O diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento, Adriano Nuvunga, define a situação na vila de Palma como "dramática e catastrófica" e entende o silêncio de Nyusi como um reconhecimento de falhanço no terreno.
Publicidade
Desde os ataques da passada quarta-feira (24.03) que não param de chegar relatos sobre o terror que se vive na vila de Palma, em Cabo Delgado, no norte de Moçambique. Sem avançar números oficiais, a imprensa internacional publica que ocorreram dezenas de decapitações e milhares de pessoas fugiram do distrito em direção a Pemba.
O Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, até ao momento não disse oficialmente nada sobre os ataques terroristas que se intensificaram nos últimos dias e que já provocaram reações da União Europeia, dos Estados Unidos e de vários parceiros internacionais de Moçambique.
Em entrevista à DW África, o diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga, entende o silêncio de Nyusi como um reconhecimento do falhanço da sua estratégia para assegurar a estabilidade em Cabo Delgado. Nuvunga defende que Moçambique deve encontrar um parceiro internacional forte no Ocidente para fazer face aos ataques terroristas em Cabo Delgado.
DW África: Qual é a perceção que tem sobre o que está a acontecer em Palma?
Adriano Nuvunga (AN): A perceção que nós temos é de um drama. E a situação de Palma, em particular, é de catástrofe. Quando se perde vidas daquela maneira é catastrófico...
DW África: Há transparência da parte do Governo moçambicano sobre o que está a acontecer?
AN: Não. Não há transparência e não há acesso à informação. Não só porque caiu a torre da telefonia móvel, mas também ficamos a saber que os jornalistas que tentavam cobrir a chegada daqueles que conseguiam chegar a Pemba estavam a ter dificuldades de trabalhar através das autoridades policiais.
DW África: E que opções tem Moçambique para recuperar a vila de Palma? Será uma reedição do caso de Mocímboa da Praia, nas mãos dos insurgentes desde agosto de 2020?
AN: A opção que Moçambique tem é mesmo de identificar um parceiro internacional forte. A ideia de trabalhar com os mercenários, como tem estado a fazer, não só é a clara violação da lei, como o indício de crimes até de guerra. Mas também não tem capacidade para lidar com a situação. Portanto, Moçambique, a meu ver, tem que encontrar um parceiro forte. Um país ocidental forte que possa ajudar não somente na recuperação de Palma, mas também na estabilização da situação da segurança em Cabo Delgado.
DW África: Uma organização como a SADC não seria o tal parceiro ideal?
AN: Entre o ideal e o real há uma distância muito grande. Já viemos fazendo uma advocacia há mais de dois anos para que a SADC mostre presença, mas, desde a reunião de maio passado sobre a política e a cooperação na aérea da segurança, nunca mais ouvimos absolutamente nada. Então, não nos parece que neste momento a SADC, que até já teve a experiência de intervenção na República Democrática de Congo, esteja em condições de intervir.
DW África: Como interpreta o silêncio do Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi?
AN: Parece que esse silêncio é um reconhecimento de que houve um falhanço de segurança e militar no terreno. Mas é importante que as autoridades políticas de Moçambique deem a cara porque Palma é a zona verde de Cabo Delgado, zona estratégica. Mas também já se perdeu o número elevadíssimo de vidas, incluindo de estrangeiros. Portanto, compreendemos que as conferências de imprensa que o coronel Omar Saranga faz são muito importantes, mas era preciso que houvesse uma presença pública ao mais alto nível, porque o que aconteceu em Cabo Delgado é catastrófico.
Terrorismo em Cabo Delgado: As marcas da destruição e a crise humanitária
Edifícios vandalizados, presença de militares nas ruas e promessas de soluções por parte de políticos contrastam com a tentativa das populações de levar a vida adiante.
Foto: Roberto Paquete/DW
Infraestruturas vandalizadas
O conflito armado em Cabo Delgado deixou um número de infraestruturas destruídas na província nortenha de Moçambique. Em Macomia, os insurgentes não pouparam nem a Direção Nacional de Identificação Civil. Os danos no prédio do órgão deixaram milhares de pessoas sem documentos. E carro da polícia incendiado.
Foto: Roberto Paquete/DW
Feridas abertas até na sede da Polícia
O edifício da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Macomia ainda carrega as marcas de um ataque em 2020. O tanzaniano Abu Yasir Hassan – também conhecido como Yasser Hassan e Abur Qasim - é reconhecido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Governo moçambicano como líder do Estado Islâmico em Cabo Delgado. Não está claro se o grupo é responsável pelos ataques na província.
Foto: Roberto Paquete/DW
"Eliminar todo o tipo de ameaça"
Joaquim Rivas Mangrasse (à esquerda) foi empossado chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 16 e março. "É missão das Forças Armadas eliminar todo o tipo de ameaça à nossa soberania, incluindo o terrorismo e os seus mentores, que não devem ter sossego e devem se arrepender de ter ousado atacar Moçambique", declarou o Presidente Filipe Nyusi (centro) na cerimónia de posse, em Maputo.
Foto: Roberto Paquete/DW
Missões constantes para conter os terroristas
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique preparam-se para mais uma missão contra terroristas em Palma. A vila foi alvo de ataques, esta quarta-feira (24.03), segundo fontes ouvidas pela agência Lusa e segundo a imprensa moçambicana. Neste mesmo dia, as autoridades moçambicanas e a petrolífera Total anunciaram, para abril, o retorno das obras do projeto de gás, suspensas desde dezembro.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender o gás natural da península de Afungi
A península de Afungi, distrito de Palma, foi designada como área de segurança especial pelo Governo de Moçambique para proteger o projeto de exploração de gás da Total. O controlo é feito pelas forças de segurança designadas pelos ministérios da Defesa e do Interior. Esta quinta-feira (25.03), o Ministério da Defesa confirmou o ataque junto ao projeto de gás, na quarta-feira (24.03).
Foto: Roberto Paquete/DW
Proteger os deslocados
Soldados das FADM protegem um campo para os desolocados internos na vila de Palma. A violência armada está a provocar uma crise humanitária que já resultou em quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Apoiar os deslocados
De acordo com as agências humanitárias, mais de 90% dos deslocados estão hospedados "com familiares e amigos". Muitos refugiaram-se em Palma. Com as estradas bloqueadas pelos insurgentes em fevereiro e março deste ano, faltaram alimentos. A ajuda chegou de navio.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender a própria comunidade
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambqiue estão presentes também no distrito de Mueda. Entretanto, cansados de sofrer nas mãos dos teroristas, antigos militares decidiram proteger eles mesmos a sua comunidade e formaram uma milícia chamada "força local".
Foto: Roberto Paquete/DW
Levar a vida adiante
No mercado no centro da vida de Palma, a população tenta seguir com a vida normal quando a situação está calma. Apesar da ameaça constante imposta pela possibilidade de um novo ataque, quando "a poeira abaixa", a normalidade parece regressar pelo menos momentaneamente...
Foto: Roberto Paquete/DW
Aprender a ter esperança com as crianças
Apesar de todo o caos que se instalou um pouco por todo o lado em Cabo Delgado, a esperança por um vida normal continua entre as poulações. Na imagem, crianças de famílias deslocadas que deixaram as suas casas, fugindo dos terroristas, e foram para a cidade de Pemba. Vivem no bairro de Paquitequete e sonham com um futuro próspero, sem ter de depender da ajuda humanitária e longe da violência.