A ONU diz que o país tem conseguido bons resultados no que diz respeito à transmissão do vírus de mãe para bebé. Mas é preciso continuar a apostar em ações de formação e sensibilização.
Publicidade
Angola tem uma das mais baixas taxas de prevalência do HIV/SIDA na África Austral. Há cerca de 320 mil pessoas infetadas neste país. A maior parte delas vive nas províncias de Luanda, Kuando Kubango, Bié e Cunene, segundo o relatório anual da ONU-SIDA, divulgado esta semana.
Embora a crise financeira tenha afetado os investimentos para combate ao vírus no país, Angola continua a registar alguns avanços, como comprova o mais recente relatório do ProgramaConjunto das Nações Unidas sobre a doença.
Em entrevista exclusiva à DW, a representante da ONU-SIDA em Angola, Sihaka Tsemo, defende a necessidade de o país trabalhar com uma nova abordagem de combate à doença, prioriorizando os grupos mais vulneráveis.
"Há o grupo de trabalhadores do sexo; o grupo de homens que fazem sexo com homens; os prisioneiros; os camionistas e os pré-adolescentes (entre dez e catorze anos) que estão a iniciar relações sexuais muito cedo sem saberem como se proteger do vírus e de outras doenças de transmissão sexual, ou mesmo da gravidez indesejada", explica Tsemo.
Adolescentes
Mas Angola não deve dormir à sombra destes dados, defende Sihaka Tsemo. Sobretudo numa altura em que o relatório das ONU-SIDA chama a atenção para a necessidade de trabalhar com os adolescentes, grupo muito vulnerável a novas contaminações.
"As mulheres jovens ainda estão a carregar o peso da epidemia. Nesta faixa etária há cada vez mais novas infeções devido à vulnerabilidade que existe nesta fase de transição para a vida adulta. Às vezes, são dificuldades e barreiras relacionadas à violência sexual, que tem a ver com a discriminação e com a desigualdade no acesso ao serviço", explica Tsemo.
António Coelho, secretário executivo da rede angolana das organizações de luta contra a SIDA, lembra que entre jovens existe uma certa resistência à mudança de comportamentos, apesar de toda a informação existente sobre a transmissão da doença. "Precisamos perceber bem o que está a acontecer no seio da juventude e, por esta razão, vamos direcionar toda a nossa ação para este tema nos próximos tempos", diz Coelho.
Segundo o secretário executivo, a situação é também grave entre as trabalhadoras do sexo. A taxa de prevalência para este grupo é de 7%, e entre os camionistas essa taxa é de 5%.
Crise financeira
Nos últimos tempos tem havido várias reclamações das organizações que lutam contra a SIDA. Dizem que não há ações de impacto nacional de combate ao HIV e criticam a escassez de medicamentos antirretrovirais.
Maria Ângela, do Instituto Nacional da Luta contra a SIDA de Angola, justifica os cortes nos fármacos com a crise financeira que o país atravessa. "Hoje, não é viável comprar antirretrovirais suficientes para que os pacientes levem um kit de seis meses para casa, como fazíamos antes. Nós reduzimos as compras e agora disponibilizamos os antirretrovirais de mês a mês. Ainda assim, não deixamos faltar àqueles que precisam", explica Ângela.
Há pacientes que reivindicam a introdução de medicamentos de terceira linha no país, usada por pessoas que apresentam algum tipo de resistência aos medicamentos. Segundo Maria Ângela, do Instituto Nacional da Luta contra a SIDA, são pessoas que, por razões pessoais, optaram pelo tratamento no estrangeiro mas agora, por causa da crise, não conseguem mais viajar para terem o tratamento.
"São pacientes que se calhar nos anos passados não se reviam se tratando aqui no país, saíam para o estrangeiro e faziam os seus tratamentos nas clínicas da sua preferência. Eles têm todo o direito, só que com a crise que se bateu para os angolanos, eles não conseguem mais viajar frequentemente", explica Ângela.
Friedensdorf em Angola
A Friedensdorf começou a viajar até Luanda há duas décadas para recolher crianças doentes para tratamento médico na Alemanha e levar de volta outras já recuperadas. A 56ª ação de ajuda aconteceu em 2014.
Foto: DW/M. Sampaio
20 anos de ajuda a crianças doentes
Já passaram duas décadas desde que a Friedensdorf International começou a viajar até Luanda para recolher crianças doentes para tratamento médico na Alemanha e levar de volta outras já recuperadas. Desde a sua criação, há 47 anos, a organização não-governamental já ajudou crianças doentes de mais de 50 países, incluindo cerca de 3 mil crianças angolanas. Em 2014, aconteceu a 56ª ação de ajuda.
Foto: DW/M. Sampaio
Ritmos angolanos na despedida
Kuduro e outras danças angolanas são uma constante na festa de despedida que a Friedensdorf organiza na sua sede em Oberhausen, no centro-leste da Alemanha, antes da partida para Angola das crianças já recuperadas. Depois de várias operações e tratamentos, as crianças estão ansiosas por voltar à terra natal e rever a família. Mas os amigos que fizeram na Alemanha também vão deixar saudades.
Foto: DW/M. Sampaio
Experiência única
Para casa as crianças levam também uma experiência única, afirma Hannah Lohmann, porta-voz da Friedensdorf. “Neste momento, temos connosco meninos e meninas de nove países. São cristãos e muçulmanos, brancos e negros, africanos e asiáticos. Em comum têm o facto de todos terem vindo para a Alemanha para se curarem e isso cria uma ligação entre eles, que ultrapassa fronteiras e idiomas”, explica.
Foto: DW/M. Sampaio
Regresso azul
Quando regressa, cada criança recebe um saco azul de desporto, onde, além de roupa e medicamentos, cabem pequenos presentes que elas mesmas fizeram para a família e lembranças da estadia na Alemanha – brinquedos em madeira ou saquinhos de pano feitos à mão, por exemplo. Partem do Aeroporto de Düsseldorf, num avião fretado pela Friedensdorf. A bordo segue uma equipa da ONG, que inclui um médico.
Foto: DW/M. Sampaio
Luanda à vista
Depois de quase dez horas de voo, o avião aterra finalmente na capital angolana. À espera no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em Luanda, costumam estar dois membros da ONG alemã, que viajam mais cedo para o país para tratar das formalidades da nova leva de doentes, e uma equipa da organização parceira angolana Kimbo Liombembwa, versão kimbundu da "Aldeia da Paz".
Foto: DW/M. Sampaio
Reencontro familiar
Do aeroporto as crianças que regressam da Alemanha seguem depois para a sede da Kimbo Liombembwa, um pequeno espaço situado no Hospital Pediátrico Dr. David Bernardino. É aqui que são oficialmente entregues aos pais, que voltam a abraçar os filhos depois de vários meses de ausência. A separação não é fácil, mas os resultados compensam, reconhecem muitos pais.
Foto: DW/M. Sampaio
Perda de Rosalino Neto
A Friedensdorf e a Kimbo Liombembwa lamentam a perda do médico Rosalino Neto, que dirigia a organização parceira. O fundador da Ordem dos Médicos de Angola morreu em junho passado, aos 63 anos, vítima de doença prolongada. Acompanhou as operações de ajuda desde o início e esteve várias vezes na Alemanha. As primeiras crianças chegaram à Alemanha em 1994, durante a guerra civil que durou 27 anos.
Foto: DW/M. Sampaio
Últimas recomendações
No dia da entrega das crianças aos pais, a equipa da Friedensdorf faz sempre um resumo dos tratamentos médicos realizados e deixa também uma série de recomendações. Muitas vezes é preciso continuar os exercícios de fisioterapia em casa ou trocar os sapatos ortopédicos quando estes deixarem de servir. Durante muitos anos, o médico Rosalino Neto traduziu as explicações da ONG aos pais.
Foto: DW/M. Sampaio
Alemanha, a última esperança
A Alemanha é a última esperança para muitos angolanos. O conflito no país terminou há 12 anos, mas a colaboração continua. Se antes se tratavam ferimentos causados pela guerra, hoje as doenças são causadas pela pobreza. A mortalidade infantil é uma das mais altas do mundo e metade da população vive abaixo do limiar da pobreza. O crescimento económico e os petrodólares não se refletem na saúde.
Foto: DW/M. Sampaio
Diagnósticos problemáticos
Os problemas de saúde das crianças são de vários tipos: infeções ósseas, malformações congénitas, queimaduras graves, luxações, fraturas expostas, subnutrição. Algumas sofreram acidentes e não foram devidamente tratadas na altura. E os pequenos corpos escondem também outros problemas não visíveis. Diagnósticos precisos sobre o seu estado de saúde também são um problema, segundo a Friedensdorf.
Foto: DW/M. Sampaio
Kimbo Liombembwa
Criada há 13 anos, a organização parceira angolana tem equipas de voluntários por todo o país para identificar crianças com doenças que não podem ser tratadas localmente. Já foram beneficiadas cerca de três mil crianças de várias regiões de Angola. A viagem das províncias até Luanda chega a durar três dias. Para as ações de ajuda a “Aldeia da Paz” conta também com o apoio da Embaixada da Alemanha.
Foto: DW/M. Sampaio
Comunicação sem fronteiras
A maior parte das crianças não sabe falar alemão, mas a comunicação não é um problema. "Sabemos algumas palavras em português, como 'tá fixe'. E quando querem ir à casa de banho, xixi todos entendem!", explica a porta-voz da Friedensdorf. Além disso, as crianças comunicam por sinais. A bordo costumam também seguir crianças que viajam para a Alemanha pela segunda vez e que servem de tradutoras.
Foto: DW/M. Sampaio
Ciclo da ajuda continua
No Aeroporto de Luanda, dois autocarros transportam as crianças até ao avião. Durante a viagem, redobram-se os cuidados com os novos pacientes. Quando chegam à Alemanha, os casos mais graves são imediatamente encaminhados para os hospitais. As restantes crianças seguem para a Friedensdorf, em Oberhausen. O ciclo da ajuda não fica por aqui. A próxima viagem já está agendada para maio de 2015.