Patrice Lumumba: Quem assassinou o herói da RDC?
2 de julho de 2025
Durante mais de 60 anos, Juliana Lumumba questionou-se: Quem assassinou o pai? Como é que os americanos ajudaram no assassinato? O que fizeram as Nações Unidas: mantiveram-se de braços cruzados, apesar de ele estar sob a sua proteção? São questões políticas incómodas. E Juliana não descansa até obter respostas.
"Não se pode ser filha de Patrice Lumumba sem que isso determine a sua vida", diz. O seu olhar é sereno. Não está a olhar para a câmara, mas para o lado, pela janela da sua casa em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo (RDC), com o queixo ligeiramente levantado.
Em 17 de junho, o assassinato do seu pai em 1961 foi novamente julgado em Bruxelas. Bélgica é parcialmente responsável: em 2001, uma investigação parlamentar estabeleceu que o então rei belga Balduíno sabia dos planos de assassinato e nada fez para os impedir.
Mas não é tudo. O irmão de Juliana, François, o queixoso, acusa o Estado belga não só de crimes de guerra e de tortura, mas também de envolvimento numa conspiração que visava a eliminação política e física do pai.
Lumumba lutou pela independência
Patrice Lumumba libertou o Congo do domínio colonial belga em 30 de junho de 1960, tornando-se o primeiro primeiro-ministro do país. Prometeu democracia, prosperidade e o fim da exploração de matérias-primas congolesas por potências estrangeiras. Mas não era para ser.
O Ocidente - especialmente a Bélgica e os EUA - não gostou dos planos de Patrice Lumumba de nacionalizar as matérias-primas do Congo. Já para não mencionar a sua proximidade com a União Soviética em plena Guerra Fria.
Em 17 de janeiro de 1961, meio ano depois de Lumumba ter sido eleito primeiro-ministro do Congo livre, separatistas congoleses levaram-no para a província hostil de Katanga com a bênção belga e americana. Lá, Lumumba e dois dos seus confidentes foram baleados sob o comando de oficiais belgas. Os factos só foram conhecidos graças a investigações como a do sociólogo belga, Ludo De Witte, "O Assassinato de Lumumba".
Outro oficial belga, Gerard Soete, serrou os corpos em pedaços e dissolveu-os em ácido sulfúrico. Dois dentes foram tudo o que restou de Lumumba. Soete guardou-os como um troféu. Juliana soube disto pela televisão, numa reportagem de 2000 de uma emissora alemã, em que o próprio Soete contou os pormenores e apontou os dentes para a câmara. Esta memória macabra ainda perturba Juliana.
"Como se sentiria se lhe dissessem que o seu pai não só foi morto, enterrado, desenterrado, cortado em pedaços, como também lhe retiraram partes do corpo?", pergunta. "Para muitos, ele foi o primeiro primeiro-ministro do Congo, um herói nacional. Mas para mim, era o meu pai..
Juliana Lumumba luta pela verdade
Anos mais tarde, Juliana escreveu uma carta ao rei belga exigindo a devolução de um dos dentes. Ninguém sabe onde está o segundo. Soete afirmou que o tinha atirado para o Mar do Norte. Morreu pouco tempo depois, mas a filha mostrou o dente de ouro a um jornalista. Ludo De Witte processou-a e as autoridades belgas confiscaram os restos mortais.
Em 2022, o então primeiro-ministro belga Alexander de Croo devolveu o dente aos filhos de Lumumba numa cerimónia em Bruxelas e pediu desculpa – ao contrário do rei Filipe, descendente direto do rei Balduíno, que não pronunciou a palavra "desculpa". Limitou-se a expressar o seu "mais profundo pesar" pela violência infligida ao povo congolês sob o domínio belga.
Mas o pedido de desculpas não é suficiente para Juliana. "Não se trata de desculpas. É sobre a verdade, sobre la verité (‘a verdade' em francês)", refere.
Crianças cresceram no exílio
Quando o seu pai foi assassinado, Juliana tinha apenas cinco anos de idade. Soube-o no exílio, no Egito. Poucos meses antes do assassinato de Lumumba, ela e os irmãos foram levados clandestinamente da sua casa no Congo, onde o pai estava em prisão domiciliária, para o Cairo com passaportes falsos. Patrice Lumumba sabia que ia morrer, afirma. Também deu a entender isso na última carta que escreveu à sua mulher.
No Cairo, os filhos de Lumumba cresceram com Mohamed Abdel Aziz Ishak, um amigo diplomata de Lumumba, a sua esposa e os seus filhos. Juliana chama-lhe Papa Abdel Aziz e Mama Zizi. Fala de uma infância bonita: "Crescemos com muito amor e empatia".
No entanto, não conseguiram escapar à sua própria história. "Somos uma família política", aponta Juliana. "Viemos para o Egito por razões políticas, acolhidos pelo Presidente Nasser. A política está no centro das nossas vidas, quer queiramos quer não".
Os seus filhos também entraram na política. Juliana ocupou vários cargos ministeriais e o seu irmão François é o líder do Movimento Nacional Congolês, o partido fundado pelo pai.
Juliana sempre teve consciência do carácter político do assassinato do seu pai, mesmo quando ainda era criança. Soube-o no Cairo através da mãe Zizi, que contou primeiro ao filho mais velho François e depois aos seus outros filhos. Foi também a mãe Zizi e o pai Abdel Aziz que contaram a sua própria história.
A notícia da morte de Lumumba, em 1961, espalhou-se rapidamente pela cidade. "Deitaram fogo à biblioteca da universidade americana e saquearam a embaixada belga", recorda. "As pessoas nas ruas gritavam ‘Lumumba, Lumumba'".
Culpa, reconhecimento e sequelas coloniais
Só em 1994, quando a ditadura de Mobutu no Congo estava à beira do colapso, é que Juliana regressou à sua terra natal após anos de exílio. Era esse o desejo do pai. "Ele disse-nos que, acontecesse o que acontecesse, tínhamos de regressar a casa. Por isso, quando foi seguro para nós, voltámos para a casa, onde pertencemos", revela.
Atualmente, Juliana está menos ativa na política congolesa. Não quer falar da situação atual, do conflito entre o exército congolês e a milícia rebelde M23, nem da exploração contínua dos recursos naturais por parte dos países ocidentais, da China, do Ruanda e de outras potências estrangeiras. Também não quer falar sobre o possível julgamento em Bruxelas do último suspeito vivo que poderá ter sido cúmplice no assassinato do seu pai, Etienne Davignon, de 92 anos.
Antigo diplomata belga, homem de negócios e ex-vice-presidente da Comissão Europeia, Davignon é o último dos 10 belgas acusados de envolvimento no assassinato, no âmbito do processo judicial instaurado em 2011 pelos filhos de Lumumba.
Com poucos progressos ao longo de mais de seis décadas, Juliana está a perder a esperança de que alguém seja finalmente levado à justiça pela morte do seu pai.
"Ninguém foi responsabilizado. Nenhum belga, nenhum europeu, nenhum congolês. Nem brancos nem negros. Todos concordam que houve um homicídio. Houve um crime. Mas ninguém o cometeu", lamenta.
Patrice Lumumba faria hoje, dia 2 de julho, 100 anos.