Pagar dívidas será difícil para Angola se petróleo cair
Richard Furst
22 de novembro de 2017
Baixas no petróleo chegaram a um ponto crucial que qualquer descida no valor significa maior pressão no Governo para cumprir obrigações.
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Angola depende, e muito, das exportações do petróleo para arcar com a dívida pública do país. Há cinco meses, o valor do crude tem estado a subir nos mercados internacionais: a cotação atual está acima dos 60 dólares por barril. No entanto, este preço poderá descer e criar dificuldades no país para honrar importantes compromissos financeiros.
A variação do preço do petróleo tem tido um forte impacto na economia angolana. E se o petróleo voltar a descer, como alguns especialistas esperam, será difícil pagar a dívida pública angolana. A estimativa é que as dívidas deverão ultrapassar os 56 mil milhões de euros até final de 2017, ou seja, mais de 53% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo estimativas oficiais.
Angola vai enfrentar problemas financeiros caso preço do petróleo caia
A queda nos preços do petróleo entre 2014 e 2016 deixou os angolanos com um fardo da dívida elevado, que vai influenciar a posição orçamental nos próximos anos. As baixas chegaram a um ponto que qualquer descida no preço do crude vai significar maior pressão na capacidade do Governo para cumprir as suas obrigações.
Outros setores como combustível no futuro
Os problemas podem ser ainda piores para o país se não houver investimento em outras áreas. "Angola precisa desesperadamente de diversificar os investimentos e pensar em novas atividades de exploração, caso contrário, a produção de petróleo atingirá o pico e depois diminuirá a partir de 2020. O preço do petróleo também influencia as decisões sobre o desenvolvimento. Muitas exportações de petróleo do Governo já estão comprometidas com a China em negócios em troca de desenvolvimento de infraestruturas", alerta Alex Vines, economista especializado em Angola, do instituto Chatham House.
A partir dessa altura, Angola deverá enfrentar novos problemas, como prevê a economista britânica Jane Morley, da Economist Intelligence Unit (EUI), a unidade de análise económica da revista britânica The Economist.
"Pelo menos, os angolanos deveriam desenvolver outras indústrias e outros setores que já existem no país, como serviços e turismo. É inacreditável como é muito difícil entrar em Angola no momento. Tem a questão da língua que já dificulta para o estrangeiro, então facilitar outros caminhos significa incentivar o mercado a crescer também”, detalha Jane Morley.
Kwanza sobrevalorizado
Sobre as finanças angolanas especialistas da empresa de análise financeira BMI Research prevêem que a dívida pública vai praticamente duplicar, passando de 35,4% do PIB, em 2014, para uma média de 66,2% nos próximos dez anos, sendo que quase 30% da dívida é detida em moeda estrangeira.
Além do risco do preço do petróleo não recuperar, a BMI aponta ainda que o câmbio fixo face ao dólar "significa que o kwanza está significativamente sobrevalorizado". Por isso, também se os preços do petróleo caírem de repente, o volume de reservas de moeda estrangeira deve diminuir, tornando a paridade impraticável.
O preço do petróleo influencia as decisões sobre o desenvolvimento. Muitas exportações de petróleo angolano já estão comprometidas com a China em negócios em troca de desenvolvimento de infraestruturas.
Morley sublinha pode haver sinais positivos para a economia angolana. "Pode haver também boas intenções políticas. A China, por exemplo, pode colocar menos juros, tendo em conta os partidos comunistas chinês e de Angola. Ou seja, os angolanos têm algumas opções por mais que tudo pareça difícil", aponta a economista Jane Morley, que trabalha há 30 anos com negócios em África.
Atrasos em dívidas e vencimentos
Os pagamentos atrasados do Estado angolano às empresas, desde 2014, ascenderão a 599 mil milhões de kwanzas (mais de 3,4 mil milhões de euros) e serão liquidados, em parte, com a entrega direta aos credores de dívida pública.
A Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol), concessionária do setor petrolífero, está em processo de reestruturação. Isabel dos Santos foi exonerada recentemente do cargo de presidente do conselho de administração da empresa, onde estava desde 2016, tendo sido substituída por Carlos Saturnino.
"A Sonangol trabalhou para reduzir os custos da produção de petróleo e há alguns sinais de progresso. Algumas companhias internacionais de petróleo, que estavam considerando sair, agora ponderam permanecer no país. Isso não quer dizer que não haja mais nada a fazer e mostra que o novo Presidente João Lourenço fez da reforma do setor petrolífero uma prioridade política", destaca Alex Vines.
O nível de dívida pública em Angola, de acordo com os números divulgados este mês pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), estava, no final de 2016, nos 75,8%, bem acima da média da África Subsaariana, cuja relação entre a dívida pública e o PIB situava-se nos 43,2%.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".