Bissau: Pandemia aumentou violência contra meninas e jovens
Lusa
23 de março de 2021
A pandemia do novo coronavírus provocou na Guiné-Bissau um crescimento dos casos de violência contra meninas e jovens mulheres, com o aumento dos casamentos forçados e de mutilação genital feminina no último ano.
Publicidade
"A pandemia teve impactos vários nas nossas vidas, sobretudo em relação a meninas e jovens mulheres, não só nos casos de mutilação genital feminina, mas também nos casamentos forçados e violência contra mulheres", afirmou Fatumata Djau Baldé, do Comité Nacional para o Abandono das Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau.
A mesma opinião é partilhada por Laudolino Medina, da Associação Amigos da Criança, e com uma vasta experiência de apoio a meninas que fogem ao casamento forçado. "Com a Covid-19, as famílias que vivem do quotidiano viram os seus rendimentos cair e as estratégias mudam, nomeadamente através do casamento forçado com um elevado dote", afirmou Laudolino Medina. "O que é igual a vender crianças e a torná-las num objeto comercial", salientou.
Os primeiros casos de covid-19 na Guiné-Bissau foram confirmados a 25 de março de 2020. Desde então, o país, com cerca de dois milhões de habitantes, regista mais de 3.500 casos acumulados e 55 vítimas mortais. Há um ano, as autoridades guineenses declararam o estado de emergência, que esteve em vigor até setembro, e foi imposto um confinamento geral à população, que inicialmente só estava autorizada a circular entre 07:00 e as 11:00.
Publicidade
Aumento de casamentos forçados
Segundo Laudolino Medina, tradicionalmente na Guiné-Bissau há dois períodos em que se regista um aumento do casamento forçado, quando começa o jejum dos muçulmanos e a época das colheitas agrícolas. "Agora, com a pandemia, o fenómeno tornou-se frequente e praticamente todas as semanas recebemos meninas. Umas vêm referenciadas pelas autoridades e outras aparecem pelos próprios pés", disse.
Guineenses em Hamburgo doam 40 mil máscaras à Guiné-Bissau
04:53
Laudolino Medina explicou também que as meninas que aparecem na associação são provenientes das regiões norte, sul e leste do país e algumas do Setor Autónomo de Bissau.
"O confinamento fez aglomerar mais pessoas em casa e com as dificuldades do dia-a-dia. Os familiares tiveram mais condições para fazer outras práticas como a mutilação genital feminina", disse Fatumata Djau Baldé.
Segundo a ativista, há informação de um aumento da mutilação genital feminina no país, mas ninguém denuncia, principalmente na região de Gabu.
Mas, para Fatumata Djau Baldé, a luta para o abandono das práticas nefastas "não tem sido uma prioridade dos sucessivos governos" na Guiné-Bissau. "É preciso fazer uma leitura científica entre a taxa de mortalidade materna e infantil" e as práticas nefastas, disse, lamentando que isso apenas será feito quando o Governo perceber que abolir aqueles comportamentos é uma "causa nacional".
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) advertiu no início de março que mais 10 milhões de casamentos infantis podem ocorrer antes do final da década. A pandemia, que provocou o encerramento de escolas, dificuldades económicas, interrupções nos serviços de acesso à saúde e a morte de pais, está a colocar as meninas em situação mais vulnerável e a correr um maior risco de fazerem um casamento precoce.
A Guiné-Bissau registou mais de 3.500 casos de infeção pelo novo coronavírus e 55 vítimas mortais associadas à covid-19, desde o início da pandemia no país, a 25 de março de 2020.
Ser mulher na Guiné-Bissau significa vida dura
A maioria das mulheres guineenses tem uma vida difícil. Têm de percorrer dezenas de quilómetros para ir buscar lenha. Muitas morrem ainda jovens. A taxa guineense de mortalidade materna é uma das mais altas do mundo.
Foto: DW/B. Darame
Primeira a acordar, última a ir dormir
No campo, uma mulher trabalha a dobrar. Costuma acordar antes dos restantes membros da família e é a última a deitar-se no final do dia. São as mulheres que têm de caminhar até à mata para procurar lenha e água, às vezes em zonas de difícil acesso, a vários quilómetros da aldeia, como nesta fotografia na vila de Quinhamel, na região de Biombo, no norte da Guiné-Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Vender para sustentar a família
Com um pano estendido no chão, as vendedoras vão expondo os seus legumes, malaguetas verdes, pepinos, cenouras, alfaces. São cultivados em quintais ou em pequenos campos. "Vender para sustentar a família" é o lema das mulheres guineenses. Mais de metade vende em feiras improvisadas, como aqui no Mercado de Bandim, o maior mercado de céu aberto da cidade de Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Economia dominada por homens
À beira das estradas, as mulheres sentam-se em bancos e mesas de madeira e vendem laranjas, mangas, bananas e outros frutos - como aqui em Bissack, bairro nos arredores de Bissau. As vendedoras têm uma receita que ronda os 10 euros diários. Em média, uma guineense consegue ganhar 907 dólares por ano, bastante menos que os homens que conseguem em média 1.275 dólares.
Foto: DW/B. Darame
Recolher areia para sobreviver
Tia Nhalá não sabe que idade tem, mas sabe que todos os dias deve acordar cedo, às 05h00, para recolher areia no bairro de Cuntum, em Bissau. Sem qualquer proteção no rosto, sem luvas e pés descalços, Nhalá, que aparenta ter 67 anos, trabalha duramente durante largas horas. Recolhe areia que depois vende a pessoas que a usam em obras de construção civil.
Foto: DW/B. Darame
Venda ambulante em condições perigosas
No Bairro de Belém, em Bissau, meninas deambulam de porta em porta para vender frutas. Organizações da sociedade civil denunciaram já várias vezes que as vendedoras ambulantes correm riscos, como o de serem violadas sexualmente, pois estão muito expostas e vulneráveis. Também há denúncias de que algumas mulheres são forçadas a fazer esse trabalho.
Foto: DW/B. Darame
Vender peixe é um bom negócio
As vendedoras de peixe geralmente possuem arcas velhas para a conservação do pescado. Colocam-nas nos portos - como aqui na Ilha de Bubaque (Bijagós) - para servir de local de armazenamento quando receberem peixe fresco dos pescadores. Nos últimos anos, a venda de peixe tornou-se num dos negócios mais rentáveis para as mulheres guineenses.
Foto: DW/B. Darame
Um dos piores países para ser mãe
As condições precárias nas zonas rurais da Guiné-Bissau têm reflexos nas estatísticas: em 126 partos morre uma mulher, segundo dados das Nações Unidas. Em comparação, no Japão, em 20.000 partos morre uma mulher. A taxa de mortalidade materna na Guiné-Bissau é uma das mais altas do mundo. Ainda assim, não existe no país uma estratégia política dirigida à mulher no meio rural.
Foto: DW/B. Darame
País difícil para as crianças
Cada mulher guineense tem em média cinco filhos. O país tem uma das taxas de fecundidade mais altas do mundo. Mas muitas crianças não chegam a celebrar o seu quinto aniversário. Segundo dados das Nações Unidas, 129 de 1.000 crianças morrem até aos cinco anos de idade, muitas durante no parto, o que torna a Guiné-Bissau um dos piores países do mundo para se nascer.
Foto: DW/B. Darame
Trabalhos domésticos no feminino
Em Mansoa, região de Oio, norte da Guiné-Bissau, as casas de adobe agrupadas debaixo de enormes árvores desenham intricados caminhos onde secam redes de pesca, peles de antílopes e roupas rasgadas de criança. A comida prepara-se num fogão improvisado a lenha, em frente da casa. Trabalhos domésticos como cozinhar, cuidar das crianças ou limpar cabem tradicionalmente às mulheres.
Foto: DW/B. Darame
Carregar à cabeça é a única solução
Nas zonas mais recônditas da Guiné-Bissau, como na aldeia de Suru, região de Biombo, a cerca de 20 quilómetros de Bissau, não há uma rede de estradas que facilite o transporte das mercadorias. Não há carros que façam as ligações entre as aldeias. Carregar à cabeça, por vezes mais de cinco quilos, é a única solução para que essas mulheres possam fazer chegar os produtos ao destino.
Foto: DW/B. Darame
Lenha e água a quilómetros de distância
Nas mais de 80 ilhas e ilhéus completamente isolados e sem grande presença do Estado guineense, as populações vivem no regime do "salva-se quem poder". As mulheres percorrem dezenas de quilómetros para ir buscar lenha e água potável. Em muitos casos - como aqui na Ilha de Bubaque (Bijagós) - atravessam rios caminhando, com os pés descalços, sem roupas adequadas e carregadas.
Foto: DW/B. Darame
Ultrapassando rios e braços de mar
Devido à falta de barcos nas aldeias insulares do arquipélago dos Bijagós, o fornecimento e o transporte de bens é extremamente difícil. É recorrente ver mulheres atravessando rios ou braços de mar bastante profundos. Estes caminhos para procurar lenha e água doce são bastante perigosos para quem não sabe nadar.
Foto: DW/B. Darame
Desigualdade começa na educação
A maioria das mulheres guineenses vive em situação de extrema pobreza. Em médias, as mulheres frequentaram a escola apenas 1,4 anos, menos de metade do que os homens guineenses, que têm em média 3,4 anos de escolaridade, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. Só investindo na educação e na saúde será possível melhorar a situação das mulheres da Guiné-Bissau.