Perdidos (e achados) no Parlamento Europeu
24 de maio de 2014Perdemo-nos no Parlamento Europeu, em Estrasburgo. Na torre de 60 metros do Parlamento e nos edifícios anexos, os corredores com escritórios de um lado e de outro desembocam em mais corredores, sem nada em particular que os distinga. Tentamos regressar ao ponto de partida, mas perdemo-nos de novo porque, após descer um vão de escadas, não virámos numa porta que nem sequer nos demos conta que estava lá.
Depois de subir um dos elevadores de vidro do edifício principal, encontramos finalmente a sala que procurávamos. Porém, estamos atrasados. Duas dezenas de jovens já estão a debater as oportunidades e desafios da União Europeia. Entre eles está a francesa Pauline Gessant, a presidente da associação Juventude Europeia Federalista, que organizou o debate.
A jovem de 33 anos está preocupada com estas eleições europeias, porque "há cada vez menos pessoas a votar. Para quem, como eu, acredita na democracia, isso é um problema."
A abstenção não para de aumentar desde a primeira votação. Em 1979, foram votar cerca de 62 por cento dos eleitores. Na última eleição, em 2009, a participação ficou-se pelos 43 por cento.
"Estou também preocupada com os movimentos eurocéticos", diz Gessant. "Temo que a discussão se centre apenas nos aspetos negativos e se considere que a maioria das pessoas é contra a Europa."
"Monstro burocrático"
Estamos na sala LOW S 4.1. A sigla também contribuiu para nos perdermos. Seguramente, o nome da sala obedece a uma lógica – mas, acabados de chegar, não a entendemos de imediato.
Lembramo-nos de uma passagem de um livro escrito pelo professor universitário inglês Edward C. Page há quase vinte anos. Page notava a certa altura que, na União, "as leis são conhecidas por números abstratos em vez de nomes simples – [por exemplo,] diretiva 78/319 sobre gestão de resíduos." É fácil associar a União Europeia a burocracia, concluía o professor.
Ainda hoje é assim. Para quase um quarto dos europeus, a União significa muitos papéis e processos morosos, segundo um inquérito divulgado em maio pela Comissão Europeia. No debate organizado pela associação de Pauline Gessant, "monstro burocrático" foi uma das expressões usadas para descrever as instituições europeias.
"Temos a sensação de que a União Europeia funciona de uma forma bastante complicada, mas isso também acontece porque [na escola] nunca aprendemos suficientemente sobre ela", afirma a jovem francesa. "A União também lida com aspetos bastante técnicos e, por vezes, os europeus vêem-na como algo muito distante do seu dia-a-dia."
Instituições estão distantes
Segundo o jovem catalão Joan Lanfranco Pari, da organização independente VoteWatch Europe, muitos europeus não acreditam que as eleições europeias trazem mudanças visíveis para as suas vidas. "Eles pensam: 'porque é que me vou preocupar se posso votar nas verdadeiras eleições, as eleições locais, regionais e nacionais?'"
Na Alemanha, a União Democrata-Cristã (CDU) fez cartazes para as eleições europeias quase idênticos aos que usou nas legislativas de 2013. Os cartazes destacam Angela Merkel, a líder do partido, a sorrir. Porém, a chanceler alemã não se candidata ao Parlamento Europeu.
Na VoteWatch Europe, Lanfranco Pari tem acompanhado as sondagens dos 28 Estados-membros sobre as eleições europeias. Este ano, uma coisa parece ser certa – haverá muitos votos de protesto.
"Sobretudo no sul da Europa, os movimentos de protesto contra a austeridade têm estado a mobilizar muitos eleitores. No norte da Europa é diferente. Muitos dizem que não querem pagar ou querem pagar menos para financiar as dívidas dos países do sul", refere o jovem.
Sondagens coletadas pela organização de Lanfranco Pari indicavam que os partidos de extrema-direita da francesa Marine Le Pen e do holandês Geert Wilders vencerão as eleições em França e na Holanda, respetivamente. Wilders prometeu combater a partir de dentro o "monstro de Bruxelas".
Por outro lado, em Itália, o Movimento Cinco Estrelas, da esquerda populista, pede um referendo para decidir se a Itália continua ou não a usar o euro como moeda. O movimento, do humorista Beppe Grillo, poderá ficar em segundo lugar.
Feitas as contas, o próximo Parlamento será bastante diferente daquele que os cidadãos da União Europeia estavam habituados até agora.
"As sondagens mostram que a zona central do Parlamento encolherá cerca de 20 por cento. E encolherá favorecendo os extremos, tanto da direita como da esquerda", diz Joan Lanfranco Pari, da VoteWatch Europe.
As mudanças poderão ter impactos visíveis na legislação europeia: "O acordo sobre a Parceria de Investimento e Comércio com os Estados Unidos (TTIP) poderá enfrentar tempos difíceis. Outra política que poderá ser ameaçada por este novo Parlamento é a liberdade de movimento na União: que poderá inclusive ser limitada."
Pauline Gessant espera que estas eleições sirvam, pelo menos, como uma espécie de "abanão" para os políticos europeus.
"Devia fazer com que eles se aproximem mais dos cidadãos", refere a presidente da Juventude Europeia Federalista. "Não queremos negociações à porta fechada em que, depois, os políticos vêm e dizem: 'olhem, temos um novo tratado'."
Mais do que "sim" ou "não" à União
Encontramo-nos num outro corredor do Parlamento Europeu com Johanna Nyman. Perdemo-nos mais uma vez, mas depressa encontrámos o caminho. Não chegámos atrasados.
"Creio que se tomaram nos últimos anos más decisões a nível europeu. Mas isso não significa que eu queira acabar com a União Europeia", diz a jovem finlandesa. "Assusta-me o facto de muitos movimentos populistas estarem a sequestrar o debate e a enquadrar estas eleições apenas num 'sim' ou 'não' à União."
Ao peito, a jovem de 24 anos traz um crachá onde está escrito, em inglês, "I'm a voter" – "É claro que vou votar. Não quero entregar a outra pessoa o poder do meu voto quando é o meu dia-a-dia que está em jogo", afirma.
Nyman pede que a sua voz, e a dos cidadãos em geral, seja mais escutada nas instituições europeias – quer aqui em Estrasburgo, quer em Bruxelas. Os cidadãos deviam também ser mais informados sobre o que está por detrás das decisões tomadas no Parlamento Europeu, no Conselho Europeu e na Comissão Europeia.
"Tem de haver alguma burocracia, porque se trata de um sistema democrático, em que há vários organismos e são tomadas muitas decisões. Mas é preciso tornar tudo isso mais acessível às pessoas", diz a jovem finlandesa. "Além disso, é preciso que elas participem no processo. A democracia não é saudável se a nossa voz só é ouvida de cinco em cinco anos, quando há eleições."
O Parlamento Europeu garante que está a fazer uma grande aposta audiovisual na internet para informar sobre o que se passa nas sessões plenárias e comissões parlamentares. Juana Lahousse-Juárez, diretora-geral de comunicação, diz também que o Parlamento tem convidado os deputados a criar plataformas de debate com os cidadãos. Mas como se poderá mudar a imagem do Parlamento Europeu como "monstro burocrático"? Lahousse-Juárez salvaguarda que "é muito difícil mudar uma determinada imagem se as pessoas não forem recetivas à informação que lhes está a enviar."
Desemprego
Em meados de maio, ao publicar o inquérito "Europeus em 2014", a Comissão Europeia disse que o esforço que tem realizado para se aproximar dos cidadãos tem compensado. Mais de metade dos europeus está otimista quanto ao futuro da União, segundo a Comissão. Mas o desemprego continua a ser uma grande preocupação.
No bloco de 28 países, há atualmente 26 milhões de pessoas sem emprego. Em Espanha ou na Grécia, mais de metade dos jovens está desempregada.
"Eu quero uma Europa solidária, livre, pacífica. […] Mas, da forma como os países-membros da União estão a lidar com a crise, não sei se toda a gente sente a mais-valia de estar na União", diz a jovem francesa Pauline Gessant.
Projeto inacabado
"Perdidos" nos meandros da União Europeia, há quem se esqueça por vezes dos países que ainda estão fora e querem entrar, afirma Gessant.
"Acontece o mesmo com o euro. Alguns países fora da zona euro gostariam de entrar, enquanto outros que já usam o euro como moeda gostariam de sair. É como acontece com as crianças: quando elas têm muitos brinquedos, queixam-se porque querem mais, mas esquecem-se de que já têm muitos". No entanto, segundo a jovem, "é preciso perceber que o sistema não é perfeito e que é preciso reformar a Europa, torná-la mais democrática e eficiente."
Ao sair, olhamos mais uma vez para o edifício principal do Parlamento Europeu. Visto de fora, não parece tão labiríntico. Mas um dos lados da torre parece inacabado. O arquiteto desenhou-a assim de propósito, para transmitir a ideia de uma Europa permanentemente em construção.