Oposição moçambicana exige chumbo da Conta Geral do Estado
Leonel Matias (Maputo)
8 de maio de 2019
RENAMO e MDM voltaram a exigir a revogação da resolução que inscreve na Conta Geral do Estado de 2015 as "dívidas ocultas", contraídas sem o conhecimento do Parlamento. Uma posição contestada pela bancada da FRELIMO.
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As divergências entre a oposição e o partido no poder registaram-se esta quarta-feira (08.05) durante a apreciação, no Parlamento, da Conta Geral do Estado de 2017.
A bancada parlamentar do (MDM) referiu que as chamadas dívidas ocultas, contraídas com garantias do Estado e sem o conhecimento do Parlamento e dos parceiros internacionais, são tratadas na Conta Geral do Estado de 2017 como se tivessem sido autorizadas pelo Parlamento, tendo o governo insistido na sua renegociação e reestruturação na tentativa de legalizá-las, apesar de evidências de que o dinheiro não foi usado para projectos de desenvolvimento do país. O MDM voltou a exigir a revogação da resolução parlamentar que inscreveu há dois anos atrás as dívidas ocultas na Conta Geral do Estado de 2015.
Oposição moçambicana exige chumbo da Conta Geral do Estado
Por seu turno, Samo Gudo, da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), exigiu a detenção dos deputados do partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), por terem aprovado, na altura, através do voto maioritário da bancada parlamentar, a inclusão das dívidas ocultas na Conta Geral do Estado. "São tão ladrões os que roubaram como os que lhes aprovam os atos", afirmou.
A FRELIMO nega que a inclusão das garantias e avales das dívidas ocultas na Conta Geral do Estado "significa, em si, legalização e muito menos impedimento ou ofuscação ao trabalho dos órgãos da Administração da Justiça." Segundo João Catema, justifica-se que sendo a Conta Geral do Estado um relatório balanço de um exercício económico, "todas as suas operações sejam nela registadas, pois isso permite que o Tribunal Administrativo, como auditor externo, possa julgá-las e a Assembleia da República exerça o seu papel de controlo e fiscalização."
Irregularidades registadas
O relatório do Tribunal Administrativo de 2017 aponta várias irregularidades registadas, como o facto de não terem sido fornecidos àquele órgão os saldos da conta única do tesouro em meticais, impedindo-o de emitir uma opinião, na qualidade de auditor do estado, sobre a fiabilidade das contas públicas.
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A oposição sublinhou ainda que o Tribunal Administrativo notou, igualmente, que 90% do valor do fundo disponibilizado pelo governo para o desenvolvimento dos distritos não foram reembolsados e não há registo de ter havido cobrança ou alguma sanção aos devedores.
"Tal como nos anos anteriores, em 2017 foram registadas diversas alterações de dotações orçamentais na maioria das entidades auditadas pelo Tribunal Administrativo sem documentação de fundamentação com base no legislação em vigor", observou ainda a oposição, acrescentando que ao longo dos anos, de forma contínua, as auditorias daquele tribunal têm constatado inúmeros casos de desvio de aplicação de fundos.
Quanto carvão é produzido e exportado?
Outra preocupação constante do relatório relaciona-se com o facto de o Estado não realizar a verificação das quantidades de carvão produzido e exportado pelo país.
Para o deputado Armando Artur, do MDM, "não se compreende como é que um país não consiga aferir as quantidades de gás e carvão que são exportados, baseando-se apenas nos relatórios mensais de produção das concessionárias. Isto é inadmissível."
A oposição defendeu a apreciação negativa da Conta Geral do Estado 2017, alegadamente por não observar os princípios da regularidade financeira, enquanto a bancada da FRELIMO solicitou a sua aprovação, considerando-a meritória e oportuna.
A apreciação do relatório prossegue esta quinta-feira (09.05), com respostas do Governo, chefiado pelo primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário, e perguntas de insistência dos parlamentares.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.