Os grandes desafios da vacinação contra a Covid-19 em África
Lucia Schulten | mjp
11 de dezembro de 2020
Na semana em que o Reino Unido se tornou o primeiro país a vacinar a população contra a Covid-19, os especialistas são cautelosos nas previsões para África, que enfrenta muitos desafios como as condições de distribuição.
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Na semana em que o Reino Unido se tornou o primeiro país no mundo a vacinar a população contra a Covid-19, os especialistas são cautelosos nas previsões para o continente africano. Enquanto outros países europeus se preparam para a vacinação, África ainda está na fase inicial. John Nkengasong, diretor do Centro de Doenças da União Africana CDC, acredita que as primeiras vacinações só começarão em meados de 2021.
O continente enfrenta uma série de desafios, entre eles, as condições de distribuição. "Prevemos que os problemas surjam particularmente em torno do armazenamento e distribuição destas vacinas específicas, a muito baixas temperaturas, 70 graus negativos. E nas necessidades energéticas, uma vez que os congeladores de temperaturas ultra-baixas requerem geradores e combustível de reserva. Vai ser um grande desafio", explica Michelle Seidel, especialista em cadeias de distribuição da UNICEF.
O financiamento é outra questão que preocupa os especialistas. Em setembro, o director do CDC estimava num artigo da revista Nature que seria necessário um total de 1,5 mil milhões de doses de vacinas para inocular 60% da população em África, o que custaria entre 7 e 10 mil milhões de dólares.
Acesso igual às vacinas
Dinheiro que muitos países africanos não têm. A solução: a iniciativa COVAX, lançada em abril pela Comissão da União Europeia, a Organização Mundial de Saúde e França para garantir que todos os países tenham igual acesso às vacinas anti-Covid. 46 países africanos deverão receber apoio financeiro.
Mas não basta, dizem os especialistas. Por estes dias, teme-se que a pré-encomenda de milhões de vacinas por países ricos prejudique o acesso das nações africanas a estes medicamentos.
África do Sul: Desafios da vacinação contra a Covid-19
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Numa altura em que há várias vacinas em desenvolvimento, Yap Boum, investigador de saúde pública, acredita que a solução pode passar pela escolha de uma vacina que responda às necessidades do continente. "No que toca a África, estamos satisfeitos porque vai haver muitas oportunidades em termos de diversidade de vacinas", destaca. "Não temos de nos precipitar. Temos de nos preparar para escolher que vacina vai funcionar no nosso context em termos de logística, de ambiente, mas também de população."
A UNICEF será a responsável pela distribuição das futuras vacinas em nome da COVAX. Michelle Seidel lembra que a agência da ONU para a infância tem experiência no terreno e os especialistas já se preparam para enfrentar os problemas de logística. Os países africanos estão já a receber apoio para reforçar as suas redes de distribuição – por exemplo, na actualização dos sistemas de refrigeração.
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Logística e financiamento entre os desafios
O armazenamento deverá ser um dos grandes desafios. "O fornecimento de vacinas vai aumentar à medida que os fabricantes entram no Mercado e aí vamos ter restrições na capacidade de armazenamento ao nível dos países.", explica Seidel.
Mas além da logística e do financiamento, lembra o investigador Yap Boum, é preciso também contar com outro potencial obstáculo: "Prevemos alguma resistência das pessoas em receber a vacina anti-Covid-19 por causa do debate em torno da própria vacina, mas também da questão dos testes de vacinas em África."
Em abril, os comentários de dois cientistas franceses sobre possíveis testes de uma vacina contra o coronavírus em África geraram críticas em vários países africanos, indignados com a possibilidade de serem tratados como cobaias. Yap Boum afirma que a estratégia de comunicação será a chave para travar a desinformação, que pode prejudicar os programas de vacinação.
Procura por vacina contra o ébola no Gabão
Lambarene no Gabão é famosa pelo Hospital Albert Schweitzer, nome do médico e Nobel da Paz que trabalhou aqui muitos anos. Nesta cidade estão agora reunidos investigadores que procuram uma vacina contra o vírus do ébola.
Foto: DW/J.-P. Scholz/A. Kriesch
Pacata cidade de pescadores
Lambarene é uma cidade no Gabão, país que se situa na África ocidental. Uma grande parte dos seus 25 000 habitantes depende da pesca para a subsistência. Mas Lambarene é conhecida sobretudo por ser a sede do Hospital Albert Schweitzer.
Foto: DW/J.-P. Scholz/A. Kriesch
Orçamento apertado
Schweitzer, que nasceu alemão, mas naturalizou-se francês, foi um filósofo, teólogo e musicólogo. Mais tarde formou-se em medicina e, em 1913, fundou um hospital em Lambarene, como reparação pelo colonialismo, que sentia como uma culpa europeia. Em 1952 foi distinguido com o Prémio Nobel da Paz. O hospital ainda existe, embora o seu equipamento esteja completamente ultrapassado.
Foto: DW/J.-P. Scholz/A. Kriesch
Combater o ébola através da investigação
Ao lado do Hospital Albert Schweitzer abriu um novo centro de pesquisa. Aqui, cientistas africanos e europeus preparam uma vacina contra o ébola. Produziram um vírus enfraquecido e geneticamente modificado, ao qual foi acrescentado uma proteína superficial. Os investigadores esperam que o sistema imunitário reaja ao vírus modificado, produzindo anticorpos.
Foto: DW/J.-P. Scholz/A. Kriesch
Da Alemanha para o Gabão
O médico José Fernandes controla os testes com a nova vacina num grupo de 60 voluntários que não estão doentes. Nesta primeira sase dos testes é verificado apenas se a nova substância é segura. Fernandes interrompeu os seus estudos na Alemanha para se instalar no Gabão. “Foi uma decisão fácil. Encontrar uma vacina para esta doença é um dos desafios centrais da ciência médica”, explica.
Foto: DW/J.-P. Scholz/A. Kriesch
Voluntários corajosos
Antoine Maganga Mombo é um dos voluntários. Desloca-se ao centro de pesquisa pelo menos uma vez por mês para fazer um teste de sangue. “É só para ver se está tudo bem”, diz o jovem de22 anos, que não parece preocupado com a possibilidade de sofrer efeitos secundários. “Assim posso ajudar as pessoas nas áreas atingidas pelo surto”, diz.
Foto: DW/J.-P. Scholz/A. Kriesch
Pobreza apesar do petróleo
A família orgulha-se de Mombo. “É preciso muita coragem”, diz o tio. Mas também o dinheiro é importante para Mombo. Pela participação neste teste recebe o equivalente a 400 euros. Apesar de ser um país rico em recursos naturais, a maioria dos gabuneses vive na pobreza. Mombo trabalha numa posto de gasolina.
Foto: DW/J.-P. Scholz/A. Kriesch
OMS recolhe os dados dos testes
Paul Pitzinger, da Organização Mundial de Saúde (OMS), ocupa-se da recolha dos dados resultantes dos testes. Pitzinger, que estuda medicina na Universidade de Viena de Áustria, está a passar vários meses no Gabão. A OMS correlaciona os resultados no Gabão com outros obtidos em testes paralelos na Europa, nos Estados Unidos da América e noutras regiões de África.
Foto: DW/J.-P. Scholz/A. Kriesch
Ainda não há data para a vacina
A segunda fase dos testes será para constatar a eficácia da vacina. Ela deverá ser iniciada nos países africanos afectados dentro em breve. Bettram Lell, coordenador do projeto em Lambarene, não sabe dizer quando ou se a vacina será aprovada pelos reguladores. Mas mantém o otimismo: “Coisas que normalmente levam anos, agora estão a ser feitas em poucos meses”, diz.
Foto: DW/J.-P. Scholz/A. Kriesch
Schweitzer cada vez mais esquecido
“Não temos dinheiro para a modernização”, diz o director do hospital, Hansjörg Fotouri. “Nos últimos anos, os donativos recuaram drasticamente. E já há pouca gente que conheceu pessoalmente Albert Schweitzer”, acrescenta. Fotouri quer criar um centro para promover o diálogo entre as medicinas tradicional e ocidental.