O líder interino da RENAMO, Ossufo Momade, passa a partir desta segunda-feira a residir na Serra da Gorongosa, onde vivia Dhlakama. Decisão foi tomada pela Comissão Política do maior partido da oposição moçambicana.
Publicidade
Ossufo Momade, um parlamentar e general na reserva, lidera o partido interinamente desde a morte do presidente do Partido, Afonso Dhlakama, vítima de doença, há um mês nas matas da Gorongosa.
A decisão da transferência de Ossufo Momade foi tomada no domingo (04.06) pela Comissão Política da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), na Gorongosa, numa sessão extraordinária alargada ao Estado Maior General do Partido.
O anúncio foi feito esta segunda-feira (04.06) aos jornalistas pelo porta-voz da Comissão Política da RENAMO; Alfredo Magumisse."A quinta sessão extraordinária deliberou que o Coordenador da Comissão Política Nacional do Partido passe a residir na serra da Gorongosa. O entendimento da Comissão e dos quadros é no sentido de permitir maior coordenação das atividades do partido".
Segundo Alfredo Magumisse, a sessão analisou todas as atividades do partido realizadas desde a morte do seu líder Afonso Dhlakama e debruçou-se sobre a continuação dos processo de descentralização e de negociações com o Governo para "rapidamente fechar o dossier dos assuntos militares".
Transferência num momento crucial
A transferência de Ossufo Momade para a serra da Gorongosa acontece numa altura crucial do processo negocial para o estabelecimento de uma paz definitiva para o país.
Depois das três bancadas parlamentares terem aprovado nas últimas semanas por consenso o projeto de revisão da Constituição que vai permitir o aprofundamento da descentralização do país, continua em aberto o dossier relativo à desmilitarização e integração dos homens armados da RENAMO nas forças de defesa e segurança e na vida civil.Este dossier ainda está a ser negociado entre o Presidente Filipe Nyusi e a nova liderança da RENAMO. Não há detalhes sobre os entendimentos já alcançados.
Ossufo Momade, transfere-se para a serra da Gorongosa
Porém, para Alfredo Magumisse, "o mais importante" é que as negociações vão continuar. "Como é que vai ser? O tempo vai ditar. Mas o mais importante é que estamos abertos para continuar a negociar", disse.
Durante o período em que permaneceu nas matas da Gorongosa, Afonso Dhlakama realizou negociações diretas com o Presidente Filipe Nyusi por telefone. Nalguns casos, Nyusi teve mesmo de se deslocar pessoalmente às matas da Gorongosa.
Em outubro do corrente ano realizam-se as eleições autárquicas e em 2019 as eleições gerais, presidenciais e provinciais. Estas eleições deverão decorrer no âmbito de um novo quadro jurídico.
Alfredo Magumisse afirma que "a Comissão Política Nacional da RENAMO exorta os membros, simpatizantes e a população em geral para continuar com calma visando a preparação e participação dos processos eleitorais em curso".
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.