Privados demasiado dependentes do Estado moçambicano
Henry-Laur Allik
28 de fevereiro de 2019
Banco de Moçambique fala em "ligeira aceleração" do Produto Interno Bruto no final de 2018 e início de 2019. Mas economista adverte: "Qualquer crescimento que dependa unicamente do Estado não é sustentável".
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Projeções do Banco de Moçambique apontam para uma ligeira retoma da economia moçambicana, embora não sejam adiantados valores.
O país registou um "impulso na procura interna", que, segundo o banco, poderá estar relacionado com o facto de o Estado ter pago faturas em atraso a fornecedores de bens e serviços.
Uma notícia boa, pelo menos à primeira vista, mas que se faz acompanhar por riscos consideráveis. Um deles é a inflação, que o Banco de Moçambique estima poderá ficar-se entre 6% e 7% este ano, acima dos 3,5% no final de 2018.
Em entrevista à DW, o economista e especialista em finanças moçambicano, Hélder Chambisse, sublinha que a inflação tem duas faces. Mas faz um alerta: o setor privado tem de diversificar a sua carteira de clientes, pois a dependência dos agentes económicos em relação ao Estado pode ser nociva.
DW África: O que significa a subida da inflação para os moçambicanos?
Hélder Chambisse (HC): O impacto imediato de uma subida da taxa de inflação é o aumento generalizado do nível de preços, e, naturalmente, isso tem impacto no poder de compra das pessoas, que se vai deteriorar. À partida, isso pode ser visto como um impacto negativo. Porém, é preciso ter em conta que o país vem de um recuo da atividade económica e o aumento da inflação é sempre uma indicação de que a atividade económica está a acelerar. Aliás, o banco central já menciona que esta inflação decorre do aumento da procura interna, o que pode ser bom para a atividade económica no geral.
DW África: O banco também diz que há uma ligeira aceleração do Produto Interno Bruto (PIB), mas não avança qualquer número. O que é que isso quer dizer? Essa aceleração é tão pequena que nem vale a pena avançar o número concreto?
HC: Creio que sim. No país, houve praticamente uma estagnação da economia - sem procura interna, com a produção a baixar, com empresas a fecharem, com o Estado ausente como agente económico. Portanto, uma aceleração do PIB já é positiva.
Privados demasiado dependentes do Estado moçambicano
DW África: Embora se fale de um aumento da procura interna, o próprio banco central admite que essa procura possa ser resultado de faturas pagas em atraso pelo Governo. Esse não parece um crescimento sustentável…
HC: Não, sem dúvida. Infelizmente, os riscos continuam lá. E, quanto a mim, o principal risco que nós temos é esta extrema dependência do Estado; primeiro, o Estado atrasou-se no pagamento e a economia ressentiu-se, e agora paga as faturas e tem este impacto positivo. A realidade que vivemos em 2014 e 2015, com um crescimento económico muito elevado, criou a ideia de que o país já estava com uma economia sólida e madura. Mas os anos que se seguiram - 2016, 2017 e talvez até 2018 -, com uma enorme estagnação, com uma crise financeira e económica generalizada, serviram de "lição" aos agentes económicos para olharem para outras formas de estar na economia, de organizar os seus negócios, com uma menor dependência do Estado, procurando novos mercados e clientes. Qualquer crescimento que dependa unicamente do Estado não é sustentável, principalmente com um Estado como o nosso, que continua a depender muito de ajuda externa para o seu Orçamento.
DW África: Acha que a perspetiva futura é positiva?
HC: É positiva, mas o ponto que coloca é sobre a sua sustentabilidade. Essa sustentabilidade depende de muitos outros fatores. Será que o Estado vai manter os níveis de endividamento interno baixos e vai pagar grande parte das faturas que continuar a gerar? Vai continuar a procurar bens e serviços na economia, por forma a garantir este ritmo de atividade económica, ou volta a reduzir a procura de bens e serviços ou a adquirir esses bens e serviços mais a crédito? Portanto, depende muito do papel que o Estado vai desempenhar no futuro. Mas, acima de tudo, também depende de como o setor privado se autossustenta. Será que esta procura interna se mantém, seja por via do Estado, seja por via do setor privado? Esta é que é a questão.
Impacto da crise na vida dos moçambicanos
Trabalhadores em Maputo relatam as dificuldades que enfrentam todos os dias, com o país mergulhado numa crise financeira. Alguns ainda conseguem pequenos lucros, enquanto outros tentam estratégias para atrair clientes.
Foto: DW/Romeu da Silva
Novos tempos, menos lucros
Ana Mabonze tem uma loja de gelados há pouco mais de sete anos e diz que os rendimentos não têm sido bons ultimamente. Por dia, lucra apenas o equivalente a cerca de dois euros. O negócio é feito na ponte cais, também conhecida por Travessia. Nestes dias, os lucros baixaram porque os automobilistas que iam de ferryboat para Katembe agora usam a nova ponte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"Boa cena"
O negócio de transferência de dinheiro por telefone conhecido por Mpesa está a alimentar muitas famílias. É o caso de Angélica Langane, que na sua banca "Boa Cena" diz ter clientes frequentemente, porque muitos estão preocupados em transferir dinheiro, seja para pagar dívidas, fazer compras ou apenas para ter a sua conta em dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
O dinheiro não aparece
Numa das ruas de Maputo também encontramos Dulce Massingue, que montou a sua banca de venda de fruta. Para ela, este negócio não está a dar lucros. Diz que o pouco que ganha apenas serve para pagar o seu transporte. Nestes dias de crise, Dulce pensa em mudar de negócio, mas tudo depende do dinheiro que não aparece.
Foto: DW/Romeu da Silva
Trabalhar para pagar o transporte?
O trabalho de Jorge Andicene é recolher garrafas plásticas para serem recicladas pelos chineses. Sem ter revelado quanto ganha por este negócio, Jorge diz que não chega a ser bom, porque o mercado está muito apertado. Os preços de vários produtos subiram, por isso também os lucros são apenas para pagar o transporte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"As pessoas comem menos na rua"
A dona desta barraca não quis ser identificada, mas confessa que por estes dias o negócio baixou bastante. Vende hambúrgueres e sandes. As pessoas agora preferem trazer as suas refeições de casa para poupar dinheiro, diz. O negócio rende-lhe por dia o equivalente a dois euros, dinheiro que também deve servir para comprar outros bens para as crianças.
Foto: DW/Romeu da Silva
Costureira também não vê lucros
O arranjo de roupas é outro negócio pouco rentável, mesmo nos tempos das "vacas gordas". É oneroso transportar todos os dias esta máquina, por isso Maria de Fátima decidiu ficar num dos armazéns na cidade de Maputo, pagando um determinado valor. São poucos os clientes que a procuram para arranjar as suas roupas.
Foto: DW/Romeu da Silva
Negócio já foi mais próspero
Um dos negócios que tinha tendência de prosperar na capital era a venda de acessórios de telefones. Mas como há muitas pessoas que fazem este negócio, a procura agora é menor e o lucro baixou muito. O que salva um pouco estes empreendedores é o facto de cada dia haver novos tipos de telefones.
Foto: DW/Romeu da Silva
Poder de compra reduzido
Nesta oficina trabalham jovens mecânicos especializados na reparação de radiadores. Não quiseram ser identificados, mas afirmam que durante anos este negócio lhes rendia algum dinheiro para pagar a escola. Mas com a crise que se vive agora, a situação agravou-se. São poucos os clientes que os procuram e alegam que muitos moçambicanos perderam poder de compra.
Foto: DW/Romeu da Silva
Nada de brilho
O negócio de engraxador é outro que já não está a render, segundo os profissionais. Os únicos indivíduos que os procuram são estrangeiros de origem europeia, sobretudo portugueses. Os nacionais, diz Sebastião Nhampossa, preferem fazer o serviço por conta própria em casa. Com esta crise, é normal os engraxadores serem visitados apenas por um ou dois clientes por dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
Estratégias para atrair o cliente
Quando as atividades da Inspeção Nacional das Atividades Económicas (INAE) trouxeram à tona a real situação de higiene nos restaurantes, muitos cidadãos passaram a não frequentar estes locais. Como forma de deleitar a clientela, o dono deste pequeno restaurante promove música ao vivo de cantores da velha guarda e ten uma sala de televisão para assistir a jogos de futebol.