Acaba de chegar à Alemanha uma das vozes mais críticas da sociedade civil angolana. De visita à DW, Pio Wacussanga lembra que é preciso um plano mais eficaz do Governo para combater a fome e melhorar a vida da população.
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A "voz dos pobres no sul de Angola", como também é conhecido o padre Jacinto Pio Wacussanga, está no Velho Continente para chamar a atenção para um mega-projeto agro-industrial na província do Cunene, que ameaça deslocar milhares de pequenos agricultores.
É entre os municípios de Curoca e Ombandja, no sul, que um grupo empresarial que tem boas relações com o regime angolano quer dedicar-se à produção de carne, leite, rações e cereais, numa área de mais de 85 mil hectares.
Se for para a frente, o projeto vai engolir todo o município de Curoca e parte de Ombandja, alerta o sacerdote. E mais de cinco grupos étnicos do Cunene, alguns deles minoritários, "com uma riqueza histórica incrível", sublinha, também correm o risco de desaparecer.
"Eles são originários dali e o projeto ignorou todos os procedimentos legais. Os seus representantes legais tentaram ocupar a área", no início de 2016, sem avisar as populações, recorda.
Desalojados sem indemnização
Dezanove famílias foram obrigadas a deixar as suas casas e perderam os seus terrenos de cultivo. "Têm problemas de cuidar do seu gado e mais outras estão ameaçadas. E ainda não sabemos como vai ficar o projeto porque as outras comunidades ameaçam recorrer à violência para defender os seus terrenos", conta.
As populações desalojadas ainda não receberam nenhuma indemnização, acrescenta Pio Wacussanga, que tem acompanhado as comunidades afetadas através das organizações não-governamentais a que preside, a Associação Construindo Comunidades (ACC), e a Ame Naame Omunu (ANO), com sede no Lubango, província da Huíla.
Conta que, até agora, ainda não conseguiram encontrar-se com o investidor. Por detrás do mega-projecto está o grupo deSilvestre Tulumba, empresário que entrou recentemente para o comité central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder em Angola desde 1975.
Segundo o sacerdote, foi interposta uma providência cautelar no Tribunal Provincial do Cunene para tentar travar o projeto, mas até agora não houve qualquer resposta.
Outros problemas na bagagem
Além dos desalojamentos forçados, Pio Wacussanga está na Europa para falar de outros problemas em Angola. 14 das 18 províncias já foram afetadas pelas alterações climáticas. Huíla, Namibe e Cunene são as mais atingidas.
"Também fomos afetados pelo fenónemo El Niño", lembra o sacerdote. "Desde 2013 há uma vaga de prolongadas estiagens, as chuvas são intermitentes, o que provocou muitas consequências, como a fome, a imigração, a quebra da unidade das famílias, a subalimentação e subnutrição quase crónicas".
Wacussanga na Europa para denunciar desalojamentos em Angola
Por isso, como tem defendido desde sempre, o padre Wacussanga insiste que é preciso um plano de ação mais eficaz do Governo para combater a fome e melhorar a vida de todos os angolanos.
"O Estado angolano, oficialmente e na prática, não tem um programa concreto de assistência a essas vítimas, ao contrário do que fez e faz ainda o Estado namibiano, que mensalmente fornece uma cesta básica para cada uma das famílias", critica. "Isto é muito grave e representa, de facto, a desresponsabilização prática de um dos direitos consignados entre os direitos humanos."
Exemplos práticos
Neste périplo europeu, Pio Wacussanga espera ver de perto "exemplos de problemas concretos sustentáveis" e trocar experiências com organizaçõesda sociedade civil europeias, a braços com uma grave crise de refugiados.
Tudo a pensar na preparação possível de problemas futuros em Angola. "De 2017 até 2030, teremos uma segunda grande vaga de estiagens, de acordo com a previsão de satélites. E viemos ver o que podemos preparar para que o povo, até lá, tenha algum stock alimentar", adianta.
A visita, a convite da "Angola Mesa-Redonda de Organizações Não-Governamentais", um grupo de ONG alemãs que trabalha em prol de Angola, arrancou esta quinta-feira (04.05) na Alemanha e deverá estender-se à Bélgica, Itália, Espanha e Portugal.
Friedensdorf em Angola
A Friedensdorf começou a viajar até Luanda há duas décadas para recolher crianças doentes para tratamento médico na Alemanha e levar de volta outras já recuperadas. A 56ª ação de ajuda aconteceu em 2014.
Foto: DW/M. Sampaio
20 anos de ajuda a crianças doentes
Já passaram duas décadas desde que a Friedensdorf International começou a viajar até Luanda para recolher crianças doentes para tratamento médico na Alemanha e levar de volta outras já recuperadas. Desde a sua criação, há 47 anos, a organização não-governamental já ajudou crianças doentes de mais de 50 países, incluindo cerca de 3 mil crianças angolanas. Em 2014, aconteceu a 56ª ação de ajuda.
Foto: DW/M. Sampaio
Ritmos angolanos na despedida
Kuduro e outras danças angolanas são uma constante na festa de despedida que a Friedensdorf organiza na sua sede em Oberhausen, no centro-leste da Alemanha, antes da partida para Angola das crianças já recuperadas. Depois de várias operações e tratamentos, as crianças estão ansiosas por voltar à terra natal e rever a família. Mas os amigos que fizeram na Alemanha também vão deixar saudades.
Foto: DW/M. Sampaio
Experiência única
Para casa as crianças levam também uma experiência única, afirma Hannah Lohmann, porta-voz da Friedensdorf. “Neste momento, temos connosco meninos e meninas de nove países. São cristãos e muçulmanos, brancos e negros, africanos e asiáticos. Em comum têm o facto de todos terem vindo para a Alemanha para se curarem e isso cria uma ligação entre eles, que ultrapassa fronteiras e idiomas”, explica.
Foto: DW/M. Sampaio
Regresso azul
Quando regressa, cada criança recebe um saco azul de desporto, onde, além de roupa e medicamentos, cabem pequenos presentes que elas mesmas fizeram para a família e lembranças da estadia na Alemanha – brinquedos em madeira ou saquinhos de pano feitos à mão, por exemplo. Partem do Aeroporto de Düsseldorf, num avião fretado pela Friedensdorf. A bordo segue uma equipa da ONG, que inclui um médico.
Foto: DW/M. Sampaio
Luanda à vista
Depois de quase dez horas de voo, o avião aterra finalmente na capital angolana. À espera no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em Luanda, costumam estar dois membros da ONG alemã, que viajam mais cedo para o país para tratar das formalidades da nova leva de doentes, e uma equipa da organização parceira angolana Kimbo Liombembwa, versão kimbundu da "Aldeia da Paz".
Foto: DW/M. Sampaio
Reencontro familiar
Do aeroporto as crianças que regressam da Alemanha seguem depois para a sede da Kimbo Liombembwa, um pequeno espaço situado no Hospital Pediátrico Dr. David Bernardino. É aqui que são oficialmente entregues aos pais, que voltam a abraçar os filhos depois de vários meses de ausência. A separação não é fácil, mas os resultados compensam, reconhecem muitos pais.
Foto: DW/M. Sampaio
Perda de Rosalino Neto
A Friedensdorf e a Kimbo Liombembwa lamentam a perda do médico Rosalino Neto, que dirigia a organização parceira. O fundador da Ordem dos Médicos de Angola morreu em junho passado, aos 63 anos, vítima de doença prolongada. Acompanhou as operações de ajuda desde o início e esteve várias vezes na Alemanha. As primeiras crianças chegaram à Alemanha em 1994, durante a guerra civil que durou 27 anos.
Foto: DW/M. Sampaio
Últimas recomendações
No dia da entrega das crianças aos pais, a equipa da Friedensdorf faz sempre um resumo dos tratamentos médicos realizados e deixa também uma série de recomendações. Muitas vezes é preciso continuar os exercícios de fisioterapia em casa ou trocar os sapatos ortopédicos quando estes deixarem de servir. Durante muitos anos, o médico Rosalino Neto traduziu as explicações da ONG aos pais.
Foto: DW/M. Sampaio
Alemanha, a última esperança
A Alemanha é a última esperança para muitos angolanos. O conflito no país terminou há 12 anos, mas a colaboração continua. Se antes se tratavam ferimentos causados pela guerra, hoje as doenças são causadas pela pobreza. A mortalidade infantil é uma das mais altas do mundo e metade da população vive abaixo do limiar da pobreza. O crescimento económico e os petrodólares não se refletem na saúde.
Foto: DW/M. Sampaio
Diagnósticos problemáticos
Os problemas de saúde das crianças são de vários tipos: infeções ósseas, malformações congénitas, queimaduras graves, luxações, fraturas expostas, subnutrição. Algumas sofreram acidentes e não foram devidamente tratadas na altura. E os pequenos corpos escondem também outros problemas não visíveis. Diagnósticos precisos sobre o seu estado de saúde também são um problema, segundo a Friedensdorf.
Foto: DW/M. Sampaio
Kimbo Liombembwa
Criada há 13 anos, a organização parceira angolana tem equipas de voluntários por todo o país para identificar crianças com doenças que não podem ser tratadas localmente. Já foram beneficiadas cerca de três mil crianças de várias regiões de Angola. A viagem das províncias até Luanda chega a durar três dias. Para as ações de ajuda a “Aldeia da Paz” conta também com o apoio da Embaixada da Alemanha.
Foto: DW/M. Sampaio
Comunicação sem fronteiras
A maior parte das crianças não sabe falar alemão, mas a comunicação não é um problema. "Sabemos algumas palavras em português, como 'tá fixe'. E quando querem ir à casa de banho, xixi todos entendem!", explica a porta-voz da Friedensdorf. Além disso, as crianças comunicam por sinais. A bordo costumam também seguir crianças que viajam para a Alemanha pela segunda vez e que servem de tradutoras.
Foto: DW/M. Sampaio
Ciclo da ajuda continua
No Aeroporto de Luanda, dois autocarros transportam as crianças até ao avião. Durante a viagem, redobram-se os cuidados com os novos pacientes. Quando chegam à Alemanha, os casos mais graves são imediatamente encaminhados para os hospitais. As restantes crianças seguem para a Friedensdorf, em Oberhausen. O ciclo da ajuda não fica por aqui. A próxima viagem já está agendada para maio de 2015.