Importação de zonas de conflito com regras mais apertadas
Bob Barry | AFP | António Rocha
17 de março de 2017
Os eurodeputados querem lutar contra a exploração dos “minérios de sangue” que financiam os conflitos em África. O Parlamento Europeu deu luz verde a uma nova regulamentação que entrará em vigor em 2021.
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O Parlamento Europeu (PE), em Estrasburgo, deu o seu acordo final (16.03) à nova regulamentação que visa enquadrar melhor a importação de alguns minérios indispensáveis na indústria, como forma de não contribuir no financiamento dos conflitos armados em África.
O cumprimento desta regulamentação sobre os chamados "minérios de sangue”, que entrará em vigor em janeiro de 2021, diz respeito às empresas importadoras da União Europeia (UE) que se encontram no início da cadeia de produção, incluindo as fundições e refinarias.
Estas deverão assegurar e garantir que não existem ligações entre a sua cadeia de aprovisionamento e os conflitos armados, dá conta o documento negociado durante três anos entre a Comissão Europeia, os Estados membros e o Parlamento, sob grande pressão dos "lobbies” industriais.Para Bady Baldé, diretor regional para os países francófonos no Secretariado Internacional de Iniciativa para a Transparência das Indústria Extrativas, uma Organização Não Governamental (ONG) sediada em Oslo, na Noruega, esta é uma "boa decisão”.
"O que foi melhorado é a lei adotada em 2010 nos Estados Unidos que impôs maior transparência na comercialização de minérios extraídos na região dos Grandes Lagos. Desta vez, não há esta discriminação, o que significa que todas as empresas devem ter regras claras sobre a exploração dos minérios para todos os países de África", explica.
As empresas com um volume baixo de importação como joalheiros e dentistas, serão contudo isentadas, uma exceção criticada por algumas ONGs.
Advertência da UE
"A UE enviou um sinal forte a um pequeno número de empresas”, mas, "na verdade confiou num número bem maior que deverá auto-controlar”, deplorou Michel Gibb, da ONG Global Witness, que luta contra as pilhagens dos recursos naturais e as violências que provocam no seio das populações nos países pobres.
Já o euro-deputado ecologista francês Yannick Jadot lamentou uma outra "lacuna” que exclui a grande maioria das "empresas que fabricam, por exemplo, tablets ou smartphones ”.Os minérios visados – tungesténio, estanho, tântalo e ouro – são na verdade indispensáveis à produção de objetos do quotidiano como os telefones portáteis, os computadores, os frigoríficos, etc.
Esses minérios são importados de África, nomeadamente do sul e leste da República Democrática do Congo (RDC), na região dos Grandes Lagos, onde grupos rebeldes armados disputam o controle das minas.
Alerta das ONG
Recorde-se que um relatório da Human Rights Watch (HRW) recenseou em 2011 que entre 20 mil e 40 mil crianças trabalhavam nas minas de ouro no Mali. Terceiro produtor do continente africano, este país exporta anualmente cerca de quatro toneladas de ouro artesanal para a Suiça e para os Emiratos Árabes Unidos, num montante calculado em 218 milhões de dólares."O trabalho nas minas é muitas vezes efetuado por crianças que trabalham como escravos mais de 12 horas seguidas”, acusou, por seu lado, a deputada socialista belga Marie Arena.
Esta nova regulamentação inspira-se numa cláusula da lei americana sob a reforma do sistema financeiro, adotada em 2010 sob a presidência de Barack Obama, que obrigou as empresas americanas a serem mais transparentes no que concerne à exploração desses minérios.
Mas, o novo presidente americano Donald Trump anunciou, em fevereiro, que esta legislação vai ser reexaminada.
"Infelizmente, alguns sinais que nos chegam de Washington sobre este assunto não são encorajadores”, disse no início do debate em Estrasburgo a comissária europeia para o Comércio, Cecília Malström. Isso quer dizer que "o assunto exige uma maior atenção da liderança europeia”, defendeu Malmström.
Pôr fim ao conflito do estanho na RD Congo
Os minérios são uma causa do derrame de sangue na República Democrática do Congo (RDC), onde milícias rivais tentam apoderar-se dos recursos naturais. Um projeto quer que o estanho deixe de estar ligado ao conflito.
Foto: DW/J. van Loon
Afastar as milícias
Os mineiros artesanais da mina de estanho de Kalimbi foram dos primeiros a usar o sistema "empacotar e rotular". Trata-se de uma forma de validar o mineral, que assim pode ser seguido desde a sua origem. O objetivo é impedir que caia nas mãos das milícias.
Foto: DW/J. van Loon
Assegurar o futuro das minas
A região de Kalimbi tem uma história atormentada. Várias milícias competem aqui pela posse dos minérios. O Instituto Internacional de Pesquisa de Estanho (ITRI - International Tin Research Institute) escolheu a mina de Kalimbi para o seu primeiro projeto de metais "isentos de conflito", para assegurar a sobrevivência a longo prazo das comunidades que dependem da extração para a sua subsistência.
Foto: DW/J. van Loon
A dura realidade
Kalimbi situa-se no Kivu Sul e é uma das cerca de 900 minas da região. Um dos mineiros, Safari Masumbuko, trabalha na mina há mais de doze anos. "Adorava fazer outra coisa, mas nesta região não há outro trabalho", diz o jovem de 25 anos. Muitos rapazes desempregados acabam por ser recrutados pelas milícias.
Foto: DW/J. van Loon
A vida nas minas
Enquanto se envidam esforços para eliminar a violência do comércio congolês de matérias-primas, as condições de trabalho para os mineiros são ainda muito precárias. Muitos passam mais de doze horas seguidas em estreitos túneis, centenas de metros abaixo da superfície, sem capacetes de segurança nem sapatos robustos.
Foto: DW/J. van Loon
Fechar os canais que alimentam o conflito
Em 2010 entrou em vigor nos Estados Unidos da América a Lei Dodd-Frank que exige que as empresas certifiquem que os seus minérios são "isentos de conflito". Um dos objetivos era combater a pobreza na RDC, mas a lei acabou por impedir a venda do mineral local. "Transformou-nos a vida num inferno", diz Ajeje Munguiko, de 27 anos. "Tivemos de vender a nossa roupa para dar de comer aos nossos filhos."
Foto: DW/J. van Loon
Trazer o comércio de volta
Juntamente com o ITRI, em 2012, o diplomata holandês Jaime de Bourbon-Parma ajudou a implantar o sistema "empacotar e rotular" na mina de Kalimbi. Este prevê que cada saco seja pesado e rotulado com um código de barras, que certifique a "isenção de conflito". O diplomata espera que o sistema de validação e a possibilidade de comprar estanho "limpo" tragam os comerciantes de volta à RDC.
Foto: DW/J. van Loon
Não há como escapar à violência
Os mineiros dizem que, desde que foi introduzido o sistema de transparência, passaram a ser menos incomodados por grupos armados. Mas ainda acontece serem intimidados. Por exemplo, no ano passado um comandante do exército tentou contrabandear estanho de Kalimbi. As autoridades não se atreveram a intervir. O Governo só suspendeu o oficial graças à pressão internacional.
Foto: DW/J. van Loon
Estanho sujo declarado limpo
Mas a falta de transparência permanece um desafio para o setor de extração artesanal. Há casos de funcionários corruptos, que vendem os rótulos "isento de conflito" pelo equivalente de 14 euros para aplicar no estanho sujo, diz Eric Kajemba, diretor de uma organização não-governamental na região. "Os funcionários das minas ganham menos de 50 euros por mês, por isso é fácil suborná-los".
Foto: DW/J. van Loon
Aumentar o preço do estanho
"O sistema de empacotar e rotular é bom, mas o preço do estanho é demasiado baixo", diz Madeleine Witanene, 50 anos, corretora da aldeia de Niyabibwe. Witanene diz que os preços são baixos porque só poucos exportadores compram o mineral rotulado. Alargar o sistema a outras minas pode fomentar a competição e melhorar as condições de trabalho dos mineiros.
Foto: DW/J. van Loon
Metal valioso
O leste do Congo detém três por cento do estanho a nível mundial. Empresas como a Phillips e a Tata Steel utilizam o estanho "isento de conflito" de Kalimbi em casquilhos, latas e placas de metal.
Foto: DW/J. van Loon
Um modelo para outras minas
O sucesso obtido pelo projeto "empacotar e rotular" na redução da violência na extração de estanho depende agora inteiramente da vontade de outras empresas em apoiar a sua expansão. Depois da derrota do grupo rebelde M23, o ITRI planeia agora lançar o sistema "empacotar e rotular" em Rubaya, no Kivu Norte, entre muitos outros locais.