Oposição moçambicana espera mais do Provedor de Justiça
Leonel Matias (Maputo)
31 de outubro de 2018
O Provedor de Justiça de Moçambique foi ao Parlamento responder às questões dos deputados. Oposição pede mais respostas e menos lamentações a esta figura, que tem sido questionada por não ter nenhum poder decisório.
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Voltou a estar em cima da mesa no Parlamento a questão das dívidas ocultas contraídas pelas empresas EMATUM, Moçambique Asset Management (MAM) e ProIndicus, em 2013 e 2014, com o aval do Governo e sem o conhecimento do Parlamento e dos parceiros internacionais.
Um deputado quis saber se já havia um posicionamento do Conselho Constitucional em relação ao pedido de declaração de inconstitucionalidade daqueles empréstimos, que totalizam dois mil milhões de dólares.
"A resposta é não. Ainda não há qualquer pronunciamento por parte do Conselho Constitucional", esclareceu o Provedor de Justiça, Isac Chande. Este é um dos cinco pedidos de declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidades submetidos pelo Provedor de Justiça ao Conselho Constitucional no período entre abril de 2017 e Março deste ano.
Uma figura sem poder de decisão?
Uma questão recorrente que tem sido levantada durante os debates sobre as informações anuais do Provedor de Justiça está relacionada com o facto de esta figura ter apenas um poder de mediação e persuasivo, sem carácter decisório e de iniciativa processual. Para alguns deputados, isso pode fazer com que alguns dirigentes se recusem a acatar as recomendações do Provedor de justiça.
Isac Chande explicou que pela própria natureza do cargo, e pelo que tem sido a prática na maior parte dos países onde este órgão do Estado existe, de facto o Provedor "não tem poderes decisórios e na sua essência desde a sua implantação tem sido um órgão de Estado que se assume como autoridade moral de grande respeitabilidade."
Oposição moçambicana espera mais do Provedor de Justiça
O Provedor de Justiça informou ainda que "tendo constatado a existência de quatro casos de falta de dever de colaboração", remeteu "as respetivas participações ao Ministério Público por crime de desobediência."
As instituições de administração pública e os tribunais lideram a lista dos 173 processos instaurados pelo Provedor de Justiça de abril de 2017 a março deste ano. Durante o mesmo período, 724 cidadãos apresentaram queixas e reclamações ao Gabinete do Provedor de Justiça.
Os deputados defenderam maior divulgação da figura e do papel do Provedor de Justiça, assim como a alocação de mais meios e a criação de representações locais para o melhor desempenho da sua atividade.
Mais soluções e menos lamentações
As bancadas parlamentares dividiram-se na apreciação deste informe, o primeiro apresentado pelo novo Provedor de Justiça, em funções há cerca de cinco meses.
A Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) fez uma avaliação positiva do informe do Provedor de Justiça, "tendo em conta todo o trabalho que foi realizado por ele e pela equipa no exercício constitucional que lhe é consagrado", disse Edmundo Galiza Matos Júnior, porta-voz da bancada parlamentar do partido.
Já para o deputado Ezequiel Gusse, da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o principal partido da oposição, o informe apresenta mais lamentações do que propriamente soluções concretas para os problemas. "Esperamos que esta instituição extremamente importante no nosso ordenamento jurídico comece a encontrar respostas dentro daquilo que são as demandas que a própria população aguarda", declarou.
Também para o porta-voz do MDM, Fernando Bismarque, manifestou preocupação porque "prevalece ainda a indisciplina por parte de alguns dirigentes do Estado que desobedecem e ignoram o Provedor de Justiça, que não é tido nem achado."
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.