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O "eterno líder supremo" do Burundi?

Jan-Philipp Wilhelm | ck
21 de maio de 2018

Em referendo, eleitores burundeses deram "luz verde" a reforma constitucional que permitirá ao atual Presidente manter-se no poder até 2034. Observadores receiam que Pierre Nkurunziza planeie ficar além desta data.

Presidente do Burundi, Pierre NkurunzizaFoto: Imago/photothek/U. Grabowski

Recentemente, o partido governamental CNDD-FDD conferiu ao Presidente Pierre Nkurunziza o título de "eterno líder supremo". Na verdade, tudo indica que Pierre Nkurunziza se queira eternizar no poder.

Na quinta-feira (17.05), os burundeses votaram a favor de uma reforma constitucional que permite a Nkurunziza governar até 2034. Mais de 73% dos eleitores disseram "sim" à alteração da Constituição.

O partido diz que se trata de obedecer à vontade do povo. Mas os analistas insistem que o resultado do referendo se deve ao clima de medo que reina no país. Meios de comunicação social internacionais relatam que a intimidação e repressão contra membros da oposição e jornalistas atingiram um auge nas semanas que antecederam o referendo. Muitos opositores não foram votar por medo de represálias. No sábado (19.05), a oposição rejeitou o referendo, considerando-o antidemocrático.

Referendo no Burundi decorreu a 17 de maioFoto: DW/A. Niragira

A crise perene no Burundi

A crise instalou-se no país em 2015, quando Nkurunziza se candidatou a um terceiro mandato presidencial, violando a Constituição, que apenas autoriza dois. Desde então multiplicam-se as notícias de atentados, sequestros e tortura. Há poucos dias, 26 pessoas foram mortas por desconhecidos num ataque na província de Cibitoke.

Segundo as Nações Unidas, mais de 1200 pessoas morreram na violência que se seguiu a 2015. Outras 400 mil procuraram refúgio nos países vizinhos. Em novembro de 2017, o Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia lançou uma investigação contra o Governo de Bujumbura por "terror sistemático". O Burundi respondeu abandonando o TPI.

Uma vida marcada pela violência

Até onde poderá ir Pierre Nkurunziza para manter-se no poder? Para entender o Presidente brurundês é preciso ter em conta o papel que desempenhou como líder rebelde na guerra civil que durou de 1993 até 2005, diz o politólogo Phil Clark da London School of Oriental and African Studies: "O estilo de liderança de Nkurunziza é resultado direto desses anos de violência."

O clima de medo que reina no país inviabilizou um referendo livre e democráticoFoto: Getty Images/AFP

Tal como muitos burundeses da sua geração, também a vida de Nkurunziza, que nasceu em 1963, cedo foi marcada pela violência. Quando tinha nove anos, o seu pai, membro da etnia hutu e governador de duas províncias, foi assassinado durante uma onda de violência étnica. Estimativas apontam para mais de 100 mil hutus e 10 mil tutsis chacinados em poucos meses. Pierre Nkurunziza, os seus irmãos e a mãe tutsi, sobreviveram.

Carreira na guerra civil

Nos anos 80, Nkurunziza abandona a sua província natal de Ngozi para estudar Ciências do Desporto na universidade da capital, Bujumbura. Quando, em 1993, começou a guerra civil entre os rebeldes hutu e o exército predominantemente tutsi, trabalhava como professor de desporto e docente na universidade.

Dois anos mais tarde, Nkurunziza escapou à justa a um ataque do exército contra a universidade, no qual morreram mais de 200 pessoas. Pouco tempo depois aderiu ao grupo rebelde FDD, o braço armado do grupo político CNDD, dominado pelos hutus.

Nkurunziza faz carreira como miliciano e, em 2001, assume a liderança de um sub-grupo do FDD. Nesta função participa nas negociações de paz com o Presidente Domitien Ndayizeye, cujo Governo acaba por integrar em 2004. Um ano mais tarde, o CNDD-FDD, transformado em partido político, ganha as primeiras eleições livres desde a guerra civil. Como chefe do partido, Nkurunziza assume a presidência do país.

Mas os anos de guerra também deixaram marcas pessoais: cinco dos seus seis irmãos morrem na guerra civil em combates e massacres.

Pierre Nkurunziza - o "eterno líder supremo" do Burundi?

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Acusações de corrupção

Os esforços envidados pelo novo Presidente para pôr cobro à guerra civil são saudados no país e no exterior. Mas segundo o analista Phil Clark, é Nkurunziza que cria desde o início as condições para a crise em que o país mergulha em 2015.

"Desde sempre Nkurunziza recorreu aos cofres do Estado para comprar opositores políticos e manter o controlo do partido e do aparelho de Estado", afirma o politólogo.

O dinheiro depressa se esgotou, devido também à crise financeira internacional no início do milénio. O colapso gradual do Estado é por isso um resultado inevitável do regime corrupto criado por Nkurunziza, diz Clark.

Presidente vitalício?

Os protestos populares de 2015 levaram Nkurunziza a aumentar a opressão e a violência, alienando muitos dos seus antigos companheiros de luta. É o caso de Onesime Nduwimana, ex-porta-voz do CNDD-FDD. "Fica-se com a impressão que Nkurunziza nem sequer percebe as consequências das suas ações", disse Nduwimana à DW. "Para ele, só conta o poder", acrescentou.

Segundo o analista Phil Clark, os títulos grandiosos, como "visionário” e "eterno líder supremo", que o partido criou o hábito de conferir ao Presidente, são um indício de que Nkurunziza não tenciona abdicar do poder, mesmo depois de 2034. Outro sinal é o facto do Presidente, profundamente religioso, não se cansar de se referir a si próprio como uma espécie de messias e salvador do Burundi.

Resta saber o que se vai passar depois do referendo constitucional, sobretudo nas eleições presidenciais marcadas para 2020. Os observadores receiam um ressurgir da violência. Sobretudo se Nkurunziza começar a instigar ódios étnicos para se manter no poder.

Louis Rwagasore foi um símbolo de união no Burundi

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