A Procuradora-Geral da República de Moçambique, Beatriz Buchili, acusa advogados, polícia, SERNIC, magistrados e outros intervenientes da Justiça de estarem a dificultar a investigação e combate aos crimes de rapto.
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A Procuradora-Geral da República em Moçambique diz que há magistrados, advogados, agentes da polícia e do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) envolvidos na onda de raptos no país.
"Alguns que deviam estar na linha da frente de combate aliam-se aos criminosos e comprometem as investigações, o que desvirtua o espírito da sua missão de proteger o cidadão, de garantir a ordem e segurança pública", acusou Beatriz Buchili que falava, esta quarta-feira (27.04), no Parlamento, sobre o estado geral da Justiça.
Ainda segundo a procuradora, vários intervenientes da justiça "criam fragilidades na investigação e instrução dos respetivos processos além de perigar a segurança daqueles servidores públicos que estão comprometidos com o combate ao crime".
Empresários e os seus familiares têm sido os principais visados na onda de raptos em algumas cidades moçambicanas.
"Teia perigosa"
Dércio Alfazema, analista do Instituto para a Democracia Multipartidária (IMD), considera que o envolvimento de servidores do Estado nestes crimes coloca o país numa teia perigosa.
"Onde esses mesmos atores têm a responsabilidade de investigar esses casos vão, infelizmente, bloquear, e nós ficamos como um país definitivamente corrupto, sem encontrar caminho para uma saída", explica.
Extradição de Chang para Moçambique
Durante o informe sobre o estado da Justiça no último ano, a procuradora Beatriz Buchili destacou ainda o julgamento do maior escândalo de corrupção no país.
Buchili salientou que o caso das "dívidas ocultas" está a ser julgado desde agosto de 2021 sem um dos nomes mais citados no processo, o ex-ministro das Finanças, Manuel Chang, detido na África do Sul. A procuradora voltou a pedir que Chang seja julgado em Moçambique.
"Reiteramos o nosso posicionamento de que Moçambique é o único país com jurisdição para exercer uma ação penal sobre o caso em apreço e, consequentemente, todos os envolvidos devem ser responsabilizados perante as autoridades moçambicanas", justificou.
O analista Dércio Alfazema considera que a preocupação da procuradora em trazer Manuel Chang a Moçambique faz sentido. "Até porque os receios que nós tínhamos em relação à transparência do sistema de justiça no julgamento desse caso já foram dissipados", argumenta.
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Combate ao terrorismo
Outra preocupação de Beatriz Buchili é o terrorismo, que assola a província de Cabo Delgado desde 2017. A procuradora defendeu esta quarta-feira no Parlamento que o combate ao terrorismo exige um conjunto de estratégias integradas, que incidam não só sobre o terrorismo como nas diversas formas de financiamento e recrutamento.
Buchili informou que, "para fazer face ao crime de terrorismo", a Procuradoria-Geral da República criou uma equipa de trabalho composta por magistrados e investigadores "que se ocupam exclusivamente da investigação e instrução de processos referentes a este crime e conexos".
A procuradora anunciou ainda que, no ano passado, 48 terroristas foram condenados a penas entre 10 a 24 anos de prisão.
Mas para o analista Alfazema, "parece não haver grande avanço", em termos legais.
"Os números indicam que há, sim, pessoas arguidas e pessoas que estão a ser acusadas. Mas não mostram qual é a relevância das pessoas no sentido de ajudar a esclarecer a situação do terrorismo", conclui.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)