Partidos preocupados com limites à democracia em Moçambique
Leonel Matias (Maputo)
3 de março de 2021
É importante que os partidos e as instituições "se reinventem e encontrem meios alternativos", para que a democracia em Moçambique não continue a ser afetada, defende o Instituto para Democracia Multipartidária.
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O Instituto para Democracia Multipartidária (IMD) afirma que se constatou, em 2020, com bastante preocupação que a democracia interna dos partidos políticos foi "bastante beliscada", porque estas organizações, no seu todo, não puderam realizar os seus encontros para avaliar o processo eleitoral, definir estratégias pós-eleitorais ou aprovar planos visando assegurar o seu funcionamento.
"Este facto pode criar uma sensação um pouco de ditadura das lideranças dos seus partidos que não podem, por conta da Covid-19, interagir com os membros que são eleitos para assessorá-los nos intervalos entre os congressos", referiu Dércio Alfazema do IMD, uma organização da sociedade civil.
Falando numa mesa redonda que juntou esta terça-feira (02.03), em Maputo, políticos e académicos, Dércio Alfazema defendeu igualmente que o Parlamento deve abrir-se e ser mais dialogante. "Houve matérias problemáticas no ano passado em que a sociedade civil levantou as suas questões, mas essas questões não foram acolhidas pelo Parlamento e, mesmo depois do Parlamento tomar as decisões, não procurou dar o retorno à sociedade civil", lembrou.
"Bipolarização" entre RENAMO e FRELIMO
Nos últimos três anos, os dois partidos da oposição com assento parlamentar registaram a morte dos seus líderes, nomeadamente Afonso Dhlakama, da RENAMO, e Daviz Simango, do MDM. Isto acontece numa altura em que Filipe Nyusi cumpre o seu segundo e último mandato como chefe de Estado.
Moçambique: "Não vamos esquecer Simango"
01:25
"Se nós como sociedade nos unirmos e olharmos para os ideais desses dois senhores que perderam a vida, infelizmente, acredito que o nosso futuro pode ser promissor. Agora, olhando para esses últimos anos que faltam do mandato do Presidente Nyusi, é preocupante porque o que nos espera são anos difíceis, porque há uma desaceleração da nossa economia, isso terá as suas consequências, talvez hoje não mas no futuro.", respondeu Augusto Pelembe do MDM, a terceira força política do país, quando questionado pela DW África sobre o futuro politico de Moçambique.
Por seu turno, o porta-voz da FRELIMO, Caifadine Manasse, considerou que "o processo democrático em Moçambique está a correr bem, os atores da sociedade estão a responder e as expetativas são boas. O Presidente Nyusi continuará a trabalhar de forma a que esta consolidação do Estado de Direito democrático se afirme cada vez mais no país".
Já Venâncio Mondlane, da RENAMO, afiemou que uma das preocupações das pessoas é uma nova "bipolarização" entre a RENAMO e a FRELIMO. "As pessoas acham que devíamos ir para um pluralismo democrático. Mas se a preocupação é essa, eu acredito bastante nessa juventude. O importante é criarmos as condições para que as iniciativas de política, a liberdade política, económica e social não sejam coartadas", defendeu.
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Maior diálogo interno nos partidos
Dércio Alfazema chama a atenção "para a necessidade de maior diálogo interno ao nível dos partidos, o que não está exatamente neste momento a acontecer." Defende ainda que "é preciso que estes novos líderes políticos também sejam mais abertos, mais dialogantes e que também saiam à rua para partilhar aquilo que são as suas ideias sobre como é que eles veem o país e qual é a contribuição que eles pretendem dar face a esses novos desafios que diariamente vamos tendo."
Os três partidos com assento parlamentar saudaram a recente rendição de André Matsangaíssa Júnior, um dos homens fortes da autoproclamada "Junta Militar" da RENAMO que protagoniza ataques no centro do país.
No encontro desta terça-feira (02.03) também foi defendida a necessidade de se garantir maior eficácia no processo de reintegração das forças residuais da RENAMO com ações de longo prazo e a criação de instituições de apoio a este processo. No entanto, os partidos divergiram em relação à forma como está a ser gerida a Covid-19, tendo a FRELIMO elogiado o Governo enquanto a oposição fez várias críticas ao processo.
Outro tema que mereceu a atenção dos presentes foram os ataques armados na província de Cabo Delgado, tendo se registado apelos a um maior envolvimento do Parlamento nas decisões sobre a matéria e ao fim de um "blackout à cobertura jornalística" relacionada com a violência.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.