Pacto do Regime: Uma proposta de normalização da corrupção?
16 de junho de 2025
Causou sensação na última semana o discurso de Hélder Jauana durante o simpósio dos 63 anos da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). O sociólogo foi amplamente aplaudido por ter abordado com frontalidade e até alguma sabedoria alguns males do histórico partido no poder.
Mas uma sugestão do académico está a ser particularmente rebatida: "É preciso que haja um acordo de regime neste país em que se assume que, do período X a Y, nós despenalizamos e descriminalizamos a corrupção", afirmou Jauana.
O inusitado da proposta não fica por aí: "Há dados sobre onde está o dinheiro, não tenhamos ilusão. Nesse pacto de regime depois se chama [a pessoa e mandamos] transportar para Moçambique e investir na área X. [...] Você continua capitalista com o dinheiro que nos roubou, mas gera emprego para o moçambicano."
Não seria a sugestão um incentivo a corrupção para um partido onde o crime já estará enraizado, como revelaram escândalos como o das dívidas ocultas?
O jurista e académico Alberto Langa reage: "No fundo, estaríamos a legalizar um crime comprovado, repatriando esse capital e investindo em determinadas áreas e, por via disso, garantindo a saúde, educação e outras áreas prioritárias. O investimento seria direcionado, mas seria investimento privado".
Em resumo, "estaríamos numa situação em que diríamos que o crime compensa, ou seja, eu cometo o crime e ainda tiro benefício", sublinha Langa.
Aliás, mesmo sem essa proposta de "bálsamo", no país já há percepção de que a impunidade reina no círculo do poder: Os políticos condenados mal ficam nas cadeias e voltariam logo a vida normal para usufruir do fruto da delapidação dos cofres do Estado.
Abolição da responsabilização para governantes?
A responsabilização criminal, que não foi abordada por Jauana, deixaria de ser relevante para os governantes corruptos?
O jurista lembra que Jauana "não falou da responsabilização e da vigência deste pacto, se vai ser para o futuro ou para o passado."
Por outro lado, ficou no ar a ideia de permissividade e até de subversão de valores para a classe dos "intocáveis".
O analista político Arcénio Cuco está cético em relação a ideia de amnistia para as elites corruptas: "Se considerarmos que todas as instituições que foram criadas para combater a corrupção não surtiram qualquer efeito, amnistiar poderia significar até certo ponto dar espaço para que esses corruptos possam gozar com os moçambicanos e olhar para esse crime como o crime que compensa".
"Penso que é preciso fortalecer as instituições de combate a corrupção ao invés de amnistiar [políticos corruptos]", defende Cuco.
O jurista Alberto Langa alerta que com a implementação de um pacto dessa natureza "estaríamos a violar a Lei de Recuperação de Ativos".
Um situação dessas "haveria de desafiar o Estado a aprovar um conjunto de normas que permitiria que isso acontecesse".
Proposta que exigiria revisão da Constituição
Langa lembra ainda que, "a partida, a Constituição não permite que haja um pacto daqueles, porque ele deveria ser levado a cabo no âmbito penal. A Lei Penal, salvo melhor entendimento, não traz abertura para que haja um pacto daquela natureza", esclarece.
O académico acrescenta: "Parece-me que o pacto seria contrário a lei moçambicana. A ser acolhida haveria necessidade de um revisão da Lei Penal".
O pacto de regime não é uma proposta nova em Moçambique. O falecido político Máximo Dias já a tinha feito, há algumas décadas, porém numa perspetiva meramente política visando, entre outras coisas, a construção do Estado ou para evitar a cooptação no círculo do poder.
Mas há o outro lado da moeda proposta por Jauana que reúne consensos: O dinheiro da corrupção deve ser aplicado para o benefício do país ao invés de ser escondido em paraísos fiscais, beneficiando outros Estados.