Países em desenvolvimento "imitam" crescimento "insustentável" do norte
18 de novembro de 2011![Catástrofes como a da fome na Somália (foto) podem ser evitadas se governos mundiais tomarem medidas agora, dizem especialistas](https://static.dw.com/image/15323686_800.webp)
"O continente africano não vai se desenvolver enquanto houver pessoas em vários países tendo de procurar água durante 20 a 24 horas por dia". A frase da ministra da Água e da Irrigação do Quênia, Charity Kaluki Ngilu, foi recebida com aplausos pela plateia da principal reunião plenária da Conferência Nexus sobre Água, Energia e Segurança Alimentar, que entre 16.11 e 18.11 serviu, na cidade alemã de Bonn, para preparar a Rio +20 – conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que se realizará em junho de 2012.
Num momento em que o sistema capitalista está sendo questionado devido a crises financeiras e das dívidas pública europeias, a Conferência Nexus martelou na necessidade de se garantir um desenvolvimento sustentável já a partir de agora. "É como se estivéssemos num automóvel a 100 km/h, indo em direção a uma parede que está a cem metros de distância. Se pisarmos no travão agora, o carro vai parar a 20 metros da parede. Mas precisamos tomar medidas agora", afirmou à DW Luis Veiga da Cunha, professor no departamento de Ciências Ambientais e Engenharia da Universidade Nova de Lisboa.
Entre essas medidas, está redirecionar o crescimento de países em desenvolvimento – como os africanos. No primeiro trimestre deste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) de Moçambique teria crescido 7,1% (com a ressalva de uma inflação média anual de 14,7% no mesmo período).
Sul imita o norte
Portanto, se por um lado o crescimento pronunciado é boa notícia, é necessário ter cautela com a maneira como esse desenvolvimento econômico acontece, alertou Holger Hoff, pesquisador sênior do Stockholm Environment Institute: "Basicamente, me parece que os países do sul estão imitando o modelo de desenvolvimento dos países do norte. Com isso, não estão necessariamente trilhando o caminho mais sustentável", disse, em conversa com a DW.
"Seria desejável que houvesse uma reorientação mais cedo, para evitar que os países em desenvolvimento trilhem certos caminhos que já são errados. Mas é mais fácil falar que fazer. Por outro lado, a conferência está mostrando que existe a possibilidade de utilizar recursos naturais de uma forma a que se possa fazer uma economia verde" afirmou Hoff, que escreveu o documento base da Conferência Nexus.
Questionado sobre os investimentos estrangeiros em Moçambique, Holger Hoff citou o exemplo do modelo de desenvolvimento agrícola do Brasil, que poderia ser exportado para países africanos no âmbito de uma parceria "sul-sul". "O modelo que o Brasil usa – ao menos o que conheço dele – pode ser imitado em vários aspectos. Intensificar o uso de recursos, aumentar a produtividade é necessário – também na África. Mas é preciso ver como usar esses recursos beneficiando a população local", ponderou o estudioso.
"Não é natural um investidor estrangeiro chegar sem limites ou não jogar de acordo com as regras. Normalmente é claro que o investidor vai pensar no próprio lucro. Mas são necessárias regras – sejam estas impostas pelo Estado ou voluntárias", disse.
Hoff ainda acrescentou que, por outro lado, a implementação de regras pode trazer outro tipo de problemas para países em desenvolvimento: "Muitas vezes, os países do sul não têm estruturas para implementar esse tipo de regra", afirmou.
Um membro da delegação queniana ouvido pela DW no corredor da conferência acha que é possível fazer com que o desenvolvimento de países africanos, por exemplo, seja sustentável. "Um dos aspectos cruciais para isso é a governação. Como os governos lidam com os assuntos nacionais? Como protegem o meio ambiente? Como garantem a transparência?", indagou.
Castelo de cartas
A reunião em Bonn quis destacar que setores do desenvolvimento como água, alimentos e energia não podem funcionar uns sem os outros – quase como um castelo de cartas que desmorona quando se tira uma carta da base.
Porém, para Holger Hoff, a questão não é somente ver a interligação desses fatores. "Acho importante também se levar em conta a interligação regional, internacional desses fatores. Nosso consumo aqui na Europa influencia a produção de recursos, o meio ambiente e o modo de vida em outros pontos do planeta", explicou.
E, em países em desenvolvimento, "A exportação acaba sendo priorizada em detrimento da produção para o local de origem, porque é mais lucrativa", exemplificou.
A Rio +20 acontecerá em junho do ano que vem, no Rio de Janeiro, 20 anos depois da Eco 92, reunião da ONU que ficou conhecida como a Cimeira da Terra.
Autora: Renate Krieger
Edição: Marta Barroso