Parlamento moçambicamo discute mudanças na Constituição
Leonel Matias (Maputo) | Lusa
28 de fevereiro de 2018
Após o período de férias, parlamentares discutem mudanças constitucionais. MDM se opõe à proposta de descentralização, resultado do acordo entre o Presidente e o líder da RENAMO.
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Em Moçambique, o Parlamento retomou nesta quarta-feira (28.02) as reuniões plenárias após o período de férias. A proposta de revisão da Constituição, apresentada pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, com foco na descentralização, é a principal pauta. Outras 28 matérias também estão na agenda dos debates até 24 de maio.
O projeto de descentralização prevê que o Presidente do Município deixe de ser eleito e passe a ser nomeado, entre os membros da Assembleia Local, sob proposta do grupo vencedor nas eleições autárquicas. O mesmo deve aplicar-se aos governadores provinciais e administradores distritais, que também serão escolhidos pelo partido mais votado para a assembleia municipal, em vez de serem eleitos diretamente.
O Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceiro partido no Parlamento, defendeu em pleno a manutenção da eleição direta dos Presidentes dos Municípios, sublinhando que se trata de um direito conquistado e adquirido pelos moçambicanos desde 1998.
Para o chefe da bancada parlamentar do MDM, Lutero Simango, esta nova proposta representa um retrocesso. "Abre a porta para a desconcentração ao invés de descentralização ou a devolução efetiva do poder local. Não podemos retroceder”, ressaltou. Acrescentou ainda que as eleições autárquicas de outubro próximo foram convocadas de acordo com a lei vigente de eleição direta. A proposta resulta de consensos alcançados nas negociações de paz entre o Presidente da República, Filipe Nyusi, e Afonso Dhlakama, líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), principal partido da oposição.
Apoio parlamentar
Margarida Talapa, chefe da bancada parlamentar da FRELIMO, Margarida Talapa, ratificou sua posição favorável à proposta. "A bancada parlamentar da FRELIMO reitera que fará tudo para viabilizar os consensos alcançados no diálogo”, afirmou.
A bancada da RENAMO congratulou-se, igualmente, com os resultados do diálogo e espera que o Parlamento aprove até maio próximo o pacote legislativo sobre a descentralização.
Verónica Macamo, presidente do Parlamento, também encorajou os moçambicanos a apoiarem a nova proposta de descentralização, afirmando que a mesma contém aspetos inovadores, tendo como objetivo conferir maior participação democrática na gestão do território. "A proposta que temos é a possível depois de várias consultas. Não sendo um modelo acabado e perfeito vamos aperfeiçoá-lo, adaptando cada vez mais a nossa realidade”, explicou.
Dívidas ocultas
Um outro tema abordado nos discursos da oposição parlamentar relaciona-se com as chamadas dívidas ocultas contraídas com garantias do Governo em 2013 e 2014 sem o conhecimento do Parlamento e dos parceiros internacionais.
Parlamento moçambicamo retoma atividades focado na revisão da Constituição
A chefe da bancada da RENAMO, Ivone Soares, voltou a exigir a responsabilização dos autores morais e materiais da contração desses empréstimos, e também que a Procuradoria-Geral da República publique na íntegra e com caráter urgente o relatório completo da auditoria realizada pela Krol sobre as dívidas ocultas. "Encorajamos também ao Conselho Constitucional a se pronunciar urgentemente sobre as dívidas constitucionais”, ressaltou a parlamentar.
Lutero Simango, chefe da bancada parlamentar do MDM, aproveitou a ocasião para exigir a responsabilização das pessoas e entidades que permitiram o recente aluimento de resíduos sólidos na lixeira de Hulene, que resultou na morte de pelo menos 16 pessoas e cinco feridos.
Ainda na agenda: Código Penal e combate ao terrorismo
A presente sessão do Parlamento vai apreciar ao todo 29 pontos, incluindo para além das questões relativas a descentralização e a revisão da Constituição, a análise da Conta Geral do Estado e do informe da Procuradora-Geral da República. Está ainda prevista uma sessão de perguntas ao Governo.
O resto da agenda do Parlamento para os próximos meses inclui a discussão de um projeto de lei sobre revisão do Código Penal, a criação de um Gabinete de Informação Financeira de Moçambique , uma proposta de lei que estabelece os princípios e regras aplicáveis ao setor empresarial do Estado e ainda avaliar uma proposta de lei sobre o regime jurídico de repressão e combate ao terrorismo.
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.