Pierre Nkurunziza deixa legado marcado por violência
Jan-Philipp Wilhelm | tms | com agências
10 de junho de 2020
A morte do Presidente do Burundi assinala o fim de um período de 15 anos no poder, caracterizado por forte violência policial e a retirada do país do Tribunal Penal Internacional.
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Évariste Ndayishimiye, eleito Presidente do Burundi nas presidenciais de 20 de maio, prestou condolência à família de Pierre Nkurunziza. O chefe de Estado estava prestes a transmitir o cargo ao seu sucessor. Ndayishimiye sublinhou que Nkurunziza deixa "um legado que nunca será esquecido".
Em declarações no seu perfil no Twitter, o novo Presidente do Burundi, que ainda vai ser empossado, prometeu "continuar o trabalho" de Pierre Nkurunziza.
Entretanto, o legado do antigo chefe de Estado está marcado pela violência. Para entender Pierre Nkurunziza, é preciso considerar o papel que desempenhou como líder rebelde na guerra civil, que durou de 1993 até 2005.
"Como líder rebelde, foi capaz de formar um movimento rebelde. E, por causa deste envolvimento, conseguiu negociar o seu caminho até à Presidência. Então, o seu estilo de liderança é resultado direto desses anos de violência", explicou o politólogo Phil Clark, da Universidade de Londres, numa entrevista à DW em 2018.
Terceiro mandato
Com o fim da guerra civil, Pierre Nkurunziza tomou posse em 2005 com o apoio do Parlamento. Após dois mandatos, o ex-líder rebelde anunciou em 2015 a sua candidatura para um terceiro mandato. Desde então, o Burundi vive uma grave crise política, que já resultou em pelo menos 1.200 mortes e mais de 400 mil deslocados.
Em 2017, o Tribunal Penal Internacional (TPI) abriu uma investigação sobre crimes cometidos no país entre abril de 2015 e outubro de 2017. O procedimento irritou Pierre Nkuruziza, que decidiu retirar o Burundi da Corte de Haia.
A violência foi desencadeada pela contestação ao possível terceiro mandato do Presidente, considerado inconstitucional pela oposição. No entanto, o chefe de Estado surpreendeu ao anunciar, em junho de 2018, que não seria mais candidato, apesar de a nova Constituição, aprovada por referendo daquele mesmo ano, permitir-lhe ficar no poder até 2034.
"Eterno líder supremo"
O ativista dos direitos humanos Pierre Mbonimpa, que sobreviveu à violência política no país, lamentou a morte do Presidente, mas também o facto de que Nkurunziza não poderá mais responder por seu atos na Justiça.
"Como ativista dos direitos humanos, sempre dói quando alguém morre. Mas, nesse caso, Nkurunziza não será mais processado. Estávamos à espera de justiça, mas agora será difícil", afirmou.
Em vez concorrer a um terceiro mandato, Pierre Nkurunziza apontou Évariste Ndayishimiye como candidato e recebeu do partido do Governo o título de "eterno líder supremo", com vários analistas a admitirem que continuaria a exercer o poder nos bastidores.
Na opinião de alguns analistas, a morte de Nkurunziza significa que o novo chefe de Estado vai ter "rédea solta", mas nem todos estão otimistas em relação a isso. "Sabemos como os generais e oficiais reagem. Mesmo se Ndayishimiye tomar posse como Presidente, o antigo sistema continuará no Governo", sublinhou o ativista Pierre Mbonimpa.
A morte de Pierre Nkurunziza foi anunciada esta terça-feira (09.06). O chefe de Estado foi vítima de um ataque cardíaco aos 55 anos. O país, em plena pandemia, declarou luto oficial de uma semana.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.