O que conta na escolha do candidato presidencial da FRELIMO?
Silaide Mutemba (Maputo)
23 de fevereiro de 2024
Escolha do candidato às presidenciais do partido no poder acende debate em Moçambique sobre os critérios de seleção. O que pesará mais: a tradição regional ou o perfil político e de liderança?
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O cenário político em Moçambique está a ser marcado por um intenso debate sobre a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), o partido que historicamente tem exercido forte influência na liderança do país.
Moçambique tem eleições presidenciais marcadas para outubro deste ano e os moçambicanos aguardam com muita expetativa a indicação do candidato da FRELIMO, partido no poder desde a independência, em 1975.
A discussão centra-se na escolha do candidato para as eleições presidenciais, o que traz à tona questões fundamentais sobre os critérios de seleção e a tradição regional.
Desde a fundação da FRELIMO, a liderança do partido e o cargo de Presidente da República têm sido predominantemente ocupados por indivíduos originários da região sul do país. No entanto, a nomeação de Filipe Nyusi, natural de Cabo Delgado, para candidato presidencial em 2014 e, posteriormente, para a direção do partido, trouxe uma mudança.
Que critérios?
Analisando o contexto histórico, a FRELIMO foi formada a partir de três movimentos nacionalistas constituídos por cidadãos originários das três regiões: norte, centro e sul.
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O debate atual gira em torno de que critérios serão utilizados para a indicação dos pré-candidatos à eleição presidencial.
Fontes ouvidas pela DW divergem quanto a este tema. Alguns entrevistados argumentam a favor de um critério baseado no perfil político e de liderança, enquanto outros destacam a importância da proveniência regional, preferencialmente, do centro.
Ouvido pela DW, o académico moçambicano Elísio Macamo alerta para as possíveis consequências caso o partido considere o critério regional e ignore outros elementos para a indicação de um candidato presidencial: "A FRELIMO pode definir isso como critério interno, mas tem que estar consciente de que arrisca estar a comprometer as suas chances eleitorais, porque pode estar a escolher um mau candidato na base regional, o que pode prejudicar as suas chances e afetar a governação, caso seja eleito".
Dar uma hipótese ao centro do país
Por outro lado, o ativista social Jeremias Vunjane entende que, por uma questão de justiça e história, é justa a indicação de um candidato da região centro do país: "Ao defender a ideia de que o próximo Presidente, se vier do partido FRELIMO, terá de ser necessariamente do centro, não vejo questões regionais e muito menos étnicas ou tribais. É uma questão de fechar um ciclo que começou".
A relação histórica da fundação da FRELIMO e a ideia de que agora é a vez do centro é igualmente apontada pelo professor universitário Hilario Chacate.
Ainda assim, Chacate refere que acima das questões regionais deve-se considerar as competências de liderança do candidato, que, defende, "deve ser encontrado na base de critérios de competência, critérios de mérito, idoneidade e consenso dentro do próprio partido, independentemente da proveniência do indivíduo".
60 anos da FRELIMO, alguns momentos históricos
A FRELIMO comemora 60 anos desde a sua criação, em 1962, na Tanzânia. Durante este período, já teve cinco presidentes. Só o primeiro não dirigiu o país – Eduardo Mondlane.
Foto: Marco Longari/AFP/Getty Images
Eduardo Mondlane (à direita), o primeiro presidente da FRELIMO
Eduardo Chivambo Mondlane, o primeiro presidente da FRELIMO, nasceu em Manjacaze, província de Gaza, sul de Moçambique, a 20 de junho de 1920 e morreu em 03 de fevereiro de 1969, na Tanzânia, vítima de uma encomenda armadilhada. Eduardo Mondlane é carinhosamente tratado como o "pai da unidade nacional", por ter conseguido unir os três movimentos que fundaram a FRELIMO (UDENAMO, MANU e UNAMI).
Foto: casacomum.org/ Documentos Mário Pinto de Andrade
Samora Machel , o primeiro Presidente de Moçambique independente
Nascido a 29 de setembro de 1933, também em Gaza. Após a morte de Eduardo Mondlane, Samora Machel dirigiu os destinos da FRELIMO e a luta de libertação nacional até à proclamação da independência de Moçambique, a 25 de junho de 1975.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Proclamação da independência nacional
A 25 de junho de 1975, em pleno Estádio da Machava, arredores da cidade de Matola, Samora Machel proclamou a independência nacional. Por essa via, viria a ser ele o primeiro Presidente da República Popular de Moçambique.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Sob liderança de Machel, foi lançada em 1983 a Operação Produção
Na visão de Machel, o país deveria ser autossuficiente na produção de comida. Mas a "Operação Produção" acabou forçando milhares de pessoas, consideradas improdutivas, marginais e prostitutas, das grandes cidades a deixarem as suas famílias, rumo a Niassa.
Foto: Fundação Mário Soares/Estúdio Kok Nam
Samora Machel morre vítima de acidente aéreo em Mbuzini
A 19 de outubro de 1986, quando regressava de mais uma missão de Estado, o avião em que seguia despenhou-se na região de Mbuzini, na África do Sul. Calou-se a voz que marcou gerações em Moçambique. 36 anos depois, ainda não são conhecidos os autores morais e materiais da morte de Samora Machel.
Foto: DW/M. Maluleque
Joaquim Chissano - 2º Presidente de Moçambique e 3º da FRELIMO
Depois da morte de Machel, em 1986, coube a Joaquim Chissano a missão de tomar o remo do "barco" e navegar contra muitas turbulências. Encontrou o país mergulhado numa guerra civil e com alto índice de pobreza. Durante o seu reinado de 19 anos (1986-2005), assinou o acordo de Roma (1992) com a RENAMO, que pôs fim à guerra dos 16 anos. E liderou o processo de entrada no multipartidarismo.
Foto: Ismael Miquidade
Armando Guebuza – 4º Presidente da FRELIMO e 3º de Moçambique (2005-2015)
Sucedeu a Joaquim Chissano. Durante o seu reinado de 10 anos, Moçambique voltou a viver momentos de conflito militar com RENAMO. Também foi durante a governação de Guebuza que o país registou o pior escândalo financeiro na sua história - as "dívidas ocultas". Mas registou-se uma grande evolução em termos de infraestruturas públicas.
Foto: picture-alliance/dpa
Filipe Nyusi - o "homem" do momento (2015 até hoje)
Filipe Nyusi "levou" o poder político dentro da FRELIMO da região sul, onde sempre se concentrou desde o seu surgimento, para o "berço" da luta de libertação, Cabo Delgado. Encontrou o país mergulhado no escândalo das dívidas ocultas. Durante o seu consulado, lidou ainda com conflitos político-militares com a RENAMO, a "Junta Militar" e, atualmente, enfrenta os ataques terroristas de Cabo Delgado.