Realizador moçambicano traz a Berlim o projeto do documentário "As Noites Ainda Cheiram a Pólvora". Busca aperfeiçoar a produção e abrir mercados para abordagem pessoal do pós-guerra em Moçambique.
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Em Berlim a participar da Berlinale, Inadelso Cossa, realizador moçambicano de 35 anos, conta que no documentário "As Noites Ainda Cheiram a Pólvora", ainda em fase de pesquisa e desenvolvimento, pretende compor um retrato contemporâneo do pós-Guerra Civil em Moçambique.
"Estou a fazer um filme atual sobre as consequências da Guerra Civil nas pessoas hoje. Estou a contar o que é que está a acontecer na vida dessas pessoas depois de terem enfrentado a guerra", revela.
O realizador quer dar um tom auto-biográfico à sua estória e busca respostas sobre a sua própria trajetória.
"É um realizador, eu neste caso, que volta à aldeia da sua avó para questioná-la, porque ela tornou a guerra numa ficcção. Quando a aldeia era atacada e tínhamos que fugir, sempre que havia bombardeamentos e sons de balas, ela dizia sempre que eram fogos de artifício", recorda.
Pós-guerra em Moçambique tematizado na Berlinale
Diálogo como prevenção
Inadelso diz que sua motivação pessoal é iniciar um diálogo sobre o que se passou.
"É claro que ela queria proteger-me, mas isso também reflete a falta de diálogo que existe no país em relação a fatos do passado, como a Guerra Civil – não se fala muito. Mas de certeza que qualquer guerra deixa feridas, cicatrizes, traumas. A aldeia onde a minha avó vive já não é mais a mesma, já não se fala muito. As pessoas são mais silenciosas do que costumavam ser no passado", considera.
Para o realizador moçambicano, falar do passado pode evitar que erros se repitam.
"O não falar ou o silêncio também pode ser perigoso porque tu corres o risco de fazer com que a próxima geração não saiba o que aconteceu e facilmente pode cair em perigo de uma nova guerra", considera.
O tema da memória sempre foi assunto dos filmes de Inadelso Cossa. O realizador moçambicano revela que o título do documentário está diretamente ligado às lembranças de quem viveu a guerra.
"Durante o dia, as pessoas têm uma vida comum, normal. Não falam. O silêncio, o trauma. Mas, quando a noite vem é quando o cheiro a pólvora vem. As noites eram os momentos onde normalmente havia os ataques, os bombardeamentos e isso tudo. As pessoas tinham que fugir e muitas casas eram queimadas. Essas pessoas, os meus personagens, durante o dia não falam sobre isso. Mas, quando a noite vem é quando o cheiro a pólvora os remete a falarem sobre o que acontecia", afirma.
Para abrir o debate que pretende, o realizador quer "ligar a câmera e mostrar como é a luz e como é o som da aldeia hoje, como é que as pessoas estão a viver com essa memória e qual é o afeito nas suas vidas, como é que o trauma de guerra se manifesta nas suas vidas, como é que mudou aquilo que foram as minha referências de infância e como é que mudou a forma como essa aldeia hoje existe".
Janela para o mundo
Na Berlinale, Inadelso Cossa representa Moçambique na sessão "Talents", que promove um encontro entre profissionais do mundo do cinema e da arte e 250 talentos da produção cinematográfica global.
Discute com um mentor os planos para dar continuidade à sua produção.
"Desde o conteúdo, a forma como eu pretendo desenvolver o projeto em Moçambique, a forma como eu quero tornar o projeto em filme. É o sítio ideal para ter um feedback [parecer] de um profissional que tem a experiência de trazer um filme com as condições cinematográficas para ir para um festival e ser aceite", avalia.
"As Noites Ainda Cheiram a Pólvora" já conta com co-produção francesa e alemã. Ao apresentar o projeto no Festival Internacional de Cinema de Berlim, o realizador moçambicano espera abrir novas portas.
"O [festival] Berlinale é esse mercado onde todos os profissionais da área de cinema, mas todo mesmo, no que concerne desde a produção até a distribuição de cinema, encontram-se. É um dos festivais que qualquer realizador do mundo escolhe para trazer o seu filme. Se o seu projeto for apresentado oficialmente, nunca sabes. Qualquer pessoa ligada a qualquer área - financiamento, distribuição ou um co-produtor que queira participar num certo projeto - de certa forma [pode] intervir e pode mudar o teu projeto completamente", conclui Inadelso Cossa.
O Festival Internacional de Cinema de Berlim decorre até o próximo dia 17 de fevereiro na capital alemã.
De fortalezas a cinemas: o património colonial português em África
A colonização portuguesa nos países africanos deixou edificações históricas, que vão desde fortificações militares, igrejas, estações de comboio, até cinemas. Boa parte deste património ainda resiste.
Foto: DW/J.Beck
Calçada portuguesa
Na Ilha de Moçambique, antiga capital moçambicana, na província de Nampula, a calçada portuguesa estende-se à beira mar. A herança colonial que Portugal deixou aqui é imensa e está presente num conjunto de edificações históricas, entre fortalezas, palácios, igrejas e casas. Em 1991, este conjunto foi reconhecido como Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de São Sebastião
A Fortaleza de São Sebastião, na Ilha de Moçambique, começou a ser erguida pelos portugueses em 1554. O motivo: a localização estratégica para os navegadores. Ao fundo, vê-se a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, de 1522, que é considerada a mais antiga estrutura colonial sobrevivente no sul de África.
Foto: DW/J.Beck
Hospital de Moçambique
O Hospital de Moçambique, na Ilha de Moçambique, data de 1877. O edifício de estilo neoclássico foi durante muito tempo a maior estrutura hospitalar da África Austral. Atualmente, compõe o património de construções históricas da antiga capital moçambicana.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de Maputo
A Fortaleza de Maputo situa-se na baixa da capital moçambicana e é um dos principais monumentos históricos da colonização portuguesa no país. O espaço foi ocupado no início do século XVIII, mas a atual edificação data do século XX.
Foto: DW/J.Beck
Estação Central de Maputo
Desde a construção da Estação Central dos Caminhos-de-Ferro (foto) na capital moçambicana, no início do século XX, o ato de apanhar um comboio ganhou um certo charme. O edifício, que pode ser comparado a algumas estações da Europa, ostenta a uma fachada de estilo francês. O projeto foi do engenheiro militar português Alfredo Augusto Lisboa de Lima.
Foto: picture-alliance / dpa
Administração colonial portuguesa em Sofala
Na cidade de Inhaminga, na província de Sofala, centro de Moçambique, a arquitetura colonial portuguesa está em ruínas. O antigo edifício da administração colonial, com traços neoclássicos, foi tomado pela vegetação e dominado pelo desgaste do tempo.
Foto: Gerald Henzinger
"O orgulho de África"
Em Moçambique, outro de património colonial moderno: o Grande Hotel da Beira, que foi inaugurado em 1954 como uma das acomodações mais luxuosas do país. O empreedimento português era intitulado o "orgulho de África". Após a independência, em 1975, o hotel passou a ser refúgio para pessoas pobres. Desde então, o hotel nunca mais abriu para o turismo.
Foto: Oliver Ramme
Cidade Velha e Fortaleza Real de São Filipe
Em Cabo Verde, os vestígios da colonização portuguesa espalham-se pela Cidade Velha, na Ilha de Santiago. Entre estas construções está a Fortaleza Real de São Filipe. A fortificação data do século XVI, período em que os portugueses queriam desenvolver o tráfico de escravos. Devido à sua importância histórica, a Cidade Velha e o seu conjunto foram consagrados em 2009 Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J. Beck
Património religioso
No complexo da Cidade Velha está a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, conhecida por ser um dos patrimónios arquitetónicos mais antigos de Cabo Verde, com mais de 500 anos. Assim como em Cabo Verde, o período colonial português deixou outros edifícios ligados à Igreja Católica em praticamente todos os PALOP.
Foto: DW/J. Beck
Palácio da Presidência
Na cidade da Praia, em Cabo Verde, a residência presidencial é uma herança do período colonial português no país. Construído no século XIX, o palácio abrigou o governador da colónia até a independência cabo-verdiana, em 1975.
Foto: Presidência da República de Cabo Verde
Casa Grande
Em São Tomé e Príncipe, é impossível não reconhecer os traços da colonização portuguesa nas roças. Estas estruturas agrícolas concentram a maioria das edificações históricas do país. A imagem mostra a Casa Grande, local onde vivia o patrão da Roça Uba Budo, no distrito de Cantagalo, a leste de São Tomé. As roças são-tomenses foram a base económica do país até a indepência em 1975.
Foto: DW/R. Graça
Palácio reconstruído em Bissau
Assim como em Cabo Verde, na Guiné-Bissau o palácio presidencial também remonta o período em que o país esteve sob o domínio de Portugal. Com arquitetura menos rebuscada, o palácio presidencial em Bissau foi parcialmente destruído entre 1998 e 1999, mas foi reconstruído num estilo mais moderno em 2013 (foto de 2012). O edifício, no centro da capital guineense, destaca-se pela sua imponência.
Foto: DW/Ferro de Gouveia
Teatro Elinga
O Teatro Elinga, no centro de Luanda, é um dos mais importantes edifícios históricos da capital angolana. O prédio de dois andares da era colonial portuguesa (século XIX) sobreviveu ao "boom" da construção civil das últimas décadas. Em 2012, no entanto, foram anunciados planos para demolir o teatro. Como resultado, houve fortes protestos exigindo que o centro cultural fosse preservado.
Foto: DW
Arquitetura colonial moderna
O período colonial também deixou traços arquitetónicos modernos em alguns países. Em Angola, muitos cinemas foram erguidos nos anos 40 com a influência do regime ditatorial português, o chamado Estado Novo. Na foto, o Cine-Teatro Namibe (antigo Moçâmedes), um dos mais antigos do país, é um exemplo. Foi o primeiro edifício de arquitetura "art déco" na cidade de Namibe.