Em Lisboa há pacientes angolanos forçados a regressar a Luanda sem alta médica. Simone Latoya é uma delas e já foi despejada da pensão. Serviços de saúde da Embaixada angolana são considerados os culpados pela situação.
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A angolana Simone Latoya está doente há sete anos, tem problemas cardíacos. Depois de quatro anos de espera, entre consultas e análises, foi para Portugal com junta médica para ser tratada. É que em Angola não há meios clínicos adequados para dar resposta ao seu problema.
Mas as despesas de viagem foram suportadas pela família que, para tal, teve de contrair empréstimos. Também o Consulado de Angola em Lisboa fez a sua parte, conta a paciente: "O setor de saúde responsabilizou-se por nós. Recebeu-nos e encaminhou-nos para a Pensão Luanda."
Simone Latoya foi a três consultas, uma delas com um cardiologista, que avaliou o relatório médico produzido em Luanda.
Mas até agora apenas foi submetida a um exame: "Nesta outra área mandaram-me fazer um exame que não é o exame que me trouxe de Angola, mas é um Holter [exame para avaliar o ritmo cardíaco] com mais tempo, mais sete dias. Na última vez que fui lá o médico que viu o meu exame disse que é normal eu ter o que eu tenho e que não há nenhum motivo cardiológico para eu sentir as coisas que sinto."
Mas outro médico da especialidade emitiu uma opinião contrária, diz Latoya: "Encontrei um cardiologista, que fez uma avaliação [da minha situação] e diz que eu realmente preciso de tratamento. Então não entendo!"
A jovem insiste em fazer o exame adequado, conforme consta no relatório que traz de Angola. Durante as últimas semanas, esteve três vezes nas urgências. Foi na sequência destes episódios que, no mês passado, Simone e a mãe, Maria Baltazar, se viram forçadas a abandonar a pensão, por ordem do setor de saúde da Embaixada de Angola. A entidade quer que ela regresse a Luanda.
Setor da saúde é alvo de críticas
A paciente aponta o dedo a Nuno Oliveira, responsável por aquele setor: "Comprou passagem e disse: "vocês têm que voltar”. Que não podia fazer mais nada por mim porque acha que não pode dar sequência ao meu tratamento. Diz que a informação do médico [revela] que eu não tenho nada."
Mas Latoya discorda: "Não é que eu não tenha nada. Eu tenho problemas de arritmia. Está aqui o resultado do exame: presença de arritmias."
Na sequência do despejo, a doente colocou um vídeo nas redes sociais a denunciar a situação e a pedir ajuda, porque não tinham para onde ir. Sem o subsídio a que têm direito, as duas ficaram depois alojadas em casa de uma pessoa amiga, nos arredores de Lisboa, que lhes estendeu as mãos temporariamente.
Doente angolana em Lisboa - MP3-Mono
A DW África tentou ouvir Nuno Oliveira para mais esclarecimentos, sem êxito. A Associação dos Doentes Angolanos em Portugal segue o caso, entre outras situações dramáticas que aqui existem. O vice-presidente, Vitorino Manuel Leonardo, critica a postura do setor responsável da Embaixada.
"Questionamos apenas a atitude humana, a maneira como é que se trata um doente em pleno inverno. Tirarem a pessoa [da pensão], depois fecham as portas e a pessoa fica na rua. Isso não é humano. Infelizmente o setor da saúde não nos vê com bons olhos", queixa-se Leonardo.
Mas logo de seguida acrescenta "temos tido uma boa relação com o senhor Embaixador e a sua comitiva e temos tido uma boa relação com o Consulado."
Daqui não saio e daqui ninguém me tira
A jovem angolana, licenciada em Economia, diz que, em Angola, não consegue desenvolver uma carreira profissional por razões de saúde. Se voltar a Angola sem tratamento, corre o risco de perder a vida.
Simone está determinada: "E eu não posso sair de Portugal sem ser tratada. Nós não vamos sair daqui sem tratamento devido."
Por isso, ela e a mãe pensam pedir uma audiência ao embaixador de Angola em Portugal, José Marcos Barrica.
Vitorino Leonardo, da Associação dos Doentes Angolanos, acredita que, com a presidência de João Lourenço, haverá mais compaixão em relação à situação dos doentes angolanos em Portugal: "A gente também espera que o Presidente olhe para a nossa saúde. Afinal de contas somos todos angolanos."
Friedensdorf em Angola
A Friedensdorf começou a viajar até Luanda há duas décadas para recolher crianças doentes para tratamento médico na Alemanha e levar de volta outras já recuperadas. A 56ª ação de ajuda aconteceu em 2014.
Foto: DW/M. Sampaio
20 anos de ajuda a crianças doentes
Já passaram duas décadas desde que a Friedensdorf International começou a viajar até Luanda para recolher crianças doentes para tratamento médico na Alemanha e levar de volta outras já recuperadas. Desde a sua criação, há 47 anos, a organização não-governamental já ajudou crianças doentes de mais de 50 países, incluindo cerca de 3 mil crianças angolanas. Em 2014, aconteceu a 56ª ação de ajuda.
Foto: DW/M. Sampaio
Ritmos angolanos na despedida
Kuduro e outras danças angolanas são uma constante na festa de despedida que a Friedensdorf organiza na sua sede em Oberhausen, no centro-leste da Alemanha, antes da partida para Angola das crianças já recuperadas. Depois de várias operações e tratamentos, as crianças estão ansiosas por voltar à terra natal e rever a família. Mas os amigos que fizeram na Alemanha também vão deixar saudades.
Foto: DW/M. Sampaio
Experiência única
Para casa as crianças levam também uma experiência única, afirma Hannah Lohmann, porta-voz da Friedensdorf. “Neste momento, temos connosco meninos e meninas de nove países. São cristãos e muçulmanos, brancos e negros, africanos e asiáticos. Em comum têm o facto de todos terem vindo para a Alemanha para se curarem e isso cria uma ligação entre eles, que ultrapassa fronteiras e idiomas”, explica.
Foto: DW/M. Sampaio
Regresso azul
Quando regressa, cada criança recebe um saco azul de desporto, onde, além de roupa e medicamentos, cabem pequenos presentes que elas mesmas fizeram para a família e lembranças da estadia na Alemanha – brinquedos em madeira ou saquinhos de pano feitos à mão, por exemplo. Partem do Aeroporto de Düsseldorf, num avião fretado pela Friedensdorf. A bordo segue uma equipa da ONG, que inclui um médico.
Foto: DW/M. Sampaio
Luanda à vista
Depois de quase dez horas de voo, o avião aterra finalmente na capital angolana. À espera no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em Luanda, costumam estar dois membros da ONG alemã, que viajam mais cedo para o país para tratar das formalidades da nova leva de doentes, e uma equipa da organização parceira angolana Kimbo Liombembwa, versão kimbundu da "Aldeia da Paz".
Foto: DW/M. Sampaio
Reencontro familiar
Do aeroporto as crianças que regressam da Alemanha seguem depois para a sede da Kimbo Liombembwa, um pequeno espaço situado no Hospital Pediátrico Dr. David Bernardino. É aqui que são oficialmente entregues aos pais, que voltam a abraçar os filhos depois de vários meses de ausência. A separação não é fácil, mas os resultados compensam, reconhecem muitos pais.
Foto: DW/M. Sampaio
Perda de Rosalino Neto
A Friedensdorf e a Kimbo Liombembwa lamentam a perda do médico Rosalino Neto, que dirigia a organização parceira. O fundador da Ordem dos Médicos de Angola morreu em junho passado, aos 63 anos, vítima de doença prolongada. Acompanhou as operações de ajuda desde o início e esteve várias vezes na Alemanha. As primeiras crianças chegaram à Alemanha em 1994, durante a guerra civil que durou 27 anos.
Foto: DW/M. Sampaio
Últimas recomendações
No dia da entrega das crianças aos pais, a equipa da Friedensdorf faz sempre um resumo dos tratamentos médicos realizados e deixa também uma série de recomendações. Muitas vezes é preciso continuar os exercícios de fisioterapia em casa ou trocar os sapatos ortopédicos quando estes deixarem de servir. Durante muitos anos, o médico Rosalino Neto traduziu as explicações da ONG aos pais.
Foto: DW/M. Sampaio
Alemanha, a última esperança
A Alemanha é a última esperança para muitos angolanos. O conflito no país terminou há 12 anos, mas a colaboração continua. Se antes se tratavam ferimentos causados pela guerra, hoje as doenças são causadas pela pobreza. A mortalidade infantil é uma das mais altas do mundo e metade da população vive abaixo do limiar da pobreza. O crescimento económico e os petrodólares não se refletem na saúde.
Foto: DW/M. Sampaio
Diagnósticos problemáticos
Os problemas de saúde das crianças são de vários tipos: infeções ósseas, malformações congénitas, queimaduras graves, luxações, fraturas expostas, subnutrição. Algumas sofreram acidentes e não foram devidamente tratadas na altura. E os pequenos corpos escondem também outros problemas não visíveis. Diagnósticos precisos sobre o seu estado de saúde também são um problema, segundo a Friedensdorf.
Foto: DW/M. Sampaio
Kimbo Liombembwa
Criada há 13 anos, a organização parceira angolana tem equipas de voluntários por todo o país para identificar crianças com doenças que não podem ser tratadas localmente. Já foram beneficiadas cerca de três mil crianças de várias regiões de Angola. A viagem das províncias até Luanda chega a durar três dias. Para as ações de ajuda a “Aldeia da Paz” conta também com o apoio da Embaixada da Alemanha.
Foto: DW/M. Sampaio
Comunicação sem fronteiras
A maior parte das crianças não sabe falar alemão, mas a comunicação não é um problema. "Sabemos algumas palavras em português, como 'tá fixe'. E quando querem ir à casa de banho, xixi todos entendem!", explica a porta-voz da Friedensdorf. Além disso, as crianças comunicam por sinais. A bordo costumam também seguir crianças que viajam para a Alemanha pela segunda vez e que servem de tradutoras.
Foto: DW/M. Sampaio
Ciclo da ajuda continua
No Aeroporto de Luanda, dois autocarros transportam as crianças até ao avião. Durante a viagem, redobram-se os cuidados com os novos pacientes. Quando chegam à Alemanha, os casos mais graves são imediatamente encaminhados para os hospitais. As restantes crianças seguem para a Friedensdorf, em Oberhausen. O ciclo da ajuda não fica por aqui. A próxima viagem já está agendada para maio de 2015.