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ReligiãoÁfrica

Papa Bento XVI: "Um grande amigo de África"

António Cascais
31 de dezembro de 2022

Ainda cardeal, o alemão Joseph Ratzinger chamou a África o "continente do futuro católico" e disse querer um "papa africano". Mas nem todas as mensagens do falecido papa emérito foram recebidas com júbilo no continente.

Angola foi um dos três países africanos visitados pelo papa Bento XVIFoto: picture-alliance/dpa

A primeira viagem do papa Bento XVI a África ocorreu em março de 2009, quase quatro anos depois da sua eleição para líder da Igreja Católica. A caminho de Angola e dos Camarões, Bento prestou declarações a jornalistas que seguiam com ele no avião que lhe valera críticas em África ainda antes de aterrar.

A distribuição de preservativos não resolve o problema do HIV/SIDA em África, disse o pontífice. Pelo contrário: existiria mesmo o risco de aumentar o problema através da contraceção, acrescentou. A solução, a seu ver, residia antes no "despertar espiritual e humano" e na "amizade por quem sofre".

Declaração do preservativo causa tumulto

"Com esta mensagem distante da realidade, o papa Bento XVI causou espanto e até indignação", diz Thomas Tasse, cristão praticante e compositor de música sacra em Yaoundé, capital dos Camarões. Ainda assim, na altura Tasse foi ao aeroporto para receber o papa, empunhando uma bandeira camaronesa. "Para mim, como cristão católico, foi uma honra o Santo Padre escolher o nosso país para a sua primeira viagem a África".

Opondo-se abertamente à contraceção, o papa demonstrava a importância que o dogma religioso tinha para ele. "O mais tardar a partir daí, toda a África sabia que Bento era um homem muito conservador, que não queria mudanças ou reformas", disse Tasse,

Domingos das Neves, especialista em assuntos do Vaticano na emissora angolana "Rádio Ecclesia", recorda a resposta dos meios de comunicação social à declaração do papa em 2009: "A sua posição foi duramente criticada na altura, também aqui em Angola. Mas as declarações de Bento não eram novidade e estavam de acordo com a posição oficial da Igreja Católica". De resto, a questão da contraceção e da SIDA não teria nada a ver com dogma, mas com a necessidade de dar uma interpretação católica a alguns tópicos, diz Neves, acrescentando que o papa forneceu de forma inequívoca essa interpretação.

O papa Bento XVI nos CamarõesFoto: AP

"Os cristãos nunca se devem calar"

A posição problemática de Bento na questão da contraceção não pode ser vista como indiferença em relação ao continente africano. "Nunca houve a mínima dúvida acerca do interesse que Bento tinha em África e nos africanos", diz Thomas Tasse.

À chegada aos Camarões, Bento disse aos fiéis presentes que levava uma "mensagem de esperança" ao continente mais pobre da Terra. Os cristãos nunca se devem calar perante o sofrimento, a pobreza, a fome, a violência, a corrupção e o abuso de poder.

O papa criticou também os conflitos regionais que assolam África, descreveu o tráfico humano como uma "nova forma de escravatura" e lamentou a escassez de alimentos. "Foram palavras de esperança e conforto", recorda Tasse.

O continente da esperança católica

Mas Bento XVI acabou por visitar apenas três dos 54 países africanos: Camarões, Angola e, dois anos e meio mais tarde, o Benim. O seu predecessor, João Paulo II, tinha viajado por quase todo o continente. O que não quer dizer que Bento XVI ignorasse a importância de África para a Igreja Católica, diz o perito angolano Domingos das Neves.

Em nenhum lugar do mundo o número de católicos cresce atualmente com tanta dinâmica como em África. No início do século XX, existiam apenas dois milhões de católicos em África. Hoje, o continente conta cerca de 180 milhões. Algumas estimativas apontam que o número poderá mais do que duplicar nos próximos 25 anos: "Há uma quantidade impressionante de nomeações sacerdotais e religiosas, bem como numerosas conversões ao cristianismo", diz Das Neves, descrevendo a situação no seu país.

O "não" do papa a contracetivos para combater a SIDA indignou muitos africanos Foto: CHRISTOPHE SIMON/AFP/Getty Images

Ciente de que o continente era um reduto de fé, Bento falava da "Igreja da esperança" em África. Mostrava-se muito impressionado com o grande número de missionários africanos noutros continentes. "Outrora, África foi evangelizada. Agora ela própria envia missionários para todo o mundo. Bento XVI destacou o facto com gratidão", disse Domingos das Neves.

Portador de esperança

No Benim, o terceiro país africano que visitou como papa, Bento XVI foi também portador de muita esperança, recorda o padre Raymond Goudjo, responsável pela organização da viagem em 2011.

"É verdade que Bento era um papa muito dogmático, uma pessoa muito intelectual, sem muito temperamento, pouco efervescente", disse Goudjo à DW. "Mas era alguém que conhecia o significado de amizade".

Em Benim, em 2011, Bento rendeu homenagem a um amigo beninês com quem tinha trabalhado durante muitos anos em Roma: o cardeal Bernardin Gantin, que tinha morrido três anos antes.

Muitos católicos africanos, contudo, recordarão Bento XVI sobretudo por causa das declarações que fez antes de se tornar papa. O cardeal Joseph Ratzinger tinha levantado repetidamente a possibilidade de um papa africano. Por exemplo, numa entrevista em abril de 2002, o então chefe da Congregação para a Doutrina da Fé disse sobre um potencial papa de África: "Pessoalmente, penso que seria um belo sinal para toda a cristandade".

Com a colaboração de Prince Rodrigue Guézodjè (Cotonou) e Henri Fotso (Yaoundé).

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