Crise interna na RENAMO fragiliza a posição do presidente do partido, Ossufo Momade. Pouco meses depois de ser eleito, críticos indagam se Momade foi uma boa escolha para a liderança.
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A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) tenta minimizar a aparente crise interna exposta com a revolta de um grupo de guerrilheiros contra o presidente Ossufo Momade. Na semana passada, os guerrilheiros ameaçaram matar Momade, se ele não renunciasse ao cargo.
O porta-voz do maior partido da oposição, José Manteigas, garantiu numa conferência de imprensa que o ambiente na base da RENAMO na Serra da Gorongosa é cordial e de união. E sublinhou que Momade continua a controlar o partido e o seu braço armado.
Mas a revolta reacendeu o debate sobre se Ossufo Momade foi a melhor escolha para dirigir a RENAMO. Entrevistado pela DW, o analista político Calton Cadeado entende que falta a Momade capital político, algo que o deixará em posição de desvantagem na corrida eleitoral de outubro próximo.
DW África: A RENAMO deu pouca relevância às denúncias feitas por alguns guerrilheiros do partido. Pareceu-lhe uma tentativa de minimizar a aparente crise dentro da RENAMO?
Calton Cadeado (CC): É, de facto, uma tentativa de minimizar a crise. Mas, mais do que isso, é uma tentativa de mostrar que a RENAMO, como partido, tem uma certa coesão, embora se note que é uma coesão frágil. Além disso, é uma tentativa de mostrar que a RENAMO é um partido com vitalidade - basta olhar para um comunicado de imprensa da RENAMO que faz uma utilização de retórica extramente elogiosa ao próprio partido e à ligação com as bases, sobretudo para mostrar que está comprometida com o processo de pacificação no país, algo que só pode acontecer com uma RENAMO forte e unida.
DW África: Quais são as consequências desta crise para as negociações de paz em curso?
CC: Isto fragiliza a RENAMO e a ligação entre a RENAMO e o Governo. Fragiliza a posição do Sr. Ossufo Momade como um interlocutor principal e válido na negociação com o Presidente da República - pelo menos à primeira vista, num primeiro momento, no calor da tensão dentro da própria RENAMO. Veremos o que vai acontecer nos próximos momentos, se o Sr. Ossufo Momade sobrevive a esta crise ou se sai de cena. Espero que não saia de cena do ponto de vista físico, como foi dito naquela entrevista que os guerrilheiros descontentes deram a alguns órgãos de comunicação social.
DW África: Ossufo Momade terá sido uma má escolha da RENAMO?
CC: Esta é uma pergunta que vem confirmar o debate que houve na altura da sucessão. Muitos diziam que Ossufo Momade não tinha um capital político muito forte para suceder a Afonso Dhlakama, que foi um líder que se impôs no partido, a tal ponto que a RENAMO passou a ser Dhlakama e Dhlakama passou a ser a RENAMO.
Para onde vais, RENAMO, com Ossufo Momade?
Apesar de todos os problemas de má gestão, Dhlakama era um líder que conseguia mobilizar todo o eleitorado da RENAMO (e até de fora do partido) com um certo carisma, algo que Ossufo Momade não tem. Quem olhar para as teorias de liderança dirá que Ossufo Momade não tinha um grande capital político para substituir um líder carismático dentro da própria RENAMO. Para além disso, Ossufo Momade teve oportunidade de entrar na gestão partidária quando foi secretário-geral, mas não se conhece nenhum feito político relevante, ou extremamente valioso, que lhe desse pujança ou capital político para poder substituir Afonso Dhlakama.
DW África: Portanto, isso vai fazer com que a RENAMO entre na corrida eleitoral já fragilizada?
CC: Exacto. Esse é outro prejuízo político que a RENAMO vai ter nesta situação. Não tenho informações precisas para dizer se o Sr. Ossufo Momade se foi recensear ou não - espero bem que se tenha recenseado… Mas sei que, neste momento, ele ainda nem sequer apresentou a candidatura pessoal para participar no processo eleitoral.
Quanto tempo precisará para apresentar a candidatura eleitoral? Quanto tempo precisará para preparar essa candidatura, com toda esta tensão que está a ocorrer agora? É verdade que o secretário-geral e o partido podem fazer a máquina andar, mas esta incerteza joga a desfavor do Sr. Ossufo Momade. Para agravar a situação, o Sr. Ossufo Momade não é alguém conhecido no mapa político moçambicano. Joga a seu desfavor o facto de as eleições presidenciais não serem na base de uma lista de um partido, como acontece, por exemplo, nas eleições autárquicas. Então, precisa de se fazer conhecer no mapa político moçambicano. E só tem dois ou três meses para fazer isso, até chegarmos às eleições.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.