Governo do Burundi deixar as conversações.
Foto: Getty Images/AFP/T. Karumba
Junho de 2016: críticos pagam preço elevado
Em 3 de junho, onze estudantes da cidade de Muramvya foram presos por rabiscar uma foto de Nkurunziza num livro escolar. O caso gerou revolta entre ativistas de direitos humanos. Anteriormente, 300 alunos já tinham sido expulsos das aulas em Ruziba pelo mesmo motivo.
Foto: DW
Julho de 2016: ex-ministra é morta
A morte de Hafsa Mossi, ex-ministra e confidente do presidente Nkurunziza, em 13 de julho, cria ainda mais tensão no Burundi. A ex-jornalista era membro do partido no poder, CNDD-FDD, e trabalhou como assessora de comunicação para o chefe de Estado. Pela primeira vez, um político do alto escalão do governo é assassinado em Bujumbura.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Julho de 2016: um assento vazio em Kigali
A crise no Burundi foi um dos temas de discussão da 27ª Cimeira da União Africana, realizada em Kigali, no Ruanda. A delegação do Burundi não participou nas discussões, porque pediu licença pouco antes da reunião. Os chefes de governo e de Estado da União Africana não chegaram a um acordo sobre a imposição de sanções. Falta vontade de Nkurunziza para negociar a saída do impasse.