Petrolíferas em tribunal por alegada corrupção na Nigéria
Martina Schwikowski | Muhammad Bello | nn
14 de maio de 2018
Petrolíferas Eni e Shell são acusadas de pagar subornos milionários para obterem uma licença de exploração de um campo de petróleo na Nigéria. Julgamento arranca esta segunda-feira em Milão, Itália.
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Pelo menos 15 arguidos vão estar sentados no banco dos réus no tribunal de Milão, em Itália. A maioria são funcionários das petrolíferas Eni e Shell. Entre os acusados está também o antigo ministro nigeriano do Petróleo, Dan Etete, que não deverá comparecer em tribunal por estar em parte incerta.
O processo remonta a 2011, quando a Eni e a Shell alegadamente transferiram mil milhões de euros para uma conta do Governo da Nigéria.
As duas empresas terão pretendido garantir a exploração de um campo de petróleo que valeria 2,5 mil milhões de euros. Porém, a maior parte dos pagamentos não terá acabado nos cofres do Estado nigeriano, mas sim numa empresa chamada Malabu Oil & Gas, detida pelo então ministro do Petróleo Dan Etete.
Dos mil milhões de euros, a acusação diz que pelo menos 430 milhões foram convertidos em dinheiro vivo para subornar políticos nigerianos. O antigo presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, também terá beneficiado do esquema.
Para Barnaby Pace, chefe do departamento de investigação da organização não-governamental britânica Global Witness, o julgamento de Milão é inédito.
"Nunca antes empresas deste tamanho, como a Shell, estiveram em tribunal por corrupção, nem os seus diretores em exercício. Este não é um caso isolado, há muitos outros. Mas este processo mostra que os culpados podem ser responsabilizados", comenta.
Segundo julgamento em Lagos
Um segundo julgamento com estas gigantes petrolíferas terá lugar em meados de junho em Lagos, na Nigéria, onde tanto a Shell como a Eni se arriscam a perder as licenças de exploração. É o grupo de direitos humanos Agenda de Desenvolvimento Humano e Ambiental (HEDA, na sigla em inglês) que vai levar as petrolíferas a tribunal.
"O julgamento em Milão é uma investigação criminal. O nosso caso em Lagos vai às origens do campo de petróleo", afirma Lanre Suraju, porta-voz do grupo. "Os contratos entre a Malabu, a Eni, a Shell e o Estado nigeriano são totalmente ilegais. O proprietário da Malabu, Etete, não pode obter uma licença de exploração enquanto ministro. O Governo nigeriano já admitiu que houve corrupção, por isso vamos levar este caso a tribunal."
Petrolíferas em tribunal por alegada corrupção na Nigéria
Eni e Shell negam
Em Milão, o procurador italiano acusa o diretor-geral da Eni, Claudio Descalzi, e outros gestores de saberem que parte do valor pago seria distribuída como subornos. Mas as petrolíferas negam as acusações.
Inquéritos independentes mostraram que não houve apropriação indevida de fundos, afirma a Eni. As empresas reafirmam que todos os pagamentos que fizeram se destinaram ao Governo. "A Eni não fez quaisquer acordos com a Malabu", afirmou Roberto Albini, porta-voz da petrolífera italiana em entrevista à DW.
A posição da Shell é semelhante: "Acreditamos que não há qualquer fundamento para condenar a Shell e os seus funcionários", disse a porta-voz da empresa, Anna Haslam, à DW. "Se acabar por haver provas de que Malabu ou outros fizeram pagamentos indevidos a antigos membros do Governo, isso aconteceu sem conhecimento ou ordem da Shell."
Processo sem precedentes
Segundo a ONG britânica Global Witness, a Shell já admitiu ter feito negócios com o antigo ministro nigeriano. Um conjunto de e-mails confidenciais enviados à organização mostram que altos funcionários da Shell sabiam que parte do pagamento seria para Dan Etete. A Shell argumenta, no entanto, que tudo foi feito de acordo com a lei.
Barnaby Pace, responsável da Global Witness, diz que este julgamento é uma oportunidade para se fazer justiça.
"Este caso traz esperança para uma nova fase em que os mais poderosos na indústria petrolífera altamente corrupta também podem ser responsabilizados", comenta Pace. "As pessoas da Nigéria perdem muito dinheiro com a corrupção. Este montante é mais do que o orçamento de saúde do ano passado num país onde uma em cada dez crianças morre antes dos cinco anos."
Ogoniland – O dia a dia após o derrame de petróleo
Apesar de gerar receitas, o petróleo também causa desilusão na região de Ogoniland, no Delta do Níger. A pesca tornou-se quase impossível nas águas contaminadas e o ar está poluído pelos gases tóxicos da queima de gás.
Foto: Katrin Gänsler
Pesca ineficaz
A aldeia de Bodo, na Nigéria, sempre viveu da pesca. Mas desde os derrames de petróleo no Delta do Níger, em 2008 e 2009, as redes dos pescadores estão vazias. Quem hoje em dia ainda pretende viver da pesca tem de ir para o mar, o que significa mais horas de trabalho e custos mais elevados.
Foto: Katrin Gänsler
Dependentes da água
Bodo fica na região de Ogoniland, no Delta do Níger, no extremo sudeste do país. Aqui, quase todos os canais do Níger estão contaminados por petróleo. E as pessoas sempre viveram na e com a água. Ainda hoje muitos vilarejos só são acessíveis por barco.
Foto: Katrin Gänsler
Manchas de petróleo por toda a parte
O caso do derrame de petróleo em Bodo e noutras partes de Ogoniland também foi abordado pelo Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente (PNUMA). Num relatório publicado em agosto de 2011, o PNUMA recomendou que o governo e as petrolíferas disponibilizem mil milhões de dólares para trabalhos de limpeza. No entanto, as manchas de petróleo, que reluzem na água, continuam até agora.
Foto: Katrin Gänsler
O meio ambiente não tem interesse na Nigéria
Saint Emmah Pii, o chefe da aldeia de Bodo, está zangado. “Estamos todos a morrer aqui. Bebemos água contaminada. Inalamos fumos tóxicos. A culpa é do petróleo.” Fora de Bodo, no entanto, ninguém parece preocupado. “Até ao momento, nem o governo em Abuja nem mesmo as multinacionais se interessaram pelos nossos problemas”, lamenta o chefe da aldeia.
Foto: Katrin Gänsler
Nada funciona sem o ouro negro
Desde o início da produção de petróleo, em 1958, a Nigéria tornou-se no oitavo exportador de petróleo no mundo. O Estado depende fortemente do ouro negro, do qual advém 90% das receitas de exportação. Cerca de 80% dos impostos do país derivam da produção do crude. Oleodutos como estes no estado de Rivers têm, portanto, de ser tolerados.
Foto: Katrin Gänsler
Na sombra das chamas de gás
Em todo o Delta do Níger, chamas como estas aparecem de repente. E não importa se a aldeia mais próxima fica a poucas centenas de metros de distância. Aqui, a queima de gás é oficialmente proibida desde 1984. Porém, 28 anos depois, ninguém se preocupa com o cumprimento da lei.
Foto: Katrin Gänsler
Tão ricos, tão pobres
Furioso, Chukwuma Samuel mostra as chamas de metros de altura com as quais ele e toda a aldeia têm de viver perto da pequena cidade de Egbema. “Olhem para as pessoas aqui. Elas estão indignadas”, diz, apontando para o pequeno mercado em que se encontra. “Estamos a sofrer aqui. Temos de lutar. Para nós, não sobra nada da riqueza do petróleo.”
Foto: Katrin Gänsler
O povo deve decidir
As petrolíferas não gostam de ouvir que não se importam com as pessoas. Portanto, o Grupo Shell anunciou um programa chamado GMoU - "Memorando de Entendimento Global". Os municípios recebem o dinheiro e decidem eles mesmos o que fazer com ele. Na maior cidade do Delta do Níger, Port Harcourt, o Hospital de Obio Cottage foi renovado. Todos os pacientes elogiam o empenho da Shell.
Foto: Katrin Gänsler
Bodo sem qualquer apoio
Contudo, a Bodo não chegou qualquer apoio, critica Kentebe Ebiaridor da organização de defesa ambiental Environmental Rights Action (ERA). E a maior prova disso são as margens sujas de petróleo. "As pessoas estão desiludidas", diz.
Foto: Katrin Gänsler
Petróleo barato do governo
Que a Nigéria é um país produtor de petróleo, os nigerianos só o notam nos preços da gasolina subsidiados pelo Estado. Até o final de 2011, um litro de gasolina custava 65 nairas (32 cêntimos). No início de 2012, o governo acabou com uma parte dos subsídios. Isto causou uma onda de protestos. Atualmente o litro custa 97 nairas (50 cêntimos), bem menos do que em muitos outros países de África.
Foto: Katrin Gänsler
A sonhar com uma pequena loja
Franziska Zabbey nada sabe sobre os preços da gasolina barata. Vive da terra e raramente sai de Bodo. O dinheiro que ganha mal lhe chega para sobreviver. “Se a Shell nos pagar uma indemnização pelo derrame de petróleo, eu poderia abrir uma pequena loja”, espera. Tudo o resto teria pouco futuro em Bodo.
Foto: Katrin Gänsler
Pescadores para sempre
Apesar de ser quase impossível viver da pesca, os barcos de pesca de Bodo são bem preservados. Quando voltarão a poder ser usados como antigamente não se sabe bem. As Nações Unidas estimam que irá demorar entre 25 e 30 anos até Ogoniland ficar limpa do petróleo.