Cobranças ilícitas nos comboios do leste de Angola
16 de agosto de 2021A cidade angolana do Moxico é o ponto de encontro dos cidadãos que se deslocam das províncias da Lunda-Norte, que dista a 450 quilómetros, e Lunda-Sul, a 150 quilómetros da cidade capital, Luena, para se socorrerem da única via de comunicação: a linha férrea que liga o leste ao centro do país.
Mas os passageiros denunciam irregularidades na compra dos bilhetes. Dizem que são obrigados a pagar 2 mil kwanzas (cerca de 2 euros e meio) aos vigilantes das bilheteiras para comprar um bilhete de 6 mil kwanzas (cerca de 7 euros e meio). No final do expediente, o valor arrecadado é repartido com os atendedores.
Uma fonte da empresa que não quis ser identificada revelou à DW África que, no ano passado, o Conselho de Administração do Caminho-de-Ferro de Benguela rescindiu o vínculo laboral com três trabalhadores por causa desta prática que mancha o bom nome da Instituição.
O cidadão Edimilson Agostinho está preocupado. "Acho que deveriam ser mais sérios no regulamento do trabalho, porque estão a prejudicar a população. Há pessoas que não têm capacidade de dar um mil ou dois mil kwanzas para conseguir o bilhete rapidamente, está meio complicada essa situação", lamenta.
Responsabilização dos criminosos
Ouvido pela DW África, o jurista Augusto Tomás pede a responsabilização dos prevaricadores. "Além de procedimentos disciplinares, esses trabalhadores precisam de ser responsabilizados severamente por práticas criminosas e serem condenados para que sirvam de exemplo e, assim, materializemos o fim essencial do Direito Penal, que é a prevenção geral, e punindo-os para que também tenham consciência dos seus atos", defende.
Este não é o único problema na estação do Moxico. Para além de darem aos vigilantes uma "micha" para facilitar a aquisição do bilhete, homens, mulheres, idosos e crianças são obrigados a passar a noite ao relento, nesta época de cacimbo, em que a temperatura chega a atingir os 5 graus celsius, à espera de comboio. A direção alega que, por causa da pandemia da Covid-19, não é possível acomodar os passageiros na sala de embarque.
Atualmente, estão em circulação apenas dois comboios, às terças e sextas-feiras, para transportar mais de 500 passageiros por semana. No início do ano, o Executivo angolano comprou mais duas locomotivas, mas a oferta ainda não é suficiente.
Tratamento desumano
"Estamos a sofrer bastante. Dormir fora com mosquitos, dormir assim neste sítio não está bom", lamenta Margarida Pedro, uma das passageiras afetadas. "Queremos que o Governo nos ajude para dormirmos dentro do salão, porque lá está fechado", apela.
"É desumano e doloroso ver os passageiros de comboio a passarem a noite ao relento, tudo porque não há lugar para se acomodarem", critica o sociólogo João Pedro.
"É dever da empresa criar condições para os seus passageiros. Nota-se uma autêntica violação da dignidade da pessoa humana e isto pode acarretar grandes consequências sociais como a propagação da Covid-19, o aumento da malária e outras doenças", lembra ainda o especialista.
A DW África tentou, sem sucesso, obter uma reação do representante da linha férrea.