Os ideais de Afonso Dhlakama foram-se com a sua morte?
Arcénio Sebastião
3 de maio de 2021
Assinala-se nesta segunda-feira (03.05) três anos da morte de um dos fundadores da RENAMO, Afonso Dhlakama. No partido da oposição fala-se em "desaceleração" no cumprimento dos ideais traçados pelo líder carismático.
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Os quadros da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o maior partido de oposição em Moçambique, lembraram esta segunda-feira (03.05) os feitos e ideias do histórico líder Afonso Dhlakama, que perdeu a vida a 3 de maio de 2018. A maioria sublinhou o papel de Dhlakama na construção do diálogo em Moçambique.
Três anos após a sua morte, foi organizada uma cerimónia para recordar vida e obra do líder carismático, que se intitulava "pai da democracia". Durante a sessão, algumas figuras proeminentes da RENAMO afirmaram haver uma desaceleração dos planos traçados pelo partido desde a morte de Dhlakama.
"Sentimos que a RENAMO tem que fazer mais, porque com o saudoso líder, até a sua morte, a RENAMO estava numa posição em que tinha de se manter ou ter tendências de aumentar a [fasquia], porque o objetivo é de conquistar o poder político. E nós só podemos conquistar o poder político se estivermos enraizados, no trabalho, se definirmos as metas e encontrarmos o apoio de todos", defendeu Bissopo.
E o quadro da RENAMO pede mais: "Sinto que é preciso haver mais trabalho, definir mais os projetos para que, de facto, o sonho de moçambicanos se concretize”.
Dhlakama não era feliz na oposição
Uma das figuras que participou também na cerimónia sob lema "Recordando Afonso Dhlakama 1953-2018" é o seu irmão Elias Dhlakama, que afirma que o ex-presidente da RENAMO "não morreu feliz porque não conseguimos alcançar aquilo que seria o objetivo desejado de um dia governar este país".
Por seu lado, Fernando Mazanga considera que há um grande vazio, se calhar um vazio irreparável: "Na verdade estes três anos ensinaram-nos muito a vivermos sem o nosso timoneiro, sem o nosso pai”.
Para reverter este cenário, há quem sugere uma saída para o alcance do sucesso, como é o caso de António Muchanga, antigo porta-voz do partido e agora deputado na Assembleia da República.
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RENAMO precisa aperfeiçoar-se mais
Segundo Muchanga, para a RENAMO alcançar o seu objetivo é preciso que o partido cumpra o que aprendeu com Dhlakama e defende que o partido precisa "aperfeiçoar" a sua política.
Maria Ivone Soares, que além de ser quadro da RENAMO é também familiar do Afonso Dhlakama, pede continuidade para reerguer a obra que Dhlakama começou.
"Quando digo reerguer é porque há tentativa visível de se escamotear os valores da democracia, de se escamotear os valores das liberdades e da justiça que deviam ser o lema de todos partidos para garantir que o povo tenha boas condições. Mas nós vemos que continuam uns poucos com tudo e a maior parte com do povo sem nada", disse.
Por outro lado Fernando Mazanga alerta para a não imitação da força do Afonso Dhlakama e insta a Ossufo Momade a ter que se reinventar.
Mazanga diz que "ele terá que trilhar o seu próprio caminho, porque nós todos fomos deixados com grandes ensinamentos por parte do presidente Dhlakama. Ele deixou quadros formados que acredito que estão aptos para dar continuidade, porque ele não centralizava, descentralizava as suas ideias".
E recorda: "Faziam-se debates, é por isso que nós tínhamos sempre reuniões do conselho nacional, tínhamos reuniões da comissão política, tínhamos reuniões de secretariado geral, tínhamos as delegações todas a funcionar. Era uma forma de transmitir o seu conhecimento".
Afonso Dhlakama morreu a 3 de maio de 2018, aos 65 anos, devido a complicações de saúde, no seu refúgio na Serra da Gorongosa, centro do país, após dirigir a RENAMO durante 38 anos.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.