Petição internacional quer o fim da desflorestação ilegal na Guiné-Bissau
18 de junho de 2014 Grande parte dos recursos florestais da Guiné-Bissau está a ser ilegalmente explorada, algo que segundo os especialistas, ameaça a manutenção da sua diversidade genética, a conservação da biodiversidade no país e as comunidades que dependem dos ecossistemas.
Face a este quadro, o Movimento Ação Cidadã, sediado em Bissau, lançou a petição mundial “Parem imediatamente o tráfico ilegal de madeira na Guiné-Bissau", através da plataforma na internet www.avaaz.org.
Apesar das denúncias feitas nos últimos dois anos, a madeira da Guiné-Bissau acaba em contentores e é exportada por via marítima e terrestre, sem regras nem controlo, alerta a petição.
O movimento social destaca ainda que agora o corte ilegal de árvores no país está a afetar também as "flortestas sagradas", zonas protegidas por usos e costumes das comunidades e geralmente abrigo de espécies raras de fauna e flora.
A DW África falou com Miguel de Barros, sociólogo, investigador e fundador do Movimento Ação Cidadã.
DW África: “Parem imediatamente o tráfico ilegal de madeira na Guiné-Bissau” é o tema de uma campanha que está a circular a nível mundial na internet. Porquê este campanha?
Miguel de Barros (MB): Esta petição é uma oportunidade de responsabilização ao Governo eleito, na perspectiva de que crie condições políticas e públicas no sentido de travar toda esta corrida à exportação de madeiras.
E, ao mesmo tempo, pretende ser uma atitude de responsabilização no que concerne à aplicação da lei florestal que é muito clara relativamente à exportação de toros; é também uma exigência para que haja compensação das comunidades quando se faz a exploração; e ainda para que se una a uma política de investimentos no sector, relativamente à reflorestação, fazendo com que o Estado de direito prevaleça e salvaguarde a soberania nacional.
DW África: Existem contratos assinados entre o Governo de transição guineense e outros Governos estrangeiros, nomeadamente o chinês?
MB: Neste momento, estamos numa situação de anarquia, de alguma irresponsabilização do Estado. As licenças de exploração florestal, que algumas empresas nacionais tinham, estão subalugadas a empresas chinesas. Além disso, o que acontece neste momento é que estamos a passar por uma lógica de atribuição de autorização do corte, que não está a ser concedida às pessoas e empresas que já tinham experiência, competência, conhecimento e domínio da exploração florestal, mas sim aos empresários do momento que aparecem e que estão a entrar nas florestas, inclusive nas florestas de gestão comunitária sagrada. O que põe em causa toda a capacidade de acesso aos recursos, em termos de segurança alimentar nutricional, em termos de farmacopeia e de alguns recursos culturais que o sistema florestal consegue fornecer.
Ao mesmo tempo, numa lógica onde a violação da lei florestal é tão gritante na qual ninguém tem informação, as autoridades não prestam contas, assumem uma atitude de desresponsabilização. Assim, assistimos à saída de porta-contentores de Bissau, todos os dias, sem que haja, de facto, uma responsabilidade assumida por quem de direito.
DW África: Neste momento é preocupação também a exploração desenfreada de árvores nas florestas sagradas. O abate nestas zonas mexe com os costumes e hábitos das comunidades?
MB: Mexe profundamente. Se olharmos para as dinâmicas de gestão dos territórios das nossas comunidades e grupo étnicos animistas, encontramos lógicas que permitem uma coabitação perfeita entre o Homem e a natureza, relativamente à sacralização de alguns espaços e recursos fundamentais para a própria sobrevivência humana e que, ao mesmo tempo, permitiu também a reprodução saudável destes recursos.
E foi nessa base que se criou o Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas, uma entidade do Estado para gerir o potencial natural e que deveria evitar o que está a acontecer hoje. Na altura, foram encontradas dinâmicas da sacralização que permitissem, de algum modo, não só o repouso do espaço e a coabitação entre Homem e mato, mas também a disponibilidade desses recursos para a farmacopeia, para a produção de alimentos e, ao mesmo tempo, para que as comunidades possam de algum modo ter uma capacidade de sobrevivência, num contexto onde o Estado é extremamente frágil e ausente.
Neste momento, nas áreas protegidas que o país tem, essas dinâmicas mostram a fragilidade da consciência cívica e política dos decisores relativamente àquilo que foi o investimento de décadas de muitas instituições nacionais, organizações da sociedade civil e cominidade internacional que investiram não só na preservação desse espaço mas também na construção de alternativas para as comunidades, relativamente ao acesso à educação, saúde. Neste momento, tudo está a ser posto em causa e o próprio Estado de direito não ganha de uma forma objetiva, com a exploração da madeira e tocando numa espécie que até agora o próprio amigo da floresta protegia, que é o pau-de-sangue. Na nossa dinâmica de exportação da madeira, o pau-de-sangue não tem licença para ser exportado e, neste momento, parece que há uma organização altamente seletiva para corte, exploração e exportação de pau-de-sangue, sem responder aos dispositivos que a lei florestal prevê.
DW África: Com o início em funções das novas autoridades, Presidente da República, Presidente do Parlamento e Governo já prometeram rever os contratos relacionados com a exploração dos recursos naturais do país. Está confiante que a situação irá mudar?
MB: A situação deve mudar pela positiva, porque a legitimidade política das novas autoridades projeta-as para além do discurso político, para uma dimensão de ações concretas. Isso passa, antes da revisão de qualquer tipo de acordo de exploração dos recursos naturais, pela tomada de medidas concretas como travar completamente a exportação que está a acontecer atualmente.
O que significa que o novo Governo deveria confiscar todos os toros (madeira) que, neste momento, estão à espera de serem transportados para fora do país e, ao mesmo tempo, responsabilizar política e criminalmente os envolvidos neste processo ilegal. Por outro lado, o Parlamento deverá adotar uma moratória que determine claramente que não existem licenças de exploração ou exportação do pau-de-sangue, pelo menos, por um período de dez anos, dando espaço à reprodução da espécie e para que haja algum equilíbrio novamente nas nossas florestas.
Por fim, o Governo deveria tomar medidas mais concretas no que concerne à adesão do país à Iniciativa Transparência Internacional no capítulo referente à exploração dos recursos naturais. Só assim poderão ser salvaguardados os interesses da Guiné-Bissau relativamente à transparência dos contratos, ao uso de tecnologias apropriadas para a exploração dos recursos e à divulgação das contas públicas oriundas da exploração desses recursos. Assim poderemos ter garantias e confiança de que as novas autoridades irão defender de forma soberana e patriótica os recursos naturais da Guiné-Bissau.
Lembramos que o Presidente eleito da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, cuja tomada de posse está marcada para a próxima segunda-feira (23.06), prometeu em maio passado rever todos os contratos relacionados com a exploração de recursos naturais da Guiné-Bissau, "doa a quem doer".
Também na terça-feira (17.06), na sua tomada de posse, o novo presidente do Parlamento guineense, Cipriano Cassamá, prometeu no seu primeiro discurso oficial que o órgão que dirige tem também por tarefa analisar os contratos de exploração dos recursos naturais do país em nome dos interesses dos guineenses que representa.