No dia em que Moçambique celebra a paz, população em Cabo Delgado marcha para pedir o fim do conflito armado. Lá, cidadãos entendem que não motivos para celebrar a paz.
Marcha em Pemba, capital provincial de Cabo Delgado, pelo fim dos ataques armadosFoto: DW/D. Anacleto
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Há cada vez mais vozes que se levantam em repúdio ao clima de terror que se vive em alguns distritos de Cabo Delgado, criado por indivíduos cuja identidade não é do domínio público.
Esta sexta-feira (04.10.), em Pemba, durante a celebração do 4 de Outubro, Dia do Acordo Geral de Paz, cidadãos exigiram das autoridades, medidas concretas para pôr fim aos ataques armados que já tiraram a vida a mais de 200 pessoas, entre civis, militares e supostos agressores.
Nazarena Mutemba, natural de Mocímboa da Praia, um dos distritos mais atingidos, disse que não vê motivo de celebração da data, e questiona: "A população está mal lá em Mocímboa da Praia, vamos dizer que estamos em paz? Paz dessa maneira? Os outros a morrerem? Onde é que há paz?"
E Nazarena apela: "Temos que ter união para eliminarmos aquilo que está a acontecer do outro lado, porque são moçambicanos. Eu estou a chorar muito."
Ataques no centro também são preocupação em Cabo Delgado
Faruque Juma Ibraimo, representante do Conselho Islâmico em Cabo DelgadoFoto: DW/Delfim Anacleto
O grito de socorro vem também das confissões religiosas, que organizaram uma marcha nas ruas da cidade de Pemba, com apelos para a preservação da paz, como condição essencial para o progresso de Moçambique.
Os crentes lamentam também o recrudescimento da violência armada no centro de Moçambique e lembram que só se pode alcançar o progresso se todos abraçarem a causa da paz.
Faruque Juma Ibraimo, muçulmano, lembra que "ainda esta semana houve um ataque na zona da Gorongosa [efetuado por] pessoas desconhecidas. O Governo tem estado a envidar esforços para garantir a ordem e a tranquilidade. E os muçulmanos têm tido representantes, como é o exemplo do sheik Said Habibe que trabalhou na busca da paz."
A palavra dos líderes religiosos
Emmerson Ubisse, representante do Conselho Cristão de Moçambique em Cabo Delgado, fala das consequências dos ataques às populações: "Hoje estaríamos a celebrar os grandes ganhos que o país conseguiu, mas no norte do país cidadãos inocentes e desarmados, cidadãos que todos os dias acordam para fazer a vida, para elevar a soberania deste país são alvos de ataques, perdem as suas casas, suas terras, filhos porque há pessoas que se não identificam com a paz."
Moçambique: "Os outros a morrerem? Onde é que há paz?"
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E porque há correntes que associam as ações dos insurgentes ao Islão, o sheik Faruque Ibraimo é de opinião que "os muçulmanos precisam envidar esforços difundindo a mensagem real do islão, o que esta religião é, quais são os seus princípios e pautar por mais formações. Porque o nível de percepção sobre a religião ainda é muito baixo." Os apelos do Governo
As autoridades governamentais também alinham no coro de condenação dos atos de terror que acontecem desde Outubro de 2017.
Em breves declarações, a administradora do distrito de Pemba, Joaquina Nordino, considerou que "sendo hoje dia que comemoramos o dia da paz, queremos deixar um apelo para todos aqueles que criam estas hostilidades na zona norte da nossa província, porque não é aquilo que nós esperávamos, não é aquilo que vai ajudar Moçambique crescer. Nós vamos crescer quando tivermos a paz, abraçarmos a cultura de trabalho."
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.