Angola e Moçambique são citados num relatório de duas organizações alemãs sobre os países mais endividados, divulgado esta terça-feira. A pandemia da Covid-19 está a fazê-los cair numa "armadilha" de endividamento.
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Angola e Moçambique são citados num relatório divulgado esta terça-feira (26.01) pelas organizações alemãs erlassjahr.de e Misereor, que lista mais de cem países criticamente endividados e revela que a pandemia de Covid-19 está a aprofundar ainda mais a crise nestas economias.
Segundo o documento, a crise nos sistemas de saúde e outras crises desencadeadas pela pandemia do coronavírus levaram a uma recessão global comparável apenas à Grande Depressão do final dos anos 1920 e início dos anos 1930.
"É uma crise como nenhuma outra, com uma perspetiva desoladora para a economia global", escrevem os autores do relatório.
A pandemia teve um impacto particularmente negativo nos países em desenvolvimento e emergentes, que têm menos margem de manobra orçamental para amortecer as consequências sanitárias e económicas.
Em Angola, a pandemia acentuou a queda dos preços das matérias-primas, levando a uma perda de receitas. Isso resultará em novos atrasos no pagamento de dívidas aos fornecedores, que se arrastam desde o tempo do ex-Presidente, José Eduardo dos Santos, refere o relatório.
Já Moçambique recusa-se a pagar parte das "dívidas ocultas", indica o documento, e Maputo também está em disputa com o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) brasileiro por dívidas da construção do controverso aeroporto de Nacala, na província de Nampula, e que também envolvem denúncias de corrupção.
O relatório das organizações alemãs revela que 21 países estão atualmente em situação de incumprimento parcial das suas dívidas. No entanto, devido à recessão desencadeada pela pandemia do coronavírus, o número de países incapazes de pagar as suas dívidas poderá aumentar.
Além de Angola e Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe também constam na lista dos países altamente endividados.
Moratória
No início da pandemia, a moratória da dívida do G20 (ou Suspensão do Serviço da Dívida, DSSI) e o alívio da dívida do Fundo Monetário Internacional (FMI) criaram, segundo o relatório, uma certa margem de alívio orçamental necessário para os países mais pobres, que permitiu que ganhassem tempo para se prepararem para um alívio mais abrangente da dívida.
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No entanto, por si só, a moratória não leva à superação do sobreendividamento, porque apenas adia obrigações de pagamento para o futuro, defendem os autores.
132 dos 148 países inquiridos estão altamente endividados, o que representa um aumento de oito países em comparação com o relatório da dívida de 2020.
O documento dá conta ainda de que a situação no Líbano é particularmente dramática, pois o país tem uma dívida muito superior à de outros países, além de uma profunda crise política e social.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)