Em relação a Moçambique, a Amnistia Internacional (AI) revela entraves em apurar irregularidades. Sobre a Guiné-Bissau diz que há dificuldades de responsabilização. Angola é o único país que tem mostrado bons sinais.
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O relatório anual da AI, divulgado esta quarta-feira (22.02), começa por dizer no seu prefácio que 2016 foi um ano de implacável miséria e medo, enquanto governos e grupos armados abusaram dos direitos humanos de várias formas. Centenas de exemplos são mencionados no documento, desde a longa guerra na Síria até às polémicas políticas de Donald Trump nos EUA, passando pela repressão violenta das manifestações na Etiópia.
Moçambique: Falta de liberdade de expressão dificulta investigação
Relativamente aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), mereceram atenção as violações em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. No caso deste último país, e tomando como pano de fundo a tensão político-militar, a Amnistia Internacional lembra que as forças de segurança e membros e apoiantes da oposição violaram os direitos humanos, cometendo impunidades, que incluem assassinatos torturas, valas comuns cuja origem não está esclarecida e outros tratamentos desumanos.
O diretor executivo da AI em Portugal, Pedro Neto, garante que a sua organização tem efetuado ações junto do Governo moçambicano para esclarecer os casos e levá-los à justiça: "Temos feito pressão, denunciando e apelando também ao Governo moçambicano que resolva e traga à justiça e a responsabilização tudo o que está a acontecer."
Mas não é facil conseguir isso: "À volta destes acontecimentos dramáticos, para além das dificuldades em percebermos, de facto, quem são os responsáveis e quem são as vítimas que estão nas valas comuns e pelos crimes, há muita dificuldade na investigação e no apuramento da verdade, também por causa da falta de liberdade de expressão. Temos muitos entraves, o importante é que se faça justiça."
O conflito armado obrigou milhares de moçambicanos da região centro a procurarem refúgio no Malawi e Zimbabué. Um facto que é também lembrado pela AI no seu relatório. Mas esta não é a única situação que desencadeia a violação dos direitos humanos no contexto da guerra, segundo O presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos de Moçambique: Custódio Duma explica que "num momento de conflito armado, de tensão político-militar é propício a violação dos direitos humanos":
E cita mais exemplos: "Primeiro há deslocação de pessoas, depois há mortes de pessoas, com várias situação que até não têm explicação, como a morte de políticos. A maior parte da população vive à base da agricultura de subsistência, fogem para outros lugares onde não podem produzir e isso já afeta o direito a alimentação. As crianças que abandonam as escolas e não estão a estudar, isso afeta o direito a educação. Então, é um ambiente favorável à violação dos direitos humanos."
Relativamente à liberdade de expressão, o documento lembra os ataques e intimidações contra os que denunciaram ou criticaram as violações dos direitos humanos, a instabilidade política e que pediram esclarecimentos sobre as dívidas ocultas.
Efeitos dos relatórios de ONG de direitos humanos?
Não é simples medir a olho nú os efeitos das denúncias de organizações de defesa dos direitos humanos, ou seja, perceber se os governos tomam em conta as denúncias e recomendações das ONG. Mas o presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos de Moçambique acredita que, regra geral, os relatórios produzem efeitos positivos.
ONLINE AI - MP3-Mono
Segundo Custódio Duma, o lado bom é que ajudam o Governo e a sociedade civil a perceberem o que está a contecer no país. E isso acaba por gerar uma certa ação positiva dentro da sociedade civil e do Governo e impulsiona algum tipo de ação. E servem também de apoio as políticas nacionais sobre os direitos que ainda não estão muito bem estruturadas.
No entanto, têm as suas limitações: "Os relatórios de organizações internacionais não são vinculativos, são mais informativos. Então, cabe ao próprio Estado aceitar essas informações, certificar se são verdadeiras e depois tomar medidas. Não posso dizer neste momento qual é o impacto que isso vai produzir depois do Governo apropriar-se ou não desses relatórios. Porque não são vinculativos não se espera também que eles produzam um efeito imediato."
Angola: Luz ao fundo do túnel
No caso de Angola, a repressão contra manifestantes e ativistas, a manipulação do sistema de justiça e outras instituições do Estado para silenciar dissidentes, a violação do direito a saúde, desalojamentos forçados e a nova lei de imprensa que restringe a liberdade de expressão são alguns dos problemas citados no relatório da AI.
Apesar da longa lista de desrespeitos, Pedro Neto está otimista quanto a um ponto, especialmente neste ano de eleições: "Nós temos sinais positivos, o ano de 2016 foi positivo nesse aspeto, tivemos 19 prisioneiros de consciência que foram libertados, quer em Cabinda quer os 17 de Luanda."
O diretor executivo da AI Portugal espera que esse sinal seja "uma manifestação de bom senso" e que isso continue. "Ou seja, que os responsáveis governamentais continuem esse trabalho e essa abertura que tem de ser muito maior para que toda a transparência e liberdade de expressão e de pensamento [continuem] para que possa haver eleições justas e de facto livres. Esse é o apelo que continuamente fazemos."
No caso da Guiné-Bissau, o relatório indica que não houve melhorias nas condições das prisões, que entre outros problemas enfrentam sobrelotações. O sistema de justiça não deu seguimento aos casos que têm em mãos e é considerado incompetente e corrupto. Também os assassinatos políticos ocorridos entre 2009 e 2012 continuam por esclarecer.
O director executivo da AI lembra que as crises estruturais de governação impedem qualquer ação: "A situação na Guiné-Bissau é muito difícil, é difícil responsabilizar a quem de direito se o sistema judicial não funcionar convenientemente. A situação na Guiné-Bissau não é nova, os acontecimentos que testemunhamos e as tensões políticas que existem entre o Governo e o Parlamento não são novas."
Antes de mais, Pedro Neto considera"que é necessário que haja um trabalho de verdade e reconciliação e um trabalho de responsabilização destes intervenientes para que cada um se responsabilize por aquilo que fez e possa começar a trilhar um caminho para uma nova Guiné-Bissau mais transparente, mais responsabilizada perante os seus cidadãos."
2016 em imagens: O que moveu a África lusófona?
Desde a tensão político-militar em Moçambique, passando pela luta pela liberdade de expressão em Angola, até à crise política na Guiné-Bissau - 2016 foi um ano de momentos marcantes nos PALOP.
Foto: Getty Images/AFP
Angola: Febre amarela mata 370 pessoas
O primeiro caso foi conhecido no final de 2015, em Luanda. Em poucos meses, a epidemia alastra-se às 18 províncias do país e mata mais de 370 pessoas. Em fevereiro, o Governo lança a primeira fase da campanha de vacinação (na foto). Em dezembro, a Organização Mundial de Saúde afirma que não pode declarar o país livre do surto, uma vez que "ainda decorre o período de implementação da resposta".
Foto: DW/B. Ndomba
Ataques e acusações em Moçambique
A 20 de janeiro, o secretário-geral da RENAMO, Manuel Bissopo, é baleado por desconhecidos na cidade da Beira, centro de Moçambique. O político da oposição sobrevive, mas, desde o início do ano, quase diariamente, há notícias de ameaças, sequestros e mortes de dirigentes moçambicanos. A FRELIMO e a RENAMO trocam acusações. A tensão político-militar marca o ano no país.
Foto: Nelson Carvalho
Cabo Verde: Maioria absoluta para a oposição
Em março, o Movimento para a Democracia (MpD) derrota o PAICV e volta ao poder, após 15 anos na oposição. O primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva promete trabalhar pelo crescimento do país, mas, em julho, admite: Cabo Verde "não está bem". Apesar do "contexto económico, financeiro e social difícil", em novembro, o Governo prevê um crescimento de 5,5% do PIB no Orçamento de Estado para 2017.
Foto: MpD
Penas de prisão para 15+2 em Luanda
17 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião e de organização de malfeitores, são condenados em março a penas entre dois e oito anos de prisão. O julgamento fica marcado por protestos e denúncias de irregularidades e ganhara visibilidade internacional com a greve de fome de Luaty Beirão e outros ativistas contra a morosidade do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
As "dívidas escondidas" de Moçambique
Em abril, o Governo moçambicano admite a existência de dívidas não declaradas pelo Estado. A descoberta das dívidas contraídas por três empresas com garantias do Governo, sem o conhecimento do Parlamento e dos parceiros internacionais, levam os investidores a suspender a ajuda financeira a Moçambique. Ao mesmo tempo, o metical desvaloriza e os preços sobem: a crise económica instala-se no país.
Foto: DW/M. Sampaio
José Mário Vaz e a crise em Bissau
A 12 de maio, o Presidente guineense demite o Governo de Carlos Correia. Na Assembleia Nacional Popular reina o desentendimento após a expulsão de 15 deputados do PAIGC, partido maioritário no Parlamento. Baciro Djá é empossado primeiro-ministro sob protestos do ex-Executivo e da maioria dos deputados do PAIGC. O impasse impede debate e aprovação do programa do novo Governo.
Foto: Getty Images/AFP/Seyllou
A polémica presidente da Sonangol
Isabel dos Santos, filha do Presidente de Angola, é nomeada pelo pai em junho para chefiar a petrolífera estatal. Doze advogados apresentam ao Tribunal Supremo uma providência cautelar, invocando a alegada violação da lei da Probidade Pública. A ação ainda aguarda decisão. Entretanto, a Procuradoria-Geral da República considera que a nomeação de Isabel dos Santos para a Sonangol "cumpriu a lei".
Foto: Reuters/E. Cropley
Ativistas em liberdade após lei de amnistia
Em junho, o Supremo Tribunal de Angola ordena a libertação dos ativistas angolanos a cumprirem pena de prisão por rebelião. Luaty Beirão (na foto), é um dos ativistas postos em liberdade. José Marcos Mavungo, detido em março de 2015, depois de ter organizado uma manifestação contra a má governação em Cabinda e a violação dos direitos humanos em Angola, tinha já sido posto em liberdade em maio.
Foto: DW/P. Borralho
São Tomé e Príncipe: eleições controversas
Evaristo de Carvalho vence a primeira volta das presidenciais, em julho, mas a Comissão Eleitoral anuncia uma alteração do resultados: afinal, nenhum candidato reúne mais de 50% dos votos. O Presidente cessante Manuel Pinto da Costa, o segundo mais votado na primeira volta, desiste da corrida e Evaristo de Carvalho concorre sozinho à segunda. É eleito Presidente com 54% de abstenção.
Foto: DW/R. Graça
Saída em 2018?
Em março, José Eduardo dos Santos anuncia que vai abandonar a vida política em 2018. Mas, em agosto, é reconduzido na liderança do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Os moldes exatos da sua saída da política ainda não são conhecidos. Após a independência em 1975, Angola apenas teve dois Presidentes: Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979.
Foto: picture alliance/dpa/P.Novais
Diálogo em Moçambique
Em setembro, são retomadas as negociações entre o Governo e a RENAMO em Maputo, que estão sob mediação internacional desde julho. Governo e RENAMO estão há meses sem chegar a um entendimento. Mediadores propõem cessar-fogo, mas os confrontos continuam. As divergências mantêm-se até ao fim do ano de 2016, altura em que a descentralização do poder está no centro do debate.
Foto: DW/L. Matias
Ataques a dirigentes políticos em Moçambique
Armindo Nkutche, membro da Assembleia Provincial de Tete pela RENAMO, é morto a tiro em setembro. Jeremias Pondeca, representante da RENAMO nas negociações de paz (à direita, na foto), é morto a tiro em outubro. No mesmo mês, desconhecidos matam o chefe da bancada da RENAMO na Assembleia Provincial de Sofala, Juma Ramos. Multiplicam-se os ataques a membros do partido da oposição e da FRELIMO.
Foto: DW/L. Matias
Continuidade em Cabo Verde
O Presidente Jorge Carlos Fonseca vence as eleições de 2 de outubro, mas a abstenção histórica de 64% levanta críticas da oposição. Na tomada de posse do seu segundo mandato (na foto), o Presidente cabo-verdiano defende o reforço da segurança do país a partir de investimentos em tecnologia e formação de agentes.
Foto: Presidência da República de Cabo Verde
Moçambique não consegue pagar dívidas
Em novembro, o Governo assume oficialmente a incapacidade financeira para pagar as próximas prestações das dívidas das três empresas públicas com empréstimos ocultos (EMATUM, ProIndicus e MAM), defendendo uma reestruturação dos pagamentos e uma nova ajuda financeira do FMI. Comissão Parlamentar de inquérito para investigar contornos das dívidas conclui que o Executivo violou a Constituição.
Foto: Leonel Matias
Correspondente da DW detido
Arcénio Sebastião, correspondente da DW África na Beira, em Moçambique, é detido durante 34 dias no distrito do Dondo, acusado de injúria e difamação contra um agente da polícia. Um caso "incomum", segundo a defesa e o Instituto para a Comunicação Social da África Austral - MISA. O jornalista aguarda julgamento em liberdade, depois do pagamento de uma fiança de 20 mil meticais (mais de 230 euros).
Foto: DW/A. Sebastiao
Nosso Banco fecha as portas em Moçambique
O terceiro maior banco de Moçambique, com capitais maioritariamente nacionais, encerra ao público em novembro, na sequência do cancelamento da sua licença pelo Banco Central (na foto), perante os problemas financeiros da instituição. O caso causa indignação e juristas sugerem que o Banco de Moçambique pode ser alvo de responsabilização civil por negligência. Outros bancos estão sob vigilância.
Foto: DW/J.Beck
Guiné-Bissau: 5 Governos em menos de 3 anos
Em novembro, José Mário Vaz demite o Governo de Baciro Djá e dá posse a um novo primeiro-ministro: Umaro Sissoco. O PAIGC, vencedor das últimas legislativas, não aceita integrar o novo Governo, empossado em dezembro, por considerar que este resulta de uma iniciativa presidencial contrária ao acordo de Conacri, assinado pelos dirigentes guineenses em outubro e mediado pela CEDEAO.
Foto: DW/B. Darame
João Lourenço: o candidato do MPLA?
O ato central das comemorações do 60º aniversário da fundação do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a 10 de dezembro, decorre sem a presença do presidente do partido, José Eduardo dos Santos. O ministro da Defesa, João Lourenço, é tido como o sucessor à liderança do partido, mas o MPLA não o confirma oficialmente.