Pelo menos onze mortos em novos ataques em Cabo Delgado
Lusa | EFE | cvt
24 de novembro de 2018
Dezenas de casas também foram incendiadas. Ataques foram registados no povoado de Chicuaia Velha, aldeia remota do distrito de Nangade, e também em Lukwamba e Litingina.
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Os ataques aconteceram na noite de quinta-feira (22.11), mas a informação só foi divulgada esta sexta-feira (23.11).
Um primeiro ataque ocorreu na aldeia de Chicuaia Velha, distrito de Nangade, na província de Cabo Delgado, onde nove civis foram assassinados e mais de 40 casas foram queimadas.
Depois, na mesma província, os criminosos mataram um adulto de Lukwamba e outro em Litingina, segundo a agência EFE.
Moradores disseram à agência EFE, por telefone, que os atacantes usaram espadas e facas para atacar às vítimas. As autoridades administrativas e policiais da região não confirmaram os ataques, mas também não desmentiram.
Segundo a agência Lusa, em Chicuaia Velha o grupo terá usado catanas para matar oito pessoas e uma outra foi encontrada carbonizada, depois de os agressores terem deitado fogo a casas - que, como quase todas na zona, são de construção artesanal - e depois de terem roubado animais, segundo a agência Lusa.
Ainda de acordo com as fontes ouvidas pela Lusa, parte da população fugiu do povoado durante o ataque e não há indícios que permitam identificar os atacantes.
O distrito de Nangade, localizado junto à fronteira com a Tanzânia, é um dos que tem sido palco da onda de violência que desde outubro de 2017 atinge locais recônditos, no meio do mato, sem rede elétrica e só acessíveis por estradas em terra batida, na província de Cabo Delgado.
Ligações terroristas
Segundo a EFE, os ataques são atribuídos à organização jihadista Al-Shabab, que não tem relação com o grupo homônimo da Somália.
Embora diga, da mesma forma que seu homônimo somali, que defende a ideologia islâmica, um estudo acadêmico publicado este ano afirma que a Al-Shabab de Moçambique busca desestabilizar o país e dar espaço para o comércio ilegal de madeira, marfim e rubi, que gera milhões de dólares todos os anos.
Esta semana, 189 pessoas foram acusadas na província de Cabo Delgado de integrar a Al-Shabab moçambicana.
Desde outubro de 2017, ataques a civis e militares resultaram em mais de 100 mortes no norte do país, onde ficam grandes jazidas de gás natural e petróleo com concessões a multinacionais.
Histórico dos ataques
Há dez dias, seis homens adultos foram encontrados mortos no meio do mato, no distrito adjacente de Palma, depois de terem saído para caçar, sendo os corpos encontrados com sinais de ataque com catanas.
Desde há cerca de um ano, segundo números oficiais, já terão morrido cerca de 100 pessoas, entre residentes, supostos agressores e elementos das forças de segurança.
A violência em Cabo Delgado ganhou visibilidade após um ataque armado a postos de polícia de Mocímboa da Praia, em outubro de 2017, em que dois agentes foram abatidos por um grupo com origem numa mesquita local que pregava a insurgência contra o Estado e cujos hábitos motivavam atritos com os residentes, pelo menos, desde há dois anos.
Depois de Mocímboa da Praia, os ataques têm ocorrido sempre longe do asfalto e fora da zona de implantação da fábrica e outras infraestruturas das empresas petrolíferas que vão explorar gás natural, na península de Afungi, distrito de Palma.
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".